Mais algumas reflexões sobre a crise
Desfecho da greve dos caminhoneiros mostra como decisões tomadas sob pressão geram distorções e incentivos perversos. Mas nem tudo está perdido.
A convulsão nacional provocada pela greve dos caminhoneiros provocou uma ampla discussão sobre os impactos das medidas adotadas pelo governo após a pressão da categoria e do setor transportador. Seguem algumas breves reflexões sobre aspectos importantes que não podemos deixar passar batidos.
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A decisão do governo de reduzir a tributação sobre o óleo diesel para atender as reivindicações dos caminhoneiros também vai beneficiar 46.118 brasileiros que adquiriram automóveis de alto luxo (SUVs e jipes) em 2017. Diminuir a taxação sobre o segmento mais rico da população e seus objetos de desejo é apenas um dos efeitos indesejados quando se governa sob pressão de grupos de interesses.
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Não são apenas os caminhoneiros e as grandes transportadoras que ganharam com a redução do diesel: quanto maior o peso desse insumo na estrutura de custos do setor, maior o presente dado pelo governo. Às vésperas da comemoração do Dia Mundial do Meio Ambiente, o governo não apenas reduziu a tributação sobre um combustível não renovável e altamente poluente. Por tabela, a medida agradou dois dos setores que mais contribuem para a degradação ambiental no país: mineração e agropecuária.
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A explicação de que a greve foi gestada pelo excesso de oferta de caminhões a juros subsidiados tornou-se quase consensual entre os analistas. E os dados do IBGE indicam que o percentual da riqueza do setor de transportes gerada por caminhoneiros autônomos ou informais vinha caindo ano a ano até 2015 (último dado disponível).
Por um lado, esses números podem ser sinal da queda do valor do frete derivada da alta concorrência no setor. Vistos por outro prisma, podem significar também um fortalecimento do poder das transportadoras, impulsionado inclusive pela desoneração da folha de pagamentos. É uma outra dimensão para o problema que merece ser pesquisada com mais profundidade.
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Nas duas últimas semanas não faltaram comparações entre o movimento dos caminhoneiros e as manifestações de junho de 2013. O assunto é complexo e merece um longo ensaio explorando suas diferenças e semelhanças. Por ora aqui vão apenas duas que considero fundamentais para entender o Brasil atual.
Junho de 2013 e maio de 2018 têm naturezas bastante distintas no que se refere à lógica da ação coletiva de Olson. Enquanto há cinco anos as ruas foram tomadas por um movimento difuso em termos dos manifestantes e suas reivindicações, as estradas foram bloqueadas nas semanas anteriores por um grupo muito bem definido, organizado e articulado, com um objetivo muito claro: reduzir a carga tributária incidente sobre o setor.
De igual, em ambos os casos o maior vencedor foi o setor de transportes. Há cinco anos, as empresas de ônibus se aproveitaram do pânico do governo para arrancar uma redução de impostos sob a promessa de garantir os tais R$ 0,20 nas passagens. Nas últimas semanas, a história se repetiu. E todas as categorias e grupos de interesses do Brasil aprenderam como vale a pena emparedar governos fracos.
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Não devemos nos iludir a respeito da propagada espontaneidade do movimento dos caminhoneiros. Seu poder de organização vai muito além das redes sociais cultivadas desde os tempos do rádio amador. Apenas para ilustra, existem atualmente no Congresso Nacional três frentes parlamentares que defendem os interesses dos transportadores: a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Setor de Transporte Rodoviário de Cargas, a Frente Parlamentar Mista de Transporte e Logística (Translog) e a Frente Parlamentar Mista de Logística de Transportes e Armazenagem (Frenlog).
Juntas, essas bancadas de defesa do transporte de cargas congregam aproximadamente 350 deputados, praticamente três em cada cinco parlamentares. Desses, 78 estão vinculados às três frentes de apoio ao setor – ou seja, tendem a ser altamente engajados na causa. E para demonstrar como essa cadeia produtiva está bem articulada, desse grupo de deputados que está fechado com os rodoviários, 46 também participam da toda poderosa Frente Parlamentar Mista da Agropecuária (FPA), a famosa bancada ruralista.
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Se me pedissem para indicar uma coisa boa de toda esta crise, ousaria dizer que foi destacar temas que normalmente não pautam a cobertura da imprensa ou as discussões nas redes sociais.
Expressões como “custos difusos e benefícios concentrados” e “rent seeking” foram frequentemente utilizadas como chaves interpretativas para o movimento dos caminhoneiros, suas reivindicações e conquistas. Da mesma forma, gerou-se um debate importante sobre nossa estrutura tributária e a incômoda pergunta: “quem vai pagar a conta”? E esse é um papo fundamental nestes 4 meses que nos separam das eleições.
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