O E$pírito das Leis https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br Thu, 13 Dec 2018 11:46:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O presente de grego do Congresso para Bolsonaro https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/11/09/o-presente-de-grego-do-congresso-para-bolsonaro/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/11/09/o-presente-de-grego-do-congresso-para-bolsonaro/#respond Fri, 09 Nov 2018 04:00:24 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/sessao_senado-320x213.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=564 Votação do reajuste do Judiciário é um retrato de como são produzidas nossas leis, e do que nos espera em 2019

A aprovação, pelo Senado Federal, dos projetos de lei que reajustam a remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Procurador-Geral da República para R$ 39.293,32 é muito mais grave do que se imagina.

As redes sociais repercutiram a indignação coletiva. Como um Congresso que acaba de levar uma sova nas urnas, num claro recado de que a população não aguenta mais privilégios, aprova um reajuste de 16,8% para o Judiciário, no meio de uma crise fiscal gravíssima que será o grande desafio para o próximo governo?

Não se iluda, caro leitor que espalhou para todos os seus contatos a lista dos traidores da Pátria que votaram a favor do reajuste. Tudo que é ruim, pode piorar. A verdade dói – e é no seu bolso que você vai sentir.

Para o presidente eleito, e seu ministro da Economia, o recado também parece claro: é assim que a banda sempre tocou e o jogo é bem mais complicado do que parece.

Vamos aos fatos.

  1. Não acredite nas justificativas

Regra de ouro para quem se interessa por acompanhar o Congresso Nacional: sempre desconfie das justificativas apresentadas por autores e relatores de projetos de lei. Em geral, o indefensável vem embalado com palavras bonitas, argumentos falseados e muito senso comum.

No parecer do senador José Maranhão (MDB/PB), relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça, consta que o reajuste deveria ser aprovado porque, “como é sabido, a remuneração dos membros da nossa Suprema Corte se encontra defasada”.

O relator parte de uma verdade (desde 01/01/2015, data do último reajuste, a inflação já acumula 25,7%), mas esconde o todo: o projeto não se restringe aos ministros do STF, pois nossa Constituição determina que ele seja o teto da remuneração de todo o funcionalismo público brasileiro. Em outras palavras, aumentar o subsídio dos ministros do STF tem efeitos em cascata sobre toda a estrutura de cargos e salários na União, Estados e municípios. E sobre isso o ilustre relator simplesmente silenciou.

  1. Desconfie dos números

Assim como não podemos nos fiar nas palavras, em geral os números apresentados (quando são apresentados) costumam sub ou superestimar a realidade, de acordo com o interesse defendido.

Instado a se manifestar sobre o impacto orçamentário do reajuste, o Conselho Nacional de Justiça misturou as contas do projeto de reajuste do subsídio dos ministros do STF com outro, relativo aos seus servidores, de modo a não deixar claro o impacto isolado de cada um deles. Mais uma lição: transparência, principalmente quanto a seus rendimentos, não é o forte de nosso Judiciário.

No voto em separado apresentado pelo senador Valdir Raupp (MDB/RO) há uma estimativa de que o impacto da elevação do teto do STF seria de R$ 813,14 milhões por ano no Judiciário.

Insatisfeito com as estimativas apresentadas pelos principais interessados no reajuste, o senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES) acionou a Consultoria de Orçamento do Senado para elaborar um cálculo envolvendo os reais efeitos do reajuste para os cofres públicos.

Os técnicos do Senado levaram em conta o efeito cascata do reajuste sobre todo o Judiciário, o Ministério Público e os Tribunais de Contas, inclusive os estaduais, e também seu impacto sobre os servidores dos outros Poderes que têm seus rendimentos limitados pelo teto do STF.

Levando em conta todas as suas repercussões, o reajuste custará à União e aos Estados a exorbitância de R$ 5,3 bilhões anuais.

  1. A Lei de Responsabilidade Fiscal é para inglês ver

Quando foi aprovada, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi festejada como um grande marco em nossa lenta caminhada rumo à seriedade no trato do dinheiro público. Na prática, ela tem sido solenemente descumprida quando se trata de impor travas ao descontrole de gastos.

Relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), o senador Ricardo Ferraço chamou a atenção para o fato de que, uma vez aplicado, o reajuste levará ao descumprimento dos limites de alerta, prudenciais ou máximos permitidos pela LRF nos Tribunais de Justiça de 13 Estados (RR, MG, SP, MT, CE, RJ, BA, SE, SC, ES, RO, TO e PB) e nos Ministérios Públicos Estaduais de outros 21 Estados – nos cálculos da Consultoria de Orçamento, apenas os MPs gaúcho, pernambucano, baiano, amazonense e paulista sobreviveriam.

Afora o estrondoso impacto nos combalidos orçamentos da União e do Estado, o descumprimento dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal deveria ser suficiente para levar ao arquivamento do projeto de reajustar o teto do funcionalismo.

Como a verdade é muitas vezes inconveniente, o parecer de Ferraço nunca foi votado – numa manobra regimental, foi substituído em plenário por outro texto, de autoria do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB/PE), bem mais ameno.

Por incrível que pareça, o parlamento brasileiro é o primeiro a descumprir as leis que ele próprio cria.

  1. Esse rombo não será coberto pelo fim do auxílio-moradia

Você já deve ter ouvido ministros do STF, membros do Ministério Público e parlamentares dizerem que o reajuste não impactará o orçamento, pois será compensado pelo fim do auxílio-moradia.

Em primeiro lugar, não temos garantia nenhuma de que o auxílio-moradia será mesmo extinto. Afinal de contas, a ação que questiona sua constitucionalidade vem sendo cuidada com carinho pelo ministro Luiz Fux há anos no STF. Mas mesmo que, num arroubo de civismo, o STF decida proibir o pagamento desse penduricalho, ele será insuficiente para cobrir o rombo de R$ 5,3 bilhões no orçamento.

A conta pode ser feita num guardanapo de papel. De acordo com os últimos dados divulgados, o Brasil tem 18.168 magistrados e 13.087 membros do Ministério Público na ativa. Basta multiplicar a soma das duas categorias pelo valor do auxílio (R$ 4.377,73) para verificar que a economia com a sua extinção seria de R$ 1,6 bilhão em 12 meses – menos de um terço, portanto, da despesa extra a ser criada com o reajuste.

  1. Que Bolsonaro e Paulo Guedes aprendam a lição

A aprovação do reajuste do teto do funcionalismo dá uma pequena mostra do que o novo governo vai enfrentar no Congresso a partir de janeiro. Embora conte com uma boa base de apoio formada por parlamentares de partidos aliados, agregados do Centrão e membros das bancadas ruralista, evangélica e da segurança pública, não será fácil para o presidente eleito (como não foi para nenhum dos seus antecessores) enfrentar os fortes interesses corporativos no Congresso.

Uma coisa será aprovar uma pauta de projetos relacionados à agenda conservadora de Bolsonaro (escola sem partido, diminuição da maioridade penal, estatuto do desarmamento); outra bem mais difícil será cortar privilégios e aprovar medidas de contenção fiscal.

A votação do reajuste do teto do STF demonstra exatamente isso: a proposta recebeu votos contrários de apenas 5 senadores que continuarão exercendo seus mandatos em 2018, contra 18 votos favoráveis (entre os que não foram reeleitos, houve 11 votos contrários e 23 apoios).

O gráfico mostra o número de votos favoráveis e contrários ao projeto de reajuste do subsídio dos ministros do STF entre os senadores que terão e não terão mandato a partir de 2019.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Senado.
  1. Não conte com a oposição (aliás, onde estavam PT e PSDB para impedir responsavelmente a aprovação do projeto?)

Analisando os dados da votação por partido, podemos observar melhor como se comportou o Senado.

O gráfico mostra os votos favoráveis e contrários por partido.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Senado.

Como pode ser visto no gráfico acima, o bloco dos partidos do centro e da direita, onde deve se localizar a base de sustentação de Bolsonaro, votou em peso a favor do reajuste do Judiciário (com exceção do DEM). Isso é um péssimo sinal a respeito de seu comprometimento com a pesada agenda de ajuste proposta por Paulo Guedes.

Do lado de uma virtual “oposição responsável” no governo Bolsonaro, a postura do PSDB foi lamentável. O partido ofereceu a maior quantidade de votos favoráveis ao reajuste (10 a favor, apenas um contra), o que demonstra que a responsabilidade fiscal há muito deixou de ser um valor para o partido que criou a LRF.

O outro ponto negativo é o PT. Além de ter rachado entre senadores a favor e contra o reajuste (situação rara para um dos partidos com maior disciplina partidária no país), o partido apresentou um alto índice de parlamentares ausentes à votação – o que pode ser mais uma evidência de que o partido está muito mais interessado com o que acontece em Curitiba do que com os destinos do país sendo decididos em Brasília.

O gráfico mostra o número de ausentes na votação por partido.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Senado.
  1. Veta Temer?

Por fim, é preciso lembrar que Temer iniciou seu “mandato-tampão” referendando aumentos salariais concedidos de modo irresponsável por Dilma a carreiras da elite do funcionalismo.

Mais tarde, em troca de salvar seu mandato depois do Joesley Day, o presidente, já manco, cedeu ao fisiologismo e aceitou toda sorte de pressões corporativas, das novas edições do Refis ao recentíssimo Rota 2030 para a indústria automobilística.

Diante desse histórico de leniência com a ação dos grupos de interesse, caberia agora a Temer um último gesto de responsabilidade fiscal, aliviando um pouco a carga que recairá sobre o governo Bolsonaro?

Uma dica: seu partido, o MDB, esteve por trás de todas manobras e ofereceu a maior parte dos votos e ausências que contribuíram para a aprovação do reajuste do Judiciário e de todo o teto do funcionalismo.

 

Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.

 

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Quem quer acabar com os privilégios? https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/08/27/quem-quer-acabar-com-os-privilegios/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/08/27/quem-quer-acabar-com-os-privilegios/#respond Mon, 27 Aug 2018 05:00:03 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/urna_eletronica-320x213.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=461 Programas de governo dos principais presidenciáveis conta com o fim de privilégios para resolver problemas do déficit fiscal à reforma da previdência

“Saúde, educação e segurança” sempre foi um trinômio fácil de encontrar nas propagandas de políticos em tempos de eleição. Neste ano, podemos acrescentar mais um: a eliminação de privilégios aparece com destaque em todos os planos de governo dos candidatos à Presidência, embora não haja consenso sobre o que isso quer dizer e, pior ainda, como será feito.

Em boa parte das propostas, o tema aparece como saída para a crise fiscal do Estado. Nas propostas de Alckmin, Álvaro Dias, Ciro Gomes e Bolsonaro, o combate aos privilégios é visto como o caminho para um Estado mais eficiente e com orçamento equilibrado.

No plano de Henrique Meirelles, o fim dos privilégios deve ser a pedra de toque da reforma da previdência, igualando o regime dos servidores públicos ao INSS – embora o projeto encaminhado pelo candidato, enquanto ministro da Fazenda, tenha mantido a aposentadoria especial dos militares.

Na proposta de Lula/Haddad o foco está no Ministério Público e no Judiciário. Eliminar privilégios, no programa do PT, seria uma espécie de acerto de contas daqueles que se sentem perseguidos pelo sistema judicial.

Curiosamente, as concepções mais amplas do que seja combater privilégios vêm dos representantes dos partidos mais novos e, de certa forma, mais programáticos. Somente Boulos (Psol), Marina (Rede) e Amoêdo (Novo), cada um na sua posição no espectro ideológico, apresentam propostas para atacar o problema em suas três dimensões: políticos, a elite do funcionalismo público e o alto empresariado dependente de subsídios e benefícios fiscais.

O termo “privilégio” vem do latim privatus legium. Lei privada. No Brasil, sob o pretexto de conceder direitos, garantias e incentivos a categorias profissionais, setores econômicos e grupos sociais, criamos um emaranhado de normas especiais que fragilizam o preceito de que as leis devem ser gerais e abstratas.

Com o tempo, setores econômicos foram identificando no Estado uma fonte quase inesgotável de receitas. Obter acesso privilegiado ao poder tornou-se uma estratégia de negócios para grandes grupos econômicos (rent seeking). Com a justificativa de incentivar a economia nacional, transferimos renda para o topo da pirâmide por meio de regimes tributários especiais, crédito subsidiado em bancos públicos, subvenções e regulação favorável.

Em outra direção, em tempos de farinha pouca, a elite do funcionalismo público nos três Poderes tratou de garantir o seu pirão primeiro. Além de defender com unhas e dentes seu regime previdenciário especial, obtiveram toda sorte de penduricalhos salariais: auxílio-moradia, bônus de produtividade, honorários de sucumbência aumentam em alguns milhares de reais os rendimentos que já se encontram muito acima da média do setor privado.

Atacar os privilégios, portanto, é urgente na estratégia de superar a grave crise fiscal e nossa indecente desigualdade social. O grande problema é que poucas tarefas são mais difíceis do que extinguir benesses e monopólios. O poder de articulação e pressão desses grupos de interesses é imenso. Exemplos não faltam.

O projeto de lei sobre o cadastro positivo encontra-se estagnado no Congresso por força do lobby dos cartórios, que veem na troca de informações sobre o histórico creditício dos consumidores uma ameaça aos seus ganhos milionários. Devido à resistência de grupos de interesses, propostas recentes de reforma fiscal como a reoneração da folha de pagamentos, o fim dos regimes especiais do cinema e do audiovisual e a suspensão dos reajustes do funcionalismo público foram derrotadas no Congresso. Na direção oposta, o Centrão patrocinou, à custa de toda a sociedade, uma verdadeira farra na concessão de diversos Refis a devedores contumazes da Receita.

Diante desse cenário de “salve-se quem puder”, ver os principais candidatos à Presidência pregando o fim dos privilégios é um sinal de evolução. A grande questão é saber se algum deles está disposto a colocar o guiso no gato.

Texto originalmente publicado na versão impressa da Folha no dia 27/08/2018.

 

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O agro é tech, mas também é tóxico https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/06/27/o-agro-e-tech-mas-tambem-e-toxico/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/06/27/o-agro-e-tech-mas-tambem-e-toxico/#respond Wed, 27 Jun 2018 05:00:16 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=420 Tramitação do projeto de lei que pretende flexibilizar a comercialização de agrotóxicos mostra como grupos de interesses controlam a produção de leis no Brasil

 

Há quase um consenso de que o agronegócio é um dos setores mais dinâmicos da economia brasileira. Trata-se de um caso raro em que conseguimos aprimorar nossas vantagens comparativas (território vasto, clima e solo) com inovações tecnológicas desenvolvidas no seio de centros de pesquisas de ponta, como a Embrapa, a Esalq e as Universidades Federais de Lavras e Viçosa. A representação do setor no Congresso Nacional, contudo, é a antítese desse cenário de prosperidade. Como erva daninha, a bancada ruralista se alastra sobre todos os campos de seu interesse, sufocando qualquer possibilidade de debate democrático.

Estou me referindo, obviamente, à aprovação de projeto de lei que flexibiliza a comercialização de agrotóxicos no país pela Comissão Especial encarregada de analisar o assunto na Câmara dos Deputados. No entanto, nas duas últimas décadas a bancada ruralista se tornou uma força parlamentar superior à maioria dos partidos, sendo por isso cortejada por todos os presidentes, de FHC a Temer, passando por Lula e Dilma. Em troca de apoio ao governo, os ruralistas foram capazes de aprovar uma gama imensa de benefícios setoriais, incluindo renegociações de seus empréstimos junto ao Banco do Brasil, parcelamento de suas dívidas tributárias, bem como medidas regulatórias favoráveis à comercialização de transgênicos e, agora, pesticidas.

Embora seja plenamente aceitável que um determinado setor ou grupo de interesses mobilize esforços junto ao Congresso ou ao governo para obter legislação ou políticas públicas favoráveis – isso faz parte do jogo democrático –, é preciso dizer que esse jogo, no Brasil, não tem nenhum fair play. E a tramitação do Projeto de Lei nº 6.299/2002, que regula os agrotóxicos no país, é um triste exemplo de como o processo legislativo é dominado por quem tem acesso aos donos do poder.

No meu livro “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” eu demonstro como parlamentares vinculados à Frente Parlamentar da Agropecuária dominam instâncias importantes na tramitação de projetos, como as Comissões de Agricultura e de Meio Ambiente, além de terem sido determinantes na votação de projetos sensíveis ao setor, como o novo Código Florestal. No caso do projeto de lei dos agrotóxicos não foi diferente.

Para não deixar dúvidas de suas intenções, o projeto foi proposto pelo senador Blairo Maggi, atual Ministro da Agricultura, cuja família é considerada a maior produtora de soja do mundo. Na sua versão original, a proposta tinha um único dispositivo, liberando do registro prévio nos órgãos federais (Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente) os agrotóxicos cujos princípios ativos fossem “substancialmente equivalentes” a outros previamente registrados. A razão para a proposta era simplificar o processo e, assim, estimular a concorrência e baixar os preços dos pesticidas.

Uma vez aprovado no Senado em 2002, quando chegou na Câmara dos Deputados o projeto foi designado para tramitar em quatro comissões permanentes: i) a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, ii) a Comissão de Seguridade Social e Família, iii) a Comissão de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural e, finalmente, iv) a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Em cada uma delas, a proposta deveria ser analisada por um relator, cujo parecer seria submetido à votação de seus membros.

Embora teria sido extremamente salutar debater o assunto profundamente em ambientes tão distintos como as comissões de agricultura, meio ambiente e seguridade social – aliás, a essência do processo legislativo é justamente essa –, optou-se por evitar a “morosidade” da tramitação regular e recorreu-se a um poderoso atalho previsto no Regimento Interno da Câmara: a criação de uma comissão especial, ou temporária, que substitui todas as demais.

No caso do PL dos agrotóxicos, a comissão especial criada para analisá-lo em caráter terminativo tem como presidente a deputada Tereza Cristina (DEM/MS), que não por acaso também é presidente da Frente Parlamentar Mista da Agropecuária, braço institucionalizado da bancada ruralista no Congresso. No parlamento brasileiro, as escolhas em geral não são gratuitas – e é sintomático que matéria de tamanha relevância social tenha sido entregue à representante máxima dos interesses do agronegócio no Congresso Nacional.

Aliás, o primeiro vice-presidente da comissão, Valdir Colatto (MDB/SC) também pertence à frente de apoio aos ruralistas. Assim como o segundo vice-presidente, deputado Raimundo Gomes de Matos (PSDB/CE). E também o relator do projeto, o paranaense Luiz Nishimori (PR).

Entre os cargos de direção da comissão especial, apenas o deputado Bohn Gass (PT/RS) não está ligado oficialmente à bancada ruralista. Ele está do outro lado da disputa, pois milita na Frente Parlamentar pelo Desenvolvimento da Agroecologia e Produção Orgânica. Ou seja, na condução da comissão destinada a analisar uma mudança dessa importância no setor, atribuiu-se para aqueles que defendem o fim do uso dos agrotóxicos nas plantações um cargo em cinco, não por acaso o mais baixo na hierarquia. Um verniz de pluralidade sempre foi apreciado na democracia brasileira.

Na composição total da comissão especial que decide o futuro do uso de agrotóxicos no Brasil, o placar também é bastante favorável aos ruralistas. Dos 27 membros titulares, nada menos que 20 filiam-se à frente parlamentar da agropecuária – o dobro daqueles que defendem os interesses da agricultura sem agrotóxicos. A comissão tem ainda 15 integrantes da Frente Parlamentar Ambientalista.

A tabela mostra a vinculação dos deputados titulares da Comissão Especial que analisou o projeto de lei sobre agrotóxicos às frentes parlamentares da agropecuária, ambientalista e de produção orgânica.
Fonte: Elaboração do autor a partir de informações da Câmara dos Deputados.

Mas é preciso ter cuidado com a tabela acima. O Congresso Nacional está repleto de parlamentares que se filiam a toda e qualquer frente parlamentar no afã de garantir votos e doações de campanha nas eleições futuras. No caso da comissão especial dos agrotóxicos, temos oito membros que se autoproclamam apoiadores, ao mesmo tempo, da agropecuária, da agricultura orgânica e do meio ambiente – e mais três que são ao mesmo tempo ruralistas e ambientalistas.

Embora, em tese, não seja impossível defender o agronegócio e o meio-ambiente simultaneamente, a rigor as pautas defendidas por cada um desses grupos é antagônica – em especial quando se trata do uso de pesticidas nas lavouras. Nesse caso, há evidências suficientes para desconfiar de que, entre esses parlamentares que acendem vela para deus e o diabo, o interesse dos ruralistas fale mais alto: afinal de contas, dos 11 parlamentares que estão vinculados a mais de uma frente, nada menos que 7 são, eles próprios, produtores rurais. E isso dá uma boa dica sobre de que lado eles estarão na hora de votar.

Mesmo se considerarmos como autênticos apenas os parlamentares que se filiam apenas a uma frente parlamentar, a comissão especial é dominada amplamente pelos ruralistas. Nela estão presentes 9 “ruralistas-raiz” contra apenas cinco adversários do uso de agrotóxicos – dois defensores da agricultura orgânica (Padre João e Bohn Gass) e três ambientalistas (Alessandro Molon, Jandira Feghali e Sarney Filho). É praticamente o dobro.

Para oferecer parecer ao projeto, a Comissão designou como relator o deputado Luiz Nishimori (PR). Na página oficial da Câmara o deputado se autodeclara “agricultor e comerciante” e, do ponto de vista da associação a frentes parlamentares, ele apoia tanto a causa dos ruralistas, quando dos ambientalistas e da produção orgânica. Mas não se engane com essa aparência de isenção. Ao longo das duas últimas legislaturas, o deputado paranaense relatou outras importantes proposições de interesse do agronegócio, como renegociações de dívidas, concessão de subvenções ao crédito rural e até (surpresa!) a isenção de tributos sobre a comercialização de fertilizantes e defensivos agrícolas.

Apesar de gerar tanta controvérsia na comunidade científica e na sociedade em geral, a Comissão Especial realizou poucas audiências públicas sobre o assunto. Em geral, houve uma atenção desmedida a agentes do setor e a dirigentes do Ministério da Agricultura, inclusive o agora ministro Blairo Maggi. Também foram convidados representantes de órgãos estrangeiros (EUA, Canadá e Austrália) que defenderam maior celeridade na liberação dos registros de princípios ativos.

A oposição bem que tentou fomentar o debate, mas a maioria dos requerimentos para a realização de audiências com representantes de visões divergentes não foi adiante. A situação chegou a tal ponto que, para dar voz a representantes do Ibama, Fiocruz, Idec e outras entidades contrárias à proposta, foi necessário recorrer à Comissão de Desenvolvimento Urbano, que não tinha nada a ver com a tramitação do projeto – uma vez que a Comissão Especial, dominada pelos ruralistas, interditou o debate.

Para encurtar a conversa, a Comissão Especial aprovou o parecer do deputado Luiz Nishimori na última segunda-feira, dia 25/06/2018. Ao final do processo, o projeto que na sua versão inicial tinha um único dispositivo tornou-se uma massa de 68 artigos, com repercussões sobre o setor, a segurança alimentar e o meio ambiente que carecem de uma urgente mobilização da comunidade científica e da sociedade em geral para avaliar as suas consequências.

O resultado da votação foi 18 a 9 pela aprovação do projeto. Entre os 18 parlamentares que votaram a favor, apenas um deputado não era vinculado à bancada ruralista. No lado contrário, 7 eram ambientalistas e mais um era defensor dos orgânicos – sendo apenas um signatário da Frente de Apoio à Agricultura.

O projeto que pretende regular a comercialização de agrotóxicos no Brasil pode até ser bom – eu não tenho conhecimento técnico para opinar a respeito. Mas a forma como ele foi conduzido, com evidente domínio da bancada ruralista, gera bastante desconfiança.

A matéria ainda vai a votação em Plenário, e pode até ser derrotada. Mas é urgente repensarmos o processo legislativo brasileiro para equilibrar o direito a voz na tramitação de projetos de lei, pois o quadro atual é altamente tóxico.

 

Post anterior: Mais algumas reflexões sobre a crise

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Temer e Lula na boleia do caminhão https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/05/25/temer-e-lula-na-boleia-do-caminhao/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/05/25/temer-e-lula-na-boleia-do-caminhao/#respond Fri, 25 May 2018 05:00:50 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=379 Crise dos caminhoneiros é resumo de nossa história de predação política e econômica pelos grupos de interesses


“A população que paga.
Na verdade, tudo que acontece na política
é a população que paga.”

(Cidadão carioca no Jornal Nacional de 24/05/2018 )

Toda crise tem causas imediatas e outras que vêm de longe, corroendo sorrateiramente as estruturas até que, por um curto circuito ou uma sobrecarga qualquer, o prédio desaba.

Especialistas são então chamados a apresentar suas explicações técnicas e representantes do governo anunciam medidas emergenciais e um plano de longo prazo para que a tragédia não ocorra novamente. Imediatamente à tragédia esquerdistas e conservadores enquadram os fatos às suas visões de mundo: foi culpa dos neoliberais golpistas ou do gigantismo do Estado cevado pelos petralhas.

Não é minha pretensão discutir aqui a origem da crise dos caminhoneiros ou seus impactos sociais, políticos e econômicos. Na falta de elementos concretos, vou tentar dar um passo atrás para vê-la em perspectiva. E como os experts convocados de última hora, as autoridades atônitas e os analistas de redes sociais, darei minha contribuição – igualmente reducionista, enviesada e carente de evidências – neste caleidoscópio que é a opinião pública.

Utilizando minhas prerrogativas de profeta do acontecido e isentão assumido, aponto as origens da crise atual em três datas distintas, ao gosto do freguês: 17/05/2017, algum momento entre 06/06/2005 e 05/05/2008 ou 21/04/1500.

A primeira hipótese (a culpa é do Temer): Há pouco mais de um ano Joesley Batista revelou para o Brasil o áudio  em que acertava com Michel Temer, na calada da noite, a compra do silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro na Lava Jato e, de quebra, combinava o pagamento de propinas por futuras benesses para suas empresas no Cade e na CVM. Naquele momento começava a desmoronar todo o trabalho de reformas fiscais desenvolvido por uma das mais bem preparadas equipes econômicas desde o Plano Real.

No desespero por salvar a própria pele, Temer revelou a plenitude de seu espírito peemedebista e vendeu sua alma para o Centrão e a todos os interesses oportunistas que ele representa. Em vez de Reforma da Previdência, Refis generalizados para grandes devedores do Fisco, prorrogação de diversos regimes fiscais especiais e uma reoneração da folha de pagamentos tardia e bem aquém do que seria necessário para corrigir abusos bilionários. No lugar da aprovação das medidas de contenção de despesas com pessoal, total conivência com generosos auxílios-moradia, honorários e bônus de produtividade para a elite corporativista do funcionalismo nos três Poderes.

Para garantir sua sobrevivência contra os avanços da Lava Jato, Temer abriu mão do poder imprescindível de dizer “não”. Em governos fracos, quem tem mais poder de pressão leva: de grandes empresas sonegadoras a magistrados, passando por caminhoneiros – e as megatransportadoras de cargas, claro. Nesse arranjo, os benefícios se concentram em poucos, e os custos são transferidos para a sociedade toda. Vide o acordo entre governo e caminhoneiros de ontem.

Segunda possibilidade (a culpa é do PT): Em algum momento entre a eclosão do Mensalão e a ordem dada a Guido Mantega para abrir os cofres do BNDES e conceder benefícios fiscais bilionários para transformar o tsunami da crise financeira internacional em marolinha, o PT jogou fora os melhores 10 ou 12 anos de nosso período republicano.

É passada a hora de despirmos nossos preconceitos ideológicos e reconhecermos os imensos avanços e a incrível complementariedade do período compreendido entre a adoção do Plano Real e o fim do primeiro mandato de Lula. Sob a batuta dos dois melhores partidos desde o fim da ditadura, domou-se o patrimonialismo atávico para aprovar medidas modernizadoras que atacavam verdadeiramente nossos maiores males: a instabilidade econômica e a desigualdade de renda.

Todo esse esforço progressista, contudo, foi por água abaixo quando, a partir do segundo mandato do PT na Presidência, imaginou-se que a saída para as graves crises de governabilidade (com o Mensalão) e financeira internacional (2008) estava na transformação do governo num balcão de negócios entre políticos e grandes empresas. A combinação da famosa “nova matriz econômica” de Mantega com a governabilidade do MDB de Temer, Cunha, Renan e Jucá gerou a Lava Jato, o impeachment de Dilma, déficits fiscais insustentáveis e 13 milhões de desempregados. Nesse período o empresariado e as corporações do serviço público nadaram de braçada no dinheiro fácil do boom das commodities e na falta de controle do governo e, quando a maré passou, a dívida explodiu. Mas a lição tinha sido muito bem ensinada para os grupos de interesses: pressione que o governo cede.

A hipótese mais plausível (sempre foi assim): Se pararmos pra pensar, desde que Pedro Álvares Cabral aportou nessas terras, funcionamos num moto-contínuo extrativista descrito de forma magistral pelos acadêmicos Daron Acemoglu e James Robinson no imperdível livro Por que as Nações Fracassam. Para os autores, a razão para o atraso de países como o Brasil está na relação simbiótica entre elites econômicas e políticas que se sucedem ao longo do tempo criando políticas públicas e legislações que levam a concentração de renda e poder.

Como ninguém é perfeito, Acemoglu e Robinson chegaram a acreditar que o Brasil tinha aprendido o caminho e iniciado uma virada no início do século XXI. Sabem nada, inocentes. Também iludidos pela bem-sucedida dobradinha FHC-Lula I, esqueceram-se que nossas escolhas sempre foram feitas sob a lógica do rent seeking: a concessão de privilégios do Estado a grupos que exercem pressão sobre políticos e autoridades.

É por causa dele que somos um dos países mais fechados do mundo, que nosso Estado presta péssimos serviços públicos mas tem corporações confortavelmente instaladas no 1% mais rico da população, que nosso Congresso é uma fábrica de benesses de toda natureza e nosso sistema tributário é regressivo e baseado no consumo, e não no patrimônio e na renda. Esqueça o que eu disse sobre os criadores do Plano Real e do Bolsa Família: pensando bem, nunca tivemos um governo com visão clara e ações fortes o bastante para reverter esse sistema de transferência de renda da coletividade para grupos com acesso privilegiado ao poder.

 

Com um sistema político com fortes tendências à fragmentação, os grupos que sabem se organizar melhor e pressionar o governo vão sempre levar vantagem nas negociações e repassar a conta de seus benefícios para a população. Foi assim quando Temer abandonou o compromisso com as reformas fiscais para ficar no poder. E quando o PT propôs ao MDB sociedade na empreitada de permanecer pelo menos 30 anos no poder. Ou quando FHC deixou de usar o capital político adquirido com o fim da inflação para realizar reformas políticas e tributárias corajosas a ponto de romper o ciclo da concentração de renda e poder. Desde tempos imemoriais, os pactos políticos geram imensas oportunidades de negócio para quem se torna íntimo dos poderosos ou consegue emparedar o governante de plantão.

Os caminhoneiros aprenderam isso e jogaram o governo à lona em poucos dias, empurrando para todos nós os custos da redução do preço do diesel e seus tributos. Foram oportunistas, abusaram do poder ao levar o país ao caos? Talvez, mas eles simplesmente agiram como os grandes empresários em busca de Refis, ruralistas renegociando subsídios de suas dívidas com o Banco do Brasil, juízes ameaçando fazer greve a favor do auxílio-moradia…

E não se iludam: daqui pra frente vai ser pior. Depois de Dilma e Temer, em 2019 vem aí mais um presidente fraco, sobrevivente numa eleição de políticos desacreditados, um Congresso cada vez mais Centrão e um colapso fiscal se aproximando em ritmo alucinante.

A disputa pelos nacos de um Orçamento cada vez menor será sangrenta e a conta você sabe que vai pagar.  Se não souber, fica a dica: está lá no início do texto, na epígrafe.

 

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Mas não se preocupe, meu amigo,
Com os horrores que eu lhe digo
Isso é somente uma canção
A vida realmente é diferente, quer dizer
A vida é muito pior

(“Apenas um rapaz latino americano” – Belchior)

Desde a semana passada uma tabela apareceu recorrentemente na “timeline” das minhas redes sociais, compartilhada tanto por amigos de direita quanto por esquerdistas. Tratava-se da compilação de um documento da Receita Federal contendo as quinze ocupações com maiores rendas médias anuais de acordo com a declaração de Imposto de Renda Pessoa Física de 2013.

Reproduzo abaixo o ranking, atualizando-o com os últimos dados disponíveis (2016) e expandindo a lista para as 20 categorias com maior rendimento:

O gráfico mostra o ranking das 20 categorias com maiores rendimentos médios segundo o IRPF.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Ano-Calendário 2016) – Receita Federal do Brasil.

O principal motivo para a indignação que uniu os defensores do Estado Mínimo aos seus adversários que pregam contra a “casta judicial que condenou Lula sem provas” está no fato de que a lista acima é dominada por categorias do funcionalismo público.

Eles têm razão na revolta. Como já demonstrei aqui, sindicatos de algumas carreiras públicas vêm atacando com voracidade o Orçamento Público para assegurar rendimentos que são, na imensa maioria dos casos, muito superiores ao seu retorno para a sociedade.

O gráfico acima, portanto, é um retrato do processo de caça à renda (rent seeking) levado a cabo diuturnamente pela elite do funcionalismo público no Brasil. O problema é que ele só conta uma parte da história: uma outra elite, esta no setor privado, também se utiliza habilmente de mecanismos de concentração de renda para se dar bem.

Se o rent seeking dos servidores públicos consiste em ameaçar a cúpula dos Três Poderes para aprovar projetos de lei ou obter decisões judiciais concedendo-lhes aumentos salariais e toda sorte de penduricalhos, categorias do setor privado se valem do sistema tributário e da legislação trabalhista para pagar bem pouco imposto.

Falo aqui das incríveis vantagens da “pejotização”, principalmente quando combinada com os regimes tributários de lucro presumido e Simples e a isenção de Imposto de Renda na distribuição de lucros e dividendos.

Bernard Appy, ex-Secretário de Política Econômica no governo Lula e atual diretor do Centro de Cidadania Fiscal, fez as contas numa entrevista aqui na Folha.  O mesmo profissional, prestando o mesmo serviço, contratado por R$ 30 mil brutos por mês, pode receber, líquidos, R$ 15.109 se for celetista, R$ 24.508 se constituir uma PJ tributada segundo o lucro presumido ou R$ 26.563 se for uma PJ enquadrada como Simples.

“Aqui há um problema distributivo claríssimo. É injustificável que duas pessoas que façam a mesma coisa, prestando exatamente o mesmo serviço, tenham uma diferença tão grande de tributação”, avalia Appy.

Para jogar um pouco de luz nesse “lado escuro da Lua” da tributação de pessoas físicas no Brasil, fui atrás dos dados e cheguei a algumas constatações. A primeira delas é que esse sistema deve realmente valer a pena, pois o número de pessoas que adere à pejotização, principalmente em categorias de maior qualificação profissional, cresce vertiginosamente nos últimos 10 anos.

O gráfico mostra o crescimento da pejotização em diversas categorias profissionais entre 2007 e 2016.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Ano-Calendário 2016) – Receita Federal do Brasil.

O gráfico acima revela que, de duas, uma: ou o Brasil sofreu um surto empreendedor sem precedentes nos últimos anos, ou houve uma alteração significativa nos incentivos que levam as pessoas a se tornar PJs.

É verdade que muitas vezes a opção pela pejotização é uma imposição do empregador, que busca aliviar sua folha de pagamentos, acarretando inclusive a precarização do trabalho. Mas também é inegável que diversas categorias de maior qualificação têm pressionado o Legislativo em busca da extensão de hipóteses de adesão aos sistemas de lucro presumido e a possibilidade de opção pelo Simples nos últimos anos.

De acordo com dados de 2014 compilados num relatório da Comissão de Assuntos Econômicos que avaliou a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, só 3% das empresas brasileiras são tributadas com base no lucro real, sendo responsável por 80% da arrecadação do IRPJ. Os outros 97% são imunes, isentos ou optantes pelo Simples ou pelo regime de lucro presumido – razão pela qual respondem por apenas 20% do valor auferido pelo Fisco junto às empresas.

O problema dos regimes do Simples e do lucro presumido é que o ganho da empresa é arbitrado abaixo da realidade. Desse modo, o sócio ganha duplamente: sua empresa paga bem menos imposto, e ele pode distribuir o lucro excedente para si próprio, de forma totalmente isenta.

A característica notável desse sistema é que ele gera injustiça: profissionais semelhantes são tributados de modo muito díspare em função exclusivamente do regime contratual e tributário ao qual estão vinculados. O gráfico abaixo mostra justamente isso. Para cada categoria (localizada nos vértices do gráfico), os PJs (linha azul) pagam uma alíquota efetiva bem menor do que seus colegas que têm tributação na fonte (linha laranja).00

O gráfico mostra a diferença de tributação entre PJs e demais profissionais em diversas categorias.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Ano-Calendário 2016) – Receita Federal do Brasil.

A consequência disso é a criação de um fosso dentro de cada categoria profissional: os rendimentos médios dos PJs são significativamente superiores aos dos seus colegas celetistas:

O gráfico mostra a diferença nos rendimentos médios entre PJs e demais profissionais em diversas categorias.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Ano-Calendário 2016) – Receita Federal do Brasil.

Ao beneficiar com impostos menores justamente quem já se encontra no topo da pirâmide, a pejotização agrava a desigualdade de renda. Assim, se refizermos o ranking das 20 categorias com maiores rendimentos do Brasil levando em conta a pejotização, vamos verificar que jornalistas, médicos, engenheiros, executivos e advogados constituídos em PJs disputam os postos mais altos com a nata dos servidores públicos – com a diferença de que pagam significativamente menos imposto de renda.

O gráfico mostra novo ranking das categorias de maiores rendimentos segundo o IRPF, levando em conta a pejotização
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Ano-Calendário 2016) – Receita Federal do Brasil.

A conclusão dessa história não deve servir para rebater críticas aos inúmeros privilégios do funcionalismo público brasileiro, os quais me beneficiam diretamente. Os números demonstram, na verdade, que do outro lado também há um sistema criado para beneficiar a elite privada.

E no meio dessas duas engrenagens concentradoras de renda, subsiste uma imensa massa de brasileiros que sustenta em suas costas um Estado inchado, mas sem ter acesso às brechas tributárias que jogam sobre si também a carga dos mais ricos.

 

 

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Mais uma jogada de mestre do mecenas brasileiro https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/05/04/mais-uma-jogada-de-mestre-do-mecenas-brasileiro/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/05/04/mais-uma-jogada-de-mestre-do-mecenas-brasileiro/#respond Fri, 04 May 2018 05:00:43 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=353 Acordo de Bernardo Paz com o Governo de Minas é mais um grande negócio do “dono” de Inhotim


Onde foi aquele moço bom da renascença
Pai gentil das fábulas, romances e poemas?
Quem vai sustentar conosco o peso dessa pena?
Estamos todos esperando a volta do mecenas
E você diz: Olha, que linda as rosas
Quando eu digo: Acorda! Quem se importa?
Quando foi que entramos nesse estado de demência?
A cada nova década aumenta a decadência
E quem é que toma as divinas providências?

(“A Volta do Mecenas” – Matheus Torreão)

 

Fernando de Morais conta, em Chatô – o Rei do Brasil, como Assis Chateaubriand valia-se de sua rede de comunicação para pressionar (para não dizer achacar e chantagear) políticos e empresários a conceder-lhe as mais variadas benesses, de benefícios tributários para a compra de papel imprensa e equipamentos de rádio e TV a doações de obras de arte para o acervo do MASP.

Embora ainda formalmente casado com Maria Henriqueta Barrozo do Amaral, o dono dos Diários Associados teve uma filha com Cora Acuña em 1934. Declaradamente avesso às responsabilidades da paternidade (ele dizia que “Aníbal só chegou ao Norte da Europa com sua tropa de elefantes porque não tinha uma prole agarrada à barra de seu paletó”), Chatô a princípio não reconheceu a filha como sua. A menina recebeu o nome de Teresa Acuña (sem o sobrenome do pai) e na certidão de nascimento o campo referente à paternidade ficou em branco.

Mas como “a vida é real e de viés”, com o tempo Assis Chateaubriand foi se afeiçoando à menina. E como o relacionamento com a mãe era o pior possível, a disputa pela guarda da filha acabou chegando aos tribunais. A legislação da época, entretanto, era bastante clara: “O pátrio poder será exercido por quem primeiro reconheceu o filho, salvo destituição nos casos previstos em lei.” Como o magnata das comunicações não havia reconhecido a paternidade em cartório, a lei assegurava à mãe o direito sobre a menina.

Cada vez mais apegado à filha e, por outro lado, vendo que a mãe não cedia às pressões e se mostrava aguerrida na disputa judicial – certa de que o direito estava do seu lado –, Chatô partiu para a pressão política. E após meses de uma intensa campanha difamatória contra Getúlio Vargas, obteve finalmente o seu troféu: a edição, pelo presidente da República, do Decreto-lei 5.213/1943, que passou a estabelecer que: “O filho natural, enquanto menor, ficará sob o poder do progenitor que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram, sob o do pai, salvo se o juiz decidir doutro modo, no interesse do menor.”

De tão escancarada que foi a manobra de Chateaubriand em forçar a alteração da lei para atender a seu interesse pessoal, essa norma ficou conhecida à época como “Lei Teresoca”, numa referência à maneira carinhosa como Chatô chamava a filha. E até hoje é um dos melhores exemplos de como as leis podem ser formalmente abstratas, mas, na prática, terem destinatários certos – e poderosos.

Recentemente, por estas bandas de Minas Gerais, foi aprovada uma “Lei Teresoca” igualmente insólita, embora muito mais danosa para o Erário e todos nós, contribuintes. O art. 42 da Lei Estadual nº 22.549/2017 permitiu o  uso de obras de arte para o pagamento de dívidas tributárias relativas ao ICMS. Para quem vive por aqui não foi difícil desconfiar de que se tratava de uma norma encomendada – seu principal beneficiário tinha nome, sobrenome e endereço: Bernardo de Mello Paz, o “mecenas” de Inhotim.

Dono de um conglomerado empresarial de mineradoras e siderúrgicas, Bernardo Paz construiu na região metropolitana de Belo Horizonte um complexo de arte contemporânea de renome internacional. Sem dúvida alguma, um feito notável num país que investe tão pouco em arte e cultura.

Porém, paralelamente à construção de Inhotim as empresas de Bernardo Paz acumularam um passivo multimilionário em dívidas tributárias com a União, Estados e Municípios. Uma breve consulta sobre seu nome nas páginas do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região lista 98 processos judiciais, entre cíveis e criminais, movidos apenas contra o empresário (sem levar em conta as mais de 30 empresas das quais ele é sócio). A maior parte dessas disputas, no entanto, refere-se a cobranças de dívidas de entes públicos e fornecedores, sem falar numa condenação por lavagem de dinheiro.

Diante de um quadro financeiro tão grave, a solução encontrada pelo empresário foi negociar com o Estado de Minas Gerais a aprovação da citada lei, permitindo utilizar as obras de arte como pagamento pelas suas dívidas fiscais.

Obviamente não consta na Exposição de Motivos do Governador Fernando Pimentel que a medida foi concebida especialmente para Bernardo Paz. Para todos os fins, vale o dogma de que as leis são gerais e abstratas. Mas a Lei Teresoca também não explicitava que ela foi concebida única e exclusivamente para agradar Assis Chateaubriand.

Não causa surpresa, portanto, que a “Lei Inhotim” (vamos chamá-la assim) teve como primeiro “cliente” justamente Bernardo Paz. Segundo a Folha noticiou na última segunda feira, o empresário e o Estado de Minas Gerais firmaram um acordo prevendo a transferência de 20 obras de arte do acervo de Inhotim para a quitação de uma dívida tributária que era de R$ 471,6 milhões – mas que foi reduzida para R$ 111,8 milhões com a adesão das empresas de Paz ao último “refis” aberto pelo governo de Fernando Pimentel.

Segundo a reportagem de Carolina Linhares, o valor exato das obras ainda será submetido a avaliação de especialistas e depende de homologação judicial. As condições do acordo, contudo, revelam o quanto o negócio será vantajoso para Bernardo Paz.

Além de abater a dívida do empresário, o governo de Minas Gerais ainda teria aceitado a condição de não colocar as obras à venda no mercado. Ou seja, sob o pretexto de manter em Minas parte do patrimônio artístico exposto em Inhotim, a equipe de Fernando Pimentel teria concordado em imobilizar um ativo que poderia render centenas de milhões de reais se levado a leilão – uma medida incompreensível num Estado que se encontra à beira da falência.

Mas os absurdos não param aí. Outra cláusula do acordo estabelece que, além de não poder vender as obras, o Estado de Minas concorda em cedê-las em comodato para ficarem expostas… no Inhotim! Ou seja, com esse acordo Bernardo Paz conseguiu a proeza de pagar uma dívida multimilionária repassando para o Estado de Minas 20 obras de Inhotim que não poderão ser vendidas e ainda continuarão expostas no seu próprio centro cultural.

Parece evidente, pelas condições draconianas impostas ao Estado de Minas e à sua população, que Bernardo Paz jogou com a ameaça de fechar as portas de Inhotim para, assim, quitar sua dívida tributária e continuar com a posse das obras de arte. Trata-se de velha estratégia da elite empresarial brasileira. Sob argumentos que vão da proteção aos empregos brasileiros à defesa dos interesses nacionais, passando pela promoção da cultura, grandes empresários bem articulados com a classe política impõem custos a toda a sociedade para extrair vultosos benefícios privados.

Nosso “capitalismo de compadrio” precisa urgentemente de um choque de gestão. Por mais dramático que pudesse ser para a cultura nacional, exigir que Bernardo Paz se desfizesse das obras de Inhotim para quitar a dívida tributária de suas empresas teria o efeito pedagógico de ensinar para nossa elite uma lei realmente geral e abstrata: aquela que, no seu artigo primeiro, estabelece que que só há duas coisas certas na vida, a morte e os impostos.

 

 

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Fim da série? https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/04/02/fim-da-serie/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/04/02/fim-da-serie/#respond Mon, 02 Apr 2018 05:00:08 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=326 Na semana em que se cumpre a profecia de Sérgio Machado e Romero Jucá, o Supremo mostra como o Mecanismo é mesmo implacável no Brasil.

“O Michel forma um governo de união nacional, faz um grande acordo, protege o Lula, protege todo mundo. [Assim] esse país volta à calma; ninguém aguenta mais”.
(Sérgio Machado, na mesma gravação em que trocou ideias com Romero Jucá sobre “o grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”)

Como no samba de João Bosco e Aldir Blanc, a série O Mecanismo acabou no melhor pedaço. Concentrada na formação da Força Tarefa da Operação Lava Jato e na caçada a Alberto Youssef e a Paulo Roberto Costa, a primeira temporada fechou com o cerco ao cartel de empreiteiras que lesava a Petrobrás em tenebrosas transações.

Noves fora os graves erros de atribuir a Lula a frase sobre “estancar a sangria” e de não deixar claro que o esquema do Banestado se desenrolou na era FHC, o fio condutor da série é bem condizente com a descoberta do maior escândalo de corrupção do país.

No último episódio (atenção para o spoiler!) Ruffo revela o funcionamento do mecanismo. Trata-se de uma simplificação da teoria de Daron Acemoglu e James Robinson no livro Por que as Nações Fracassam: grandes grupos econômicos se aliam à elite política para desviar recursos públicos e, assim, concentrarem mais renda e mais poder em suas mãos e contas na Suíça.

Ruffo está certo: no Brasil, sempre foi assim. Tome os grandes escândalos de corrupção da Nova República – caso PC Farias, Anões do Orçamento, Banestado, privatizações, Satiagraha, Castelo de Areia, Mensalão, Petrolão – e veja que o modus operandi é basicamente o mesmo.

Muitas vezes até os personagens se mantêm. Se você tiver o trabalho de ler o relatório das CPMIs que investigaram Collor e PC Farias ou a gangue de políticos de baixa estatura que desviava recursos do Orçamento, encontrará envolvidos na lama, desde aquela época: Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez, Geddel Vieira Lima, Edson Lobão, Eduardo Cunha…

Como o sistema se perpetua no tempo, filhos sucedem os pais na mesma forma de jogar. Na política isso acontece desde os tempos dos coronéis. Do lado de quem corrompe, a linhagem é tecida de Norberto para Emílio e depois Marcelo. Cláudio Melo era o lobista da Odebrecht na época de PC Farias. 30 anos depois, quem acompanhou o patrão na reunião com Temer e Padilha no Palácio do Jaburu para selar a doação de R$ 10 milhões para a campanha de 2014 também foi Cláudio Melo, mas o filho.

A operação também é praticamente a mesma: doleiros, contas no exterior, tráfico de influência, propinas travestidas de doações de campanha, empresas de fachada, laranjas, malas de dinheiro.

A primeira leva de episódios produzidos por José Padilha termina no ponto em que começam a se descortinar as engrenagens do sistema político brasileiro. Ao que tudo indica, a segunda temporada vai mostrar como dinheiro lícito e ilícito de empresários abastece campanhas eleitorais, ajudando a eleger políticos que retribuem o apoio com licitações fraudulentas, dinheiro barato de bancos oficiais e outras benesses.

Um dos indicadores de como esse sistema funciona – pelo menos na sua roupagem oficial – está no gráfico abaixo. Nele eu comparo a participação dos principais setores econômicos no PIB com o peso que tiveram nas doações de campanha em 2014:

O gráfico mostra a participação dos setores econômicos no PIB e no financiamento eleitoral em 2014.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE e do IBGE.

Confrontando o tamanho das barrinhas, é possível perceber que alguns setores doaram para as campanhas eleitorais proporcionalmente muito mais dinheiro do que a sua importância econômica poderia justificar. Construção civil, alimentos e bebidas, bancos, siderúrgicas e mineradoras investem pesado nos políticos porque esperam retorno financeiro na forma de obras públicas, crédito subsidiado do BNDES, benefícios tributários, Refis, regulação branda, proteção contra a concorrência estrangeira.

Não é à toa que líderes desses setores têm frequentado as páginas policiais no lastro das investigações da Lava Jato, Zelotes, Greenfield. A classe política atual chegou e se manteve no poder turbinada com os milhões doados por esses setores.

Se for seguir essa trilha das relações entre as elites econômica e política que ficaram claras até aqui nas investigações da Operação Lava Jato, O Mecanismo repetirá a fórmula de sucesso de Tropa de Elite, em que a continuação é muito superior ao primeiro filme justamente porque expôs as vísceras do sistema político. Polêmicas muito maiores certamente virão.

Fico preocupado em saber, no entanto, é se teremos uma terceira temporada do seriado. Afinal de contas, nesta semana estaremos próximos de ver realizada a profecia de Sérgio Machado e de Romero Jucá – aquela do “grande acordo nacional, com o Supremo e com tudo”. Se colocar fim à possibilidade em prisão após decisão judicial em segunda instância, o STF praticamente jogará uma pá de cal sobre a Operação Lava Jato.

É só olhar a evolução dos fatos em perspectiva. No início, tivemos uma liquidação de penas e multas para os altos executivos e empresas envolvidas no escândalo que firmaram acordos de leniência e de delação premiada. Livrou-se, assim, os agentes econômicos que praticaram corrupção ativa.

De uns tempos para cá, com a concessão de habeas corpus generosos, recursos intermináveis, indultos natalinos, prisões domiciliares para tratamento de saúde e, para completar, o fim das prisões em segunda instância, o Supremo tem se encarregado de livrar de punições severas também a elite política que se deixou corromper. O mecanismo é implacável, meus caros.

“E o que a gente faz com isso?”, pergunta desolada a esposa do protagonista da série ao ficar sabendo como funcionam os fractais da corrupção brasileira.

Ruffo não deu a resposta, mas para mim é muito claro que temos que pressionar por mudanças institucionais que façam o mecanismo girar ao contrário, passando do modo “concentração de renda e poder” para o estágio “mais igualdade e democracia”.

De um lado, precisamos de um sistema eleitoral menos dependente de dinheiro, adotando o sistema distrital misto, cláusulas de barreiras mais severas, o fim das coligações em eleições para o parlamento e limites ao financiamento de campanha.

Para atingir o outro lado do mecanismo, temos que fechar as torneiras do dinheiro público para as grandes empresas, com o fim de subvenções, regimes tributários especiais, crédito subsidiado e programas de refinanciamento de dívidas fiscais (Refis).

Na articulação entre as engrenagens política e econômica, são necessários aprimoramentos institucionais no relacionamento entre empresas e os Três Poderes da República, atacando as moedas de trocas à disposição deles: redução dos cargos em comissão, privatização de muitas estatais, regras orçamentárias mais transparentes, fim de medidas provisórias e regulação do lobby, reforma do sistema recursal e de regras de prescrição, limitação drástica do foro privilegiado, entre outras medidas.

Sem reformas concretas que ataquem o modo de funcionamento desse sistema, continuaremos nesse roteiro arrastado do combate à corrupção no país – em que foros privilegiados, embargos, indultos e habeas corpus concedidos pelo Judiciário farão o mocinho sempre levar a pior no final.

 

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Taxistas versus aplicativos: nessa briga, o consumidor é quem leva a pior https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/10/30/taxistas-versus-aplicativos-nessa-briga-o-consumidor-e-quem-leva-a-pior/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/10/30/taxistas-versus-aplicativos-nessa-briga-o-consumidor-e-quem-leva-a-pior/#respond Mon, 30 Oct 2017 04:15:53 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=223 O Projeto de Lei nº 28/2017, que “regula” os aplicativos de transporte coletivo, expõe como sob o pretexto de defender o consumidor escondem-se privilégios estatais, medo da concorrência e poder dos reguladores.

Vou de táxi, cê sabe
Tava morrendo de saudade

“Vou de Táxi” (Frank Langoff / E. Roda Gil – Versão: Aloysio Reis / Biafra)

 

O Senado Federal pode, a qualquer momento, decretar o fim dos aplicativos de transporte coletivo no Brasil. O PL nº 28/2017, que regula Uber, Cabify, 99pop e outras empresas que possam surgir, está em regime de urgência e deve ser votado nesta semana. Caso os senadores optem por retomar o projeto aprovado na Câmara (PL nº 5.587/2016) os aplicativos ficarão praticamente inviabilizados no Brasil.

É importante deixar bem claro que a votação dessa regulação não se trata de uma guerra entre taxistas e as novas empresas que se valem da tecnologia para ofertar deslocamentos urbanos. O rol de possíveis vencedores e perdedores vai muito além. E eu vou aqui tentar qualificar melhor a questão à luz de um pouco de teoria econômica e política.

A maioria silenciosa e a minoria barulhenta

Não sei se é o efeito dos algoritmos, mas eu tenho visto uma intensa repercussão negativa sobre a provável aprovação do PL contra os aplicativos na minha timeline nas redes sociais. O mesmo acontece nas conversas cotidianas com amigos e conhecidos.

Uma possível legislação restritiva contra os aplicativos de transporte afetará não apenas Uber, Cabify e 99pop ou os seus motoristas. Pouca gente está dando atenção para os prejuízos que serão impostos aos milhões de usuários nas principais cidades brasileiras. Nós, os usuários, nos acostumamos nos últimos anos a ter acesso, na palma da mão, a um serviço de transporte mais barato e com melhor qualidade do que os táxis em geral. Logo, um projeto de lei que dificulte a atuação desses aplicativos imporá custos à maioria (usuários) em favor de uma minoria (taxistas).

Trata-se de um exemplo perfeito da Lógica da Ação Coletiva, teoria proposta por Mancur Olson em 1965 que demonstra como grupos com grande poder de organização e com muito interesse em jogo (como os taxistas) têm maior chance de sucesso na arena política do que a maioria desinteressada, desorganizada e com pouco a ganhar diretamente com a legislação em discussão (os usuários). Benefícios concentrados (dos taxistas) e prejuízos difusos (dos usuários) ditam não apenas a tramitação do PL nº 28/2017: são a tônica do nosso subdesenvolvimento econômico e social.

Existem taxistas e taxistas

Outro aspecto importante dessa discussão é a distinção entre duas espécies de “taxistas”. De acordo a legislação, os serviços de táxis tanto podem ser prestados por permissionários (pessoas que obtiveram a licença para explorar os serviços de táxi) quanto por motoristas que, autorizados pelo órgão municipal, alugam o táxi do permissionário, pagando em geral uma diária.

Para ter uma ideia da dimensão de cada uma dessas categorias, solicitei via Lei de Acesso à Informação à BHTrans, o órgão que regula o serviço na minha cidade (Belo Horizonte/MG), a relação de todos os taxistas em atividade. Em 2016 havia 6.014 auxiliares (aqueles que não têm a licença), para 7.192 permissionários (os “donos de táxis”).

Como você pode ver, quase a metade dos taxistas em BH não detêm licença para explorar o serviço. Eles são, na verdade, trabalhadores que pagam diárias de R$ 100 a 150 para o permissionário por 12 horas rodando pelas ruas da cidade. Ou seja, pessoas que só começam a lucrar depois de terem feito o suficiente para pagar essa dívida diária, além do combustível. E sem qualquer proteção da legislação trabalhista. Aliás, nunca vi ninguém criticando sua exploração econômica pelos permissionários, como fazem com a Uber e os outros aplicativos.

A situação dos taxistas sem licença era tão ruim que muitos deles começaram a migrar para Uber, Cabify e afins. Afinal, muitos passaram a achar melhor ter flexibilidade de horário e repassar 25% de toda a receita para a empresa do aplicativo do que pagar uma diária fixa para o dono da licença do táxi. A liberdade tem um preço, e no caso deles, ele deve ser mais baixo do que o aluguel do táxi.

Taxistas ou rentistas?

Quanto aos taxistas permissionários, o crescimento de serviços como 99pop, Uber e Cabify não gerou apenas uma queda de receita decorrente da concorrência pelos passageiros. A migração de taxistas associados gerou uma queda no valor das diárias de aluguel e a desvalorização das licenças.

Neste ponto chegamos ao cerne da disputa em torno do PL nº 28/2017. Ser “proprietário” de uma licença de táxi não é apenas ser um agente privado prestando um serviço público. É ser, sobretudo, um rentista.

É só fazer as contas: em Belo Horizonte, R$ 100 a 150 de diária por 12h dão de R$ 3 mil a 4,5 mil de renda mensal livres, sem precisar pegar no volante para o “dono” do táxi. E ainda sobram 12h para rodar no táxi ou até mesmo para alugar a placa para outro associado.

E além disso existem os ganhos indiretos. Isenção de IPI e ICMS para comprar carros novos a cada 3 anos gera uma renda extra com a sua revenda, além da dispensa de ter que pagar ISSQN sobre seus ganhos e IPVA sobre o veículo. Nas cidades maiores os taxistas também podem comercializar o espaço de seus parabrisas traseiros para publicidade.

Essas múltiplas fontes de renda (receitas advindas do taxímetro, das diárias cobradas dos taxistas não permissionárias e da publicidade), combinada com isenções tributárias sobre os veículos e a atividade em si, fazem com que uma licença valha, no mercado negro, de R$ 150 a 450 mil em alguns municípios, segundo consta na justificativa do Dep. Alberto Fraga (DEM/DF) PL nº 2632/2015, outro projeto destinado a regular esse serviço.

Ser detentor de uma licença de táxi é algo tão rentável que em muitas cidades existem indivíduos que “possuem” dezenas delas, obtidas na base do compadrio numa época em que não se exigia licitação. Sempre se falou que em muitas cidades é comum que políticos poderosos se valem de “laranjas” para explorarem dezenas de licenças de táxis.

A mobilização política em favor do PL no Congresso reflete, portanto, uma reação dos permissionários contra a concorrência dos aplicativos, que com um novo modelo de negócios e o uso da tecnologia ameaçam o rentismo dos taxistas. Aliás, como procurei demonstrar num texto do meu antigo blog, o Leis e Números, a tramitação do projeto na Câmara foi dominada por manobras capitaneadas pela “bancada dos taxistas”, comandada pelo seu presidente, o deputado Carlos Zarattini (PT/SP), que foi o autor do projeto, do requerimento de urgência e dos destaques para votação em separado de dispositivos que praticamente inviabilizam o funcionamento dos aplicativos.

A rapidíssima aprovação do PL na Câmara e no Senado expõe uma típica atividade denominada de rent seeking (“busca de renda”) pela teoria econômica e política. Estudiosos como Gordon Tullock e James Buchanan, ainda na década de 1960, chamaram a atenção para empresas e grupos de interesses que, em vez de investirem na oferta de melhores produtos e serviços para os consumidores, preferem pagar lobistas, fazer contribuições de campanha ou corromper políticos para garantir privilégios como isenções tributárias, regulação benéfica ou barreiras à entrada de competidores. Com isso, obtêm rendas (daí o termo rent seeking) que são usufruídas por eles, mas pagas pela maioria silenciosa de contribuintes e consumidores.

Aliás, as isenções tributárias que os taxistas conquistaram com lobby nas instâncias municipal, estadual e federal nos últimos anos torna totalmente sem sentido o argumento de que Uber e Cabify não pagam impostos e, por isso, são clandestinos e exercem concorrência desleal.

A classe dos taxistas é tão eficiente na prática do rent seeking que em 2013 ela conseguiu até incluir numa medida provisória um dispositivo que garante aos permissionários o direito de transmitir a outorga do táxi para seus herdeiros em caso de falecimento dos taxistas. Haveria evidência maior de rentismo do que essa?

Combater empresas como Uber, Cabify e 99pop no Congresso e nos tribunais, e não na qualidade e no preço de seus serviços, é uma típica atividade de rent seeking dos permissionários para eliminar a concorrência e manter sua fonte de renda.

Aliás, venho sempre defendo aqui na Folha que o rent seeking exacerbado é outra característica marcante do capitalismo brasileiro. Quantos empresários gastam fortunas com lobby e corrupção para conseguir empréstimos subsidiados, regulação suave, regimes tributários especiais e proteção alfandegária, quando deveriam estar investindo em produtos e serviços melhores para concorrer no mercado nacional e internacional?

Ah, o poder…

Outro importante ator negligenciado nas análises sobre o PL nº 28/2017 são os reguladores municipais. Caso o projeto vire lei com a redação dada pela Câmara, toda atividade de empresas como 99pop, Uber e Cabify no Brasil terá que ser regulada pelas autoridades de trânsito em cada município. Você imagina o poder que será dado aos políticos municipais com essa alteração na lei?

Na década de 1970, economistas da Escola de Chicago como George Stigler, Richard Posner, Robert Barro e Sam Peltzman apontaram que os representantes do Estado não são agentes passivos diante dos pleitos dos grupos de interesses: eles muitas vezes estabelecem as regras do jogo (regulação) levando em conta o que poderão extrair em termos pessoais para si (propinas, promoções, colocação profissional no futuro…). Sabe aquela velha máxima de “criar dificuldade pra vender facilidade”? É disso que estamos tratando aqui.

Atribuir a responsabilidade para autorizar e regular aplicativos de transporte em cada município é dar um imenso poder para representantes do Executivo e do Legislativo decidirem quem, quando, onde e como o serviço será prestado. Aliás, procure saber quando foi a última licitação de licenças de táxis na sua cidade – é uma boa evidência de quanto pode render o poder de uma caneta ao limitar a concorrência.

Afora o agravamento de possibilidades de má regulação e corrupção (não é à toa que a Uber rapidamente expôs as mazelas do serviço de táxi nas principais cidades brasileiras), a aprovação do PL pode matar uma exitosa experiência de não regulação vivenciada no Brasil até agora.

Uber, Cabify e cia estão mostrando que a regulação não precisa ser tão minuciosa e restritiva à concorrência como acontece no serviço dos táxis. De uma só tacada, colocaram em cheque a crença de que é necessário que o Estado controle preços (mostrando-se bem mais baratos que os táxis) e também qualidade – os serviços a garantem tanto via avaliação dos motoristas quanto pela segmentação do serviço (UberX, Uberpool, UberSelect e UberBlack estão disponíveis para todos os bolsos e preços, por exemplo).

Se houvesse genuíno interesse dos parlamentares em regular os aplicativos (e reconheço que isso é em parte necessário), isso deveria ter sido feito em termos de tributação, melhorias na segurança jurídica dos motoristas (garantias nos contratos firmados com as empresas de aplicativos) e direitos dos clientes (requisitos para os motoristas, indenizações em caso de dano, etc.). Atribuir poder regulatório a cada município é dar mais poder a tiranetes de balcão e políticos com uma tendência mafiosa.

Por esses motivos, o PL nº 28/2017 só me convence de que somos o país das corporações, do rent seeking e dos reguladores interessados no seu próprio bem-estar. Contra eles, precisamos de mais concorrência, mais inclusão e mais inovação.

Nota: texto publicado originalmente pelo autor, com algumas adaptações, no blog Leis e Números em 13/04/2017.

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No meu post anterior, sobre a proposta de renovação dos incentivos fiscais da Lei do Audiovisual, eu critiquei a falta de transparência da Ancine, a agência reguladora do setor, na divulgação dos dados sobre a atividade cinematográfica no Brasil.

Em email endereçado a mim e à Folha, a Assessoria de Comunicação da Ancine manifestou-se nos seguintes termos contra minha opinião:

Caro Bruno Carazza,

Em resposta a seu artigo de hoje, gostaríamos de esclarecer que:

A Ancine reafirma o seu compromisso absoluto com a transparência das informações resultantes de seus processos de regular, fomentar e fiscalizar o setor audiovisual. Para isso, criou em 2008 o Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual – OCA. Em breve pesquisa no OCA é possível acessar os dados de monitoramento dos mercados de salas de exibição e de programação de TV Paga e Aberta. Vale destacar que os números referentes à bilheteria e à renda dos filmes lançados em salas de exibição são atualizados semanalmente, e que inclusive há dados de outubro de 2017 disponíveis. O visitante do site do OCA pode acessar também os dados dos agentes econômicos que compõem o setor audiovisual, com as suas respectivas características de produção, programação, regionalidade, entre muitas outras. Além disso, são publicados dados consolidados de fomento à indústria audiovisual, como a listagem das obras apoiadas por recursos incentivados e pelo Fundo Setorial do Audiovisual, os dados de recolhimento dos recursos incentivados da Lei do Audiovisual e a arrecadação de Condecine. Esses são apenas alguns exemplos dos mais de 300 arquivos que compõem o acervo do OCA, cuja maior parte possui atualização até o ano de 2016.

Segue link com os dados relativos à bilheteria e renda publicados semanalmente: https://oca.ancine.gov.br/resultados-semanais

Segue link com os números gerais de bilheteria e renda:  https://oca.ancine.gov.br/sites/default/files/cinema/pdf/2101_0.pdf

 

Segue a lista completa dos dados relativos ao fomento ao setor audiovisual, atualizados até 2016, disponíveis atualmente no OCA:

[Insere quadro]”

Eu admito que fui um pouco injusto com a Ancine – na média, o esforço dessa agência em divulgar os dados está à frente de outros órgãos federais, pelo o que eu tenho vivenciado (quem acompanha o blog sabe como me valho da Lei de Acesso à Informação para fazer minhas análises).

O problema é que os dados divulgados pela Ancine não ajudam o cidadão que queira exercer o controle social sobre suas políticas. Só para dar um exemplo: os links fornecidos na nota da Ancine estão em formato pdf, que dificulta enormemente o trabalho de quem os tabula e analisa.

Além disso, a respeito dos dados que eu utilizei no post sobre a Lei do Audiovisual, a tabela “Listagem dos Filmes Lançados em Salas de Exibição com Valores Captados através de Mecanismos de Incentivo” estava atualizada até 2013 quando eu baixei os dados na semana passada. Coincidência ou não, logo depois da publicação do meu texto, na madrugada do dia 27/10/2017, essa planilha foi atualizada e apresenta os dados até 2014, como pode ser visto aqui.

É fato que eu poderia ter buscado os dados referentes aos anos mais recentes em outras planilhas divulgadas no site da Ancine, mas isso também teria problemas. Existem no site dados de incentivos fiscais até 2016, mas eles estão vinculados ao nome do projeto cinematográfico, e não ao nome comercial do filme (“Ensaio sobre a Cegueira”, de Fernando Meirelles, consta nessas tabelas apenas como “Cegueira”, por exemplo). Além disso, os dados de renda de bilheteria estão em base semanal a partir de 2013 (2014, agora que eles foram atualizados), o que exigiria que eu computasse semana a semana (baixando os resultados em pdf!) os relatórios para ter um panorama da renda de bilheteria de cada filme nos anos recentes. Haja paciência e determinação!

O que eu quero dizer aqui é que não basta ao órgão público dizer que os dados estão divulgados no site. Questões como formato, compatibilidade das informações, facilidade de pesquisa e periodicidade são fundamentais para que o cidadão interessado possa ter uma visão geral das políticas públicas e avaliar se elas cumprem ou não aos seus objetivos.

Estou à disposição da Ancine para contribuir nesse processo, caso ela deseje.

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O Brasil Velho que legisla em causa própria https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/09/22/o-brasil-velho-que-legisla-em-causa-propria/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/09/22/o-brasil-velho-que-legisla-em-causa-propria/#respond Fri, 22 Sep 2017 06:00:30 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=162 Análise das emendas propostas às MPs do Refis revelam que boa parte do Congresso defende seus próprios interesses quanto ao parcelamento das dívidas perante a União

Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim

“Brasil” (Cazuza, George Israel e Nilo Romero)

Há alguns domingos, Marcos Lisboa, que eu tive a honra de ter como chefe nos bons tempos das reformas microeconômicas, escreveu em sua coluna na Folha que no momento atual existe uma divisão política no país, entre o Brasil Velho e um Brasil Novo – “da agenda republicana, com ênfase na melhora do ambiente de negócios, na concorrência e na política social”.

Eu compartilho com a visão do Marcos de que não há saída fora da política e que somente nela devemos negociar perdas e interesses envolvidos com as reformas de que esse Brasil Novo precisa.

O problema é que o Brasil Velho é quem governa. E governa comprometido com interesses estabelecidos e preocupado quase exclusivamente com a autopreservação da espécie.

Tenho procurado escrever neste blog sobre as interações entre as elites política e econômica brasileiras na tramitação das nossas leis. Acredito que esse é um importante prisma para interpretar nosso atraso, nossa desigualdade e as oportunidades perdidas nas últimas décadas.

Mas hoje vou escrever sobre uma peculiaridade desse sistema vicioso: os parlamentares que trabalham não em prol de determinados grupos de interesses, mas que legislam em causa própria. Afinal, existe uma parcela substancial do Congresso que representa a si mesmo – empresários ou dirigentes de empresas que se valem do mandato para dar um empurrãozinho nos próprios negócios.

A ideia que tomei não é original. Julio Wiziack, jornalista da Folha, valeu-se da Lei de Acesso à Informação e obteve da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional a relação dos deputados e senadores que eram devedores, corresponsáveis ou exerciam função de sócios, administradores ou dirigentes de empresas inscritas na Dívida Ativa da União. Ele relacionou essas informações com a propositura de emendas na MP do Refis e… bingo!

O problema é que temos atualmente em tramitação não apenas uma, mas três medidas provisórias que tratam de parcelamento de débitos junto à União, além de uma primeira que acabou expirando no início do ano.

O que eu fiz agora foi simplesmente expandir o exercício do Julio para as três MPs em vigor, além da primeira editada neste ano, que acabou expirando. O resultado está no gráfico abaixo:

Como se pode ver acima, com exceção da MP nº 793, que trata da regularização tributária rural, em torno de 50% das emendas apresentadas tiveram a autoria de parlamentares com dívidas junto ao Fisco. Ou seja, metade das propostas para alterar os programas de parcelamento de débitos tributários e não tributários introduzidos pelo Governo Federal partiu de deputados e senadores que tentavam legislar em causa própria, uma vez que seriam diretamente beneficiados por essas modificações.

Esses dados não causam surpresa alguma. Faz tempo que os programas de parcelamento de débitos tributários e não tributários são uma distorção de nosso malfadado regime fiscal – uma espécie de filme que nos aterroriza de tempos em tempos beneficiando os maus pagadores em detrimento da imensa maioria que paga seus tributos na fonte ou de forma indireta, via consumo.

Governos endividados precisam, de quando em vez, fazer caixa para honrar seus compromissos e cumprir a meta. Entre as soluções imaginadas, sempre surge a ideia de lançar um novo sistema de regularização de débitos tributários. Edita-se então uma medida provisória com o novo Refis (os nomes mudam a cada vez, agora é Programa Especial de Regularização Tributária), com uma série de atrativos como parcelamentos, alongamento de prazo e abatimento de multas e juros.

Uma vez editada a MP, abre-se a caixa de Pandora: parlamentares se movimentam e propõem medidas para tornar o sistema ainda mais benéfico, atendendo a interesses de grandes grupos econômicos (você já deve ter ouvido falar de propinas pagas em retribuição a emendas de MPs do Refis nas delações da Lava Jato).

O governo, desesperado por fazer caixa, acaba cedendo em alguma medida e o novo Refis é aprovado. O governo fica feliz. Os devedores ficam felizes.

Mas o uso reiterado do Refis gera uma péssima sinalização para quem deve pagar seus tributos em dia. E quem pode acaba jogando com a perspectiva de que, mais dia menos dia, uma nova crise fiscal virá e o governo lançará um novo Refis com suas benesses. O resultado é que o programa, destinado a regularizar o pagamento das dívidas, acaba estimulando o seu acúmulo.

É para garantir que problemas como o da expansão dos benefícios do Refis sejam resolvidos da melhor forma possível no Congresso que muitas empresas se aproximam dos políticos. E investem em doações de campanhas (não se iluda, o caixa dois não morreu com a Lava Jato), em lobby, em “relações institucionais”.

O jogo é tão benéfico que algumas empresas investem em parlamentares exclusivos, colocando em Brasília o dono, um sócio ou o administrador de seus negócios. Dessa forma eliminam-se os intermediários, como se vê nos números de proposição de emendas acima.

Para avançarmos com a agenda de reformas de que o Brasil Novo tanto necessita, precisamos limitar a forma de atuação do Brasil Velho. O exercício de mandato não pode ser visto como um trabalho de despachante ou de preposto de empresas especializadas em explorar as brechas do sistema, como Refis e medidas provisórias. Caso contrário, a porta continuará aberta à barganha e à corrupção.

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Carlos Drummond, Temer e as MPs do Código de Minas https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/08/02/carlos-drummond-temer-e-as-mps-do-codigo-de-minas/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/08/02/carlos-drummond-temer-e-as-mps-do-codigo-de-minas/#respond Wed, 02 Aug 2017 08:00:41 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=113 As três medidas provisórias editadas na semana passada deveriam nos fazer refletir até que ponto o objetivo do Presidente de se safar da Justiça atropela a democracia e pode comprometer o desenvolvimento sustentável do país

[…]
Com tanto minério em roda
Podendo ser extraído,
A icominas se açoda
E nem sequer presta ouvido
Ao grave apelo da história
Que recortou nessa imagem
Um outro azul da memória
E um assombro da paisagem.
[…]
Tudo exportar bem depressa,
Suando as rotas camisas.
Ficam buracos? Ora essa,
O que vale são divisas
Que tapem outros “buracos”
Do tesouro nacional,
Deixando em redor os cacos
De um país colonial.
[…]
E vem de cima um despacho
Autorizando: derruba!
Role tudo, de alto a baixo,
Como, ao vento, uma embaúba!
E o pico de Itabirito
Será moído, exportado.
Só quedará no infinito
Seu fantasma desolado.
O Pico do Itabirito” (Carlos Drummond de Andrade, Versiprosa, 1967)

 

Os versos acima são de um poema de Drummond denunciando as pressões das mineradoras para explorar a região do Pico do Itabirito, patrimônio histórico e natural de Minas Gerais, marco de orientação para bandeirantes e tropeiros desde os tempos do Ciclo do Ouro.

Itabirito em tupi significa “pedra que risca vermelho”: a cor do minério de ferro, commodity que no século XX substituiu o ouro como principal riqueza extraída das entranhas de Minas.

De acordo com Drummond, a sanha mineratória na região começou com a St_John_del_Rey_Mining_Company. Depois veio a Hanna Mining. A indignação do poeta, no entanto, centra-se na Icominas, que alguns anos depois se transformou em Icomi, Caemi e finalmente MBR. Em 2001 ela foi comprada pela Vale.

O pico ficou, mas todo o seu entorno já foi moído e exportado, como previsto por Drummond. Dá uma olhada nesta imagem de satélite extraída do Google Maps:

Imagem de satélite da região do Pico do Itabirito (MG)
Imagem de satélite da região do Pico do Itabirito (MG)

Por coincidência, o livro do Drummond com o poema “O Pico do Itabirito” saiu em 1967, mesmo ano em que foi editado o Código de Minas, marco regulatório do setor.

Assim como o Pico do Itabirito ainda resiste, mesmo que praticamente na forma de um painel de outdoor, o Código de Minas de 1967 continua em vigor. Ele também foi desfigurado ao longo do tempo, com alterações frequentes; a mais importante foi realizada há mais de 20 anos, com FHC.

Na semana passada, o Governo Temer editou no mesmo dia, de uma só tacada, três medidas provisórias reformulando todo o marco regulatório do setor de mineração no Brasil.

Uma delas criou a Agência Nacional de Mineração (ente regulador que substitui o DNPM), a outra alterou de forma substantiva o Código de Minas e a terceira implantou uma nova sistemática de cobrança de royalties, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Naturais.

É inegável a necessidade de se reformular o setor de mineração no Brasil: ele gera empregos e riquezas, é um dos principais produtos de nossa pauta de exportações e o código atual é anacrônico, inibe investimentos em pesquisa e até alimenta uma máfia de empresas envolvidas com a obtenção e venda de licenças de exploração mineral.

Mas, justamente pela sua importância para o país, a atividade de exploração de riquezas minerais envolve múltiplos interesses e objetivos, muitos deles divergentes: as mineradoras e seus lucros, a política econômica e a balança comercial, os empregados e seus postos de trabalho, os Estados e municípios e os royalties, os consumidores e o preço dos produtos, a coletividade (incluindo aí as gerações futuras) e o meio ambiente sustentável…

Nesse contexto, o processo legislativo deveria constituir-se num fórum para debatermos, de forma plural, os prós e os contras de qualquer proposta destinada a mudar essa regulação. Representantes de cada um dos interesses deveriam ter condições razoavelmente equânimes para expressar seus pontos de vista aos parlamentares. E esses, por sua vez, deveriam debater com profundidade as mudanças em pauta e decidir por uma regulação equilibrada, vocacionada a assegurar o que costumamos chamar de “desenvolvimento sustentável”.

Mas exercer a democracia dá trabalho, e nós brasileiros gostamos de atalhos. E um dos mais utilizados se chama “medida provisória” – filha do decreto-lei de nossas ditaduras, o instrumento que instituiu o mesmo Código de Minas que Temer agora está alterando.

Na minha opinião, as medidas provisórias são o mais danoso mecanismo de nosso “presidencialismo de coalizão”.

[Aliás, abro aqui um par de colchetes para alfinetar meus amigos cientistas políticos.

Desde que Sérgio Abranches – mais um mineiro neste texto – cunhou essa expressão, ainda em 1988, os pesquisadores da área desenvolveram uma obsessão com pesquisas sobre governabilidade e disciplina partidária.

Pouca atenção ainda é dada àquela que é, a meu ver, a principal conclusão do artigo: a tendência intrínseca do presidencialismo de coalizão ao conluio entre a burocracia (incluída aí a classe política) e os interesses privados, mantendo-nos presos ao ciclo de extração de renda do Estado e da sociedade. Se eu entendi bem seu artigo genial, este é o verdadeiro “dilema institucional brasileiro” exposto por Abranches. Ou seja, o sistema que instituímos na Constituição de 1988 gera uma tendência incontornável para o rent seeking – expressão inglesa que define a busca de pessoas físicas e jurídicas influentes por uma boquinha do Estado, à custa de toda a sociedade.

Para fechar esse longo desvio acadêmico, deem uma olhada neste trecho do artigo original:

Proliferam os incentivos e subsídios, expande-se a rede de proteção e regulações estatais. Esse movimento tem o resultado, aparentemente contraditório, de limitar progressivamente a capacidade de ação governamental. O governo enfrenta uma enorme inércia burocrático-orçamentária, que torna extremamente difícil a eliminação de qualquer programa, a redução ou extinção de incentivos e subsídios, o reordenamento e a racionalização do gasto público. Como cada item já incluído na pauta estatal torna-se cativo desta inércia, sustentada tanto pelo conluio entre segmentos da burocracia e os beneficiários privados, quanto pelo desinteresse das forças políticas que controlam o Executivo e o Legislativo em assumir os custos associados a mudanças nas pautas de alocação e regulação estatais, restringe-se o raio de ação do governo e reduzem-se as possibilidades de redirecionar a intervenção do Estado. Verifica-se, portanto, o enfraquecimento da capacidade de governo, seja para enfrentar crises de forma mais eficaz e permanente, seja para resolver os problemas mais agudos que emergem de nosso próprio padrão de desenvolvimento (ABRANCHES, 1988, p. 6).]

Voltando às medidas provisórias, elas são um instrumento valioso para o rent seeking no Brasil porque, por meio delas, o Executivo ganha, os parlamentares ganham, as empresas que têm poder de lobby ganham e a coletividade… bem, a coletividade quase sempre perde, porque geralmente não há quem tenha força suficiente para defendê-la (aliás, será que nossa sociedade sabe mesmo o que quer?).

Nesse contexto, reformar todo o sistema regulatório da mineração brasileira, uma área tão importante para nosso desenvolvimento sustentável, na base da canetada, por meio de MP, não só é antidemocrático, como revela um oportunismo sem limites dos principais agentes envolvidos.

Obviamente há o interesse das mineradoras, que vislumbraram uma oportunidade para mudar o Código de Minas de forma atropelada, sem audiências públicas, sem debate na sociedade e com pouca discussão no Congresso – afinal, desde que foram publicadas no Diário Oficial, as mudanças já estão em vigor em sua quase inteireza.

Mas, nesse caso específico, eu vislumbro um claro oportunismo do Presidente da República em alterar a regulação da mineração no Brasil.

Veja bem. Nos últimos dois meses, praticamente todas as ações políticas tomadas em Brasília giram em torno de um único fator: Michel Temer precisa de 172 votos para que a Câmara barre o processo que corre contra ele no STF.

Sua popularidade está próxima de zero, segundo as últimas pesquisas. Além disso, poucos partidos apoiam o Presidente de forma maciça a ponto de garantir sua governabilidade com base no puro convencimento ideológico – e nesse caso ele não está só: desde Sarney, todos enfrentaram esse problema em algum momento.

Diante desses fatos, os governantes brasileiros geralmente buscam os votos necessários para seus objetivos negociando no varejão (cargos, emendas parlamentares, promessas de doações de campanhas) ou recorrendo às chamadas bancadas – frentes parlamentares que defendem abertamente determinados interesses, como a da Bíblia (evangélicos), da bala (parlamentares que defendem um endurecimento da política de segurança pública), os ruralistas, etc.

No caso das MPs recentemente editadas por Temer, temos também a bancada da mineração no Congresso, que é presidida pelo deputado Sérgio Souza (PMDB/PR) – clique aqui para conhecer os seus 226 membros fundadores.

Para se ter uma ideia do seu poder, a Frente Parlamentar da Mineração é responsável por 60% dos 25 membros titulares da Comissão Especial que debate um projeto de lei que pretendia alterar o Código de Minas antes das MPs do Temer.

Pertencem à bancada da mineração as duas figuras mais importantes da Comissão: seu presidente, o deputado Gabriel Guimarães (PT) e o relator Leonardo Quintão (PMDB).

Não por acaso, ambos mineiros.

Não por acaso, ambos tiveram suas campanhas fortemente financiada por mineradoras.

Gabriel Guimarães, pela Companhia Brasileira de Mineração e Metalurgia, Vale, Companhia Brasileira de Alumínio, Anglo Gold e Votorantim.

Leonardo Quintão, pelas mesmas empresas e mais Kinross Mineração, Flapa Mineração e Incorporações, LMA Mineração, Mineração Polaris e ainda as siderúrgicas Usiminas, Gerdau, Vallourec e Magnesita. Para saber os valores, consulte aqui o site do TSE e pesquise os nomes dos ilustres deputados.

O que é mais interessante nesta história é que a bancada da mineração é fortemente pró-Temer, de acordo com os números.

Veja o caso da votação, na Comissão de Constituição e Justiça (a famosa CCJ) do atual processo sobre a admissibilidade do processo criminal contra ele.

Dos 66 membros da Comissão, 31 pertenciam à Frente Parlamentar da Mineração. Desses, 24 votaram a favor de Temer – ou seja, mais da metade dos 41 votos totais que o Presidente conseguiu veio da bancada da mineração.

Em termos percentuais, no gráfico abaixo podemos ver que naquela votação da CCJ o percentual de aprovação de Temer entre a bancada da mineração (77,4%) foi significativamente superior aos 62,1% de votos que ele conseguiu no grupo total.

Votação a favor de Temer na CCJ
Elaboração do autor a partir de dados obtidos no site da Câmara dos Deputados.

 

Outra evidência do apoio dos deputados ligados às mineradoras a Temer vem da votação sobre a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff no ano passado.

Se tomarmos apenas os membros da Comissão Especial que deliberava sobre as mudanças no Código de Minas – partindo do pressuposto de que eles são os mais diretamente interessados nesse assunto – podemos ver que a imensa maioria se posicionou pelo “Tchau, querida”. Conforme você pode ver na tabela abaixo, isso aconteceu independentemente de estarem formalmente vinculados à bancada da mineração.

 

Resumo da ópera: a edição de três medidas provisórias às vésperas da votação do seu processo no plenário da Câmara beneficiando um setor fortemente organizado e capaz de influenciar um grande número de deputados como a mineração revela um grande oportunismo de ambas as partes.

Em troca de apoio na votação que pode afastá-lo da Presidência da República e transformá-lo em réu no STF, Temer oferece uma regulação longamente desejada por grupos econômicos que têm, em suas mãos (ou bolsos?) um grande número de deputados.

Observe, caro leitor, que eu não estou questionando aqui o mérito das medidas provisórias e nem a necessidade de reformas no marco regulatório do setor.

Meu foco aqui foi explicitar os interesses em jogo e demostrar como esse arranjo institucional de presidencialismo de coalizão combinado com ampla liberdade para editar medidas provisórias agride o espírito democrático e favorece o rentismo no país.

É bom ficarmos de olho, antes que se cumpra a profecia do Drummond, de ver nossas montanhas definitivamente moídas e exportadas.

E olha que CDA tem dons premonitórios. Afinal, em 1984 ele escreveu no jornal Lira Itabirana:

 

I
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

Mas isso é assunto para outro dia. Até lá!

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