O E$pírito das Leis https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br Thu, 13 Dec 2018 11:46:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Mais uma jogada de mestre do mecenas brasileiro https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/05/04/mais-uma-jogada-de-mestre-do-mecenas-brasileiro/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/05/04/mais-uma-jogada-de-mestre-do-mecenas-brasileiro/#respond Fri, 04 May 2018 05:00:43 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=353 Acordo de Bernardo Paz com o Governo de Minas é mais um grande negócio do “dono” de Inhotim


Onde foi aquele moço bom da renascença
Pai gentil das fábulas, romances e poemas?
Quem vai sustentar conosco o peso dessa pena?
Estamos todos esperando a volta do mecenas
E você diz: Olha, que linda as rosas
Quando eu digo: Acorda! Quem se importa?
Quando foi que entramos nesse estado de demência?
A cada nova década aumenta a decadência
E quem é que toma as divinas providências?

(“A Volta do Mecenas” – Matheus Torreão)

 

Fernando de Morais conta, em Chatô – o Rei do Brasil, como Assis Chateaubriand valia-se de sua rede de comunicação para pressionar (para não dizer achacar e chantagear) políticos e empresários a conceder-lhe as mais variadas benesses, de benefícios tributários para a compra de papel imprensa e equipamentos de rádio e TV a doações de obras de arte para o acervo do MASP.

Embora ainda formalmente casado com Maria Henriqueta Barrozo do Amaral, o dono dos Diários Associados teve uma filha com Cora Acuña em 1934. Declaradamente avesso às responsabilidades da paternidade (ele dizia que “Aníbal só chegou ao Norte da Europa com sua tropa de elefantes porque não tinha uma prole agarrada à barra de seu paletó”), Chatô a princípio não reconheceu a filha como sua. A menina recebeu o nome de Teresa Acuña (sem o sobrenome do pai) e na certidão de nascimento o campo referente à paternidade ficou em branco.

Mas como “a vida é real e de viés”, com o tempo Assis Chateaubriand foi se afeiçoando à menina. E como o relacionamento com a mãe era o pior possível, a disputa pela guarda da filha acabou chegando aos tribunais. A legislação da época, entretanto, era bastante clara: “O pátrio poder será exercido por quem primeiro reconheceu o filho, salvo destituição nos casos previstos em lei.” Como o magnata das comunicações não havia reconhecido a paternidade em cartório, a lei assegurava à mãe o direito sobre a menina.

Cada vez mais apegado à filha e, por outro lado, vendo que a mãe não cedia às pressões e se mostrava aguerrida na disputa judicial – certa de que o direito estava do seu lado –, Chatô partiu para a pressão política. E após meses de uma intensa campanha difamatória contra Getúlio Vargas, obteve finalmente o seu troféu: a edição, pelo presidente da República, do Decreto-lei 5.213/1943, que passou a estabelecer que: “O filho natural, enquanto menor, ficará sob o poder do progenitor que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram, sob o do pai, salvo se o juiz decidir doutro modo, no interesse do menor.”

De tão escancarada que foi a manobra de Chateaubriand em forçar a alteração da lei para atender a seu interesse pessoal, essa norma ficou conhecida à época como “Lei Teresoca”, numa referência à maneira carinhosa como Chatô chamava a filha. E até hoje é um dos melhores exemplos de como as leis podem ser formalmente abstratas, mas, na prática, terem destinatários certos – e poderosos.

Recentemente, por estas bandas de Minas Gerais, foi aprovada uma “Lei Teresoca” igualmente insólita, embora muito mais danosa para o Erário e todos nós, contribuintes. O art. 42 da Lei Estadual nº 22.549/2017 permitiu o  uso de obras de arte para o pagamento de dívidas tributárias relativas ao ICMS. Para quem vive por aqui não foi difícil desconfiar de que se tratava de uma norma encomendada – seu principal beneficiário tinha nome, sobrenome e endereço: Bernardo de Mello Paz, o “mecenas” de Inhotim.

Dono de um conglomerado empresarial de mineradoras e siderúrgicas, Bernardo Paz construiu na região metropolitana de Belo Horizonte um complexo de arte contemporânea de renome internacional. Sem dúvida alguma, um feito notável num país que investe tão pouco em arte e cultura.

Porém, paralelamente à construção de Inhotim as empresas de Bernardo Paz acumularam um passivo multimilionário em dívidas tributárias com a União, Estados e Municípios. Uma breve consulta sobre seu nome nas páginas do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região lista 98 processos judiciais, entre cíveis e criminais, movidos apenas contra o empresário (sem levar em conta as mais de 30 empresas das quais ele é sócio). A maior parte dessas disputas, no entanto, refere-se a cobranças de dívidas de entes públicos e fornecedores, sem falar numa condenação por lavagem de dinheiro.

Diante de um quadro financeiro tão grave, a solução encontrada pelo empresário foi negociar com o Estado de Minas Gerais a aprovação da citada lei, permitindo utilizar as obras de arte como pagamento pelas suas dívidas fiscais.

Obviamente não consta na Exposição de Motivos do Governador Fernando Pimentel que a medida foi concebida especialmente para Bernardo Paz. Para todos os fins, vale o dogma de que as leis são gerais e abstratas. Mas a Lei Teresoca também não explicitava que ela foi concebida única e exclusivamente para agradar Assis Chateaubriand.

Não causa surpresa, portanto, que a “Lei Inhotim” (vamos chamá-la assim) teve como primeiro “cliente” justamente Bernardo Paz. Segundo a Folha noticiou na última segunda feira, o empresário e o Estado de Minas Gerais firmaram um acordo prevendo a transferência de 20 obras de arte do acervo de Inhotim para a quitação de uma dívida tributária que era de R$ 471,6 milhões – mas que foi reduzida para R$ 111,8 milhões com a adesão das empresas de Paz ao último “refis” aberto pelo governo de Fernando Pimentel.

Segundo a reportagem de Carolina Linhares, o valor exato das obras ainda será submetido a avaliação de especialistas e depende de homologação judicial. As condições do acordo, contudo, revelam o quanto o negócio será vantajoso para Bernardo Paz.

Além de abater a dívida do empresário, o governo de Minas Gerais ainda teria aceitado a condição de não colocar as obras à venda no mercado. Ou seja, sob o pretexto de manter em Minas parte do patrimônio artístico exposto em Inhotim, a equipe de Fernando Pimentel teria concordado em imobilizar um ativo que poderia render centenas de milhões de reais se levado a leilão – uma medida incompreensível num Estado que se encontra à beira da falência.

Mas os absurdos não param aí. Outra cláusula do acordo estabelece que, além de não poder vender as obras, o Estado de Minas concorda em cedê-las em comodato para ficarem expostas… no Inhotim! Ou seja, com esse acordo Bernardo Paz conseguiu a proeza de pagar uma dívida multimilionária repassando para o Estado de Minas 20 obras de Inhotim que não poderão ser vendidas e ainda continuarão expostas no seu próprio centro cultural.

Parece evidente, pelas condições draconianas impostas ao Estado de Minas e à sua população, que Bernardo Paz jogou com a ameaça de fechar as portas de Inhotim para, assim, quitar sua dívida tributária e continuar com a posse das obras de arte. Trata-se de velha estratégia da elite empresarial brasileira. Sob argumentos que vão da proteção aos empregos brasileiros à defesa dos interesses nacionais, passando pela promoção da cultura, grandes empresários bem articulados com a classe política impõem custos a toda a sociedade para extrair vultosos benefícios privados.

Nosso “capitalismo de compadrio” precisa urgentemente de um choque de gestão. Por mais dramático que pudesse ser para a cultura nacional, exigir que Bernardo Paz se desfizesse das obras de Inhotim para quitar a dívida tributária de suas empresas teria o efeito pedagógico de ensinar para nossa elite uma lei realmente geral e abstrata: aquela que, no seu artigo primeiro, estabelece que que só há duas coisas certas na vida, a morte e os impostos.

 

 

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Um Ano Novo de muito dinheiro no bolso (para alguns) https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/01/05/um-ano-novo-de-muito-dinheiro-no-bolso-para-alguns/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/01/05/um-ano-novo-de-muito-dinheiro-no-bolso-para-alguns/#respond Fri, 05 Jan 2018 14:10:05 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=246 Ao longo de 2017 o governo continuou alimentando as engrenagens da concentração de renda por meio do Refis e de renúncias fiscais. É bom lembrar disso em 2018, ano de eleições

Adeus, ano velho!
Feliz ano novo!
Que tudo se realize
No ano que vai nascer!
Muito dinheiro no bolso,
Saúde pra dar e vender!
Para os solteiros, sorte no amor
Nenhuma esperança perdida
Para os casados, nenhuma briga
Paz e sossego na vida

(“Fim de Ano” – David Nasser e Francisco Alves)

Janus é o deus romano das passagens, dos portais, das transições. Ele é representado sempre com duas faces: uma olhando para trás, outra para frente. Passado e futuro. Para muitos, o primeiro mês do ano se chama Janeiro em homenagem a Janus. Faz sentido. A cada recomeço, fazemos um balanço do ano que se passou e planos para o que virá.

E levando em conta que neste ano teremos as eleições mais incertas da história, precisamos da inspiração de Janus para extrair, dos fatos e dados de 2017, os sinais sobre o que vem por aí em outubro de 2018.

Enquanto estudos recentes divulgados aqui na Folha demonstram que a desigualdade no Brasil é muito maior do que se imaginava e que os filhos de quem já se encontra no topo da pirâmide social têm 14 vezes mais chances de permanecer nele do que aqueles que não nasceram em berço esplêndido, interromper o ciclo de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos e fazê-lo girar ao contrário deveria ser o tema crucial da atual campanha eleitoral. Mas, se olharmos para o ano que passou, não é difícil constatar que o sistema continuou a funcionar em prol da concentração de renda.

São vários os mecanismos que alimentam esse processo no Brasil, mas o principal deles talvez esteja em nosso sistema tributário. Todos concordam que ele precisa ser reformado, mas ninguém está disposto a arriscar pagar mais. No capitalismo de compadrio brasileiro, a melhor estratégia é reclamar da alta carga tributária e, nos bastidores, buscar algum benefício fiscal, isenção, subsídio ou Refis para ser “compensado” pela sanha do leão.

Nesse campo das renúncias fiscais, tivemos duas importantes conquistas: a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), que colocará uma trava nas centenas de bilhões de reais de subsídios concedidos pelo BNDES ao grande empresariado nacional, e a nova regulamentação do Fies, que estancará uma sangria que beneficiou de forma desregrada alguns grupos educacionais – também cheios de conexões políticas.

À parte esses dois avanços – que devem ser aplaudidos de pé, uma vez que são tão raros –, o que se viu no Congresso Nacional no ano passado foi mais do mesmo: grupos de interesses se organizando pela manutenção de benefícios, parlamentares ligados a grandes empresas em dívida com o Fisco batalhando por mais um Refis e um governo que, na incessante busca por sobreviver, não sabe dizer “não”.

Aliás, o Refis foi a estrela do ano no quesito “rent seeking”: tivemos um para as dívidas tributárias (rebatizado de PERT), outro para as não tributárias (PRD) e ainda um terceiro para as dívidas rurais (PRT). Como se não bastasse transmitir a péssima mensagem de que no Brasil não vale a pena pagar impostos em dia, nessa brincadeira o governo abriu mão de R$ 16,4 bilhões nos próximos três anos, segundo cálculos conservadores feitos pelo próprio governo.

Além disso, enquanto o mundo todo clama por uma nova matriz energética renovável, e mesmo sabendo que na raiz do maior escândalo de corrupção de que temos notícia estava a exploração de petróleo, o final do ano veio com um presentão para o setor de óleo e gás: um regime tributário especial que, só nos próximos 3 anos, deixará de recolher R$ 20 bilhões de impostos e contribuições para os cofres públicos.

Ainda na base da pressão, o setor de cinema e audiovisual conseguiu arrancar do governo (na verdade, de toda a sociedade, pois somos nós que pagaremos a conta) uma prorrogação do Recine, programa de estímulo para montagem de salas de exibição, e do uso do imposto de renda para produção de filmes. Não é nada, não é nada, mas são aproximadamente R$ 300 milhões por ano nesses programas, prorrogados sem nenhuma análise mais profunda sobre a sua efetividade. Como expus aqui, trata-se de um programa que, de forma geral, deixa de apoiar as produções realmente independentes em favor daquelas vinculadas a grandes estúdios ou redes de televisão, que conseguiriam se financiar sem a ajuda do Estado.

Também foram contemplados com a prorrogação de benefícios fiscais que iriam se extinguir o setor de navegação das regiões Norte e Nordeste e as indústrias que se valem desse modal de transporte. A não incidência do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante – AFRMM foi estendida até 2022. Essa conta representa R$ 870 milhões por ano.

A tabela apresenta a estimativa de renúncia tributária do Governo Federal com leis e medidas provisórias aprovadas e editadas em 2017.
Fonte: Elaboração do autor a partir das Exposições de Motivos de Medidas Provisórias e dos Demonstrativos de Gastos Tributários – PLOA 2017 e 2018.

E não parou por aí. Diante da resistência dos grupos de interesses, o governo recuou e revogou a MP nº 774/2017, que pretendia extinguir a desoneração da folha de pagamentos de dezenas de setores. Para 2018, o governo já colocou no Orçamento uma perda esperada de R$ 14,8 bilhões com esse programa, cuja história apresentei em outro texto aqui do blog.

Somando os benefícios fiscais estabelecidos e prorrogados em 2017 com a desoneração da folha – que deveria ser revogada, mas não foi – são R$ 27 bilhões de receita que o governo abriu mão em 2018 em favor de grandes empresas nacionais e multinacionais e devedores contumazes do Fisco. Isso é praticamente o orçamento anual do Bolsa Família (R$ 28,7 bilhões) ou quase o dobro do que o governo federal pretende reforçar para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos profissionais da Educação – o Fundeb (R$ 14 bilhões).

Orçamento é questão de escolha. E entre reduzir ou aumentar a desigualdade via transferência direta de renda para os mais miseráveis ou investir na educação básica, em 2017 nós continuamos privilegiando os grandes grupos que têm poder de pressão sobre os políticos.

E levando em conta que quem está no comando de três importantes prédios no centro do poder de Brasília – o bloco P da Esplanada dos Ministérios, o Palácio do Planalto e a cúpula convexa do Congresso Nacional – são, assumidamente ou não, pré candidatos à Presidência da República, neste início do ano é bom fazer como Janus e olhar para trás para ver o que eles podem criar no futuro.

Mas é importante ressaltar que essa explicação de que janeiro se chama assim por causa de Janus não é unanimidade. Existe outra teoria que atribui o nome do mês a Juno, a esposa de Júpiter, o deus dos deuses. Juno era mãe de Marte e Bellona, Vulcano e Juventus – respectivamente deuses da guerra, do fogo e da juventude.

Numa corrida eleitoral que se vislumbra como a mais agressiva de todos os tempos, com o líder das pesquisas declarando guerra à Justiça, o segundo colocado defensor da tolerância zero e um novato na política correndo por fora, talvez seja a explicação mais adequada para o Brasil atual.

De uma forma ou de outra, desejo aos leitores um excelente 2018!

 

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