O E$pírito das Leis https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br Thu, 13 Dec 2018 11:46:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Tem auxílio-moradia, mas tem também 60 dias de férias e recesso https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/03/23/tem-auxilio-moradia-mas-tem-tambem-60-dias-de-ferias-e-recesso/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/03/23/tem-auxilio-moradia-mas-tem-tambem-60-dias-de-ferias-e-recesso/#respond Fri, 23 Mar 2018 05:00:00 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=324 Já é chegada a hora de reduzirmos a distância entre os setores público e privado, e isso passa também pelo simbolismo das férias, recessos e licenças

No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim

Ela é dançarina
Eu sou funcionário
Quando eu não salário
Ela, sim, propina

(Ela é Dançarina, Chico Buarque)

A surpreendente decisão do Supremo Tribunal Federal de conceder liminar para impedir uma eventual prisão de Lula até a próxima sessão da Corte, agendada para 04/04/2018, expõe um outro aspecto do sistema de privilégios e regalias do setor público brasileiro.

O julgamento foi suspenso em função do “adiantado da hora” da sessão de ontem, bem como dos feriados da Semana Santa – que para o Judiciário começam na quarta-feira.

De acordo com o relatório Justiça em Números, havia 79.662.896 processos pendentes de decisão definitiva na Justiça brasileira no final de 2016. A despeito de todos os problemas estruturais de nosso sistema judicial (insegurança jurídica, excesso de recursos, burocracia sufocante), é difícil fechar os olhos para as generosas folgas concedidas aos juízes a cada ano.

De acordo com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, a famosa Loman, juízes de todo o país têm direito a 60 dias de férias anuais. Além disso, uma lei de 1966 também estabelece um recesso judiciário que vai de 20/12 a 06/01 de cada ano, mais a quarta e a quinta-feira da Semana Santa e as datas comemorativas de 11/08 (Dia do Advogado), 01/11 (Dia de Todos os Santos) e 08/12 (Dia da Justiça) – além dos demais feriados nacionais, obviamente.

Não estamos aqui desmerecendo a responsabilidade e a elevada carga de trabalho dos juízes brasileiros – segundo o levantamento do Conselho Nacional de Justiça, cada magistrado tem em média sob sua guarda 6.696 processos pendentes. A questão é que não faz sentido esperar que a pilha de processos diminua enquanto os membros do Poder Judiciário trabalharem, a cada ano, pelo menos 50 dias a menos do que os demais trabalhadores brasileiros.

Essa distorção com o setor privado, entretanto, não é exclusividade do Poder Judiciário. A Constituição Federal estabelece o recesso das atividades do Legislativo nos períodos de 18 a 31 de julho e de 23/12 a 1º de fevereiro do ano seguinte e o Tribunal de Contas da União também “fecha as portas” de 17 de dezembro a 16 de janeiro.

No campo dos servidores públicos da União, a Lei nº 8.112/1990 também é pródiga no tratamento diferenciado para a categoria. Afinal, não há justificativa para o trabalhador do setor público ter direito a 8 dias de faltas em função de seu casamento ou do falecimento de cônjuge, pais, filhos ou irmãos, enquanto no setor privado os benefícios são de apenas 3 dias para casamento e 2 no caso de falecimento de membros da família.

No caso das licenças maternidade e paternidade, enquanto o Poder Executivo estendeu a sua vigência quase automaticamente para mães (por 60 dias) e pais (15 dias a mais) que são servidores públicos, no setor privado exige-se que a empresa adira a um regime tributário especial, o Programa Empresa Cidadã – com resultados bastante tímidos.

Ainda no campo das licenças e afastamentos, a Lei nº 8.112/1990 também assegura licença remunerada para os servidores que decidirem se candidatar – no período entre o registro da candidatura e o décimo dia posterior à eleição – e a possibilidade, sujeita a aprovação da chefia superior, de uma licença de até três meses a cada 5 anos para o servidor se capacitar.

Como podemos ver, a decisão do Supremo de suspender um julgamento crucial para o futuro imediato do país para que os Ministros gozem o feriadão de Páscoa escancara um sistema de privilégios que vai muito além da questão do teto salarial e dos seus penduricalhos.

Enquanto reduzir as distorções salariais e de regime previdenciário entre trabalhadores dos setores público e privado se faz urgente diante do colapso fiscal que se aproxima, eliminar tratamentos diferenciados como os regimes de férias e licenças tem um valor simbólico muito grande num país em que há tanta descrença no Estado e nas instituições.

A propósito, nunca é demais recordar: por quanto tempo ainda teremos que esperar pelo julgamento do auxílio-moradia?

 

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