O E$pírito das Leis https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br Thu, 13 Dec 2018 11:46:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Renovação versus Conservadorismo https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/10/22/renovacao-versus-conservadorismo/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/10/22/renovacao-versus-conservadorismo/#respond Mon, 22 Oct 2018 04:00:11 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/2-Gleisi-e-Aécio-Pedro-Laeira-Folhapress-2-320x213.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=558 Percentual de novatos no Congresso é de 22,8%, menor que os 50% propalados.

Na Ilustríssima do último dia 14 eu procurei demonstrar que a tão falada renovação do Congresso Nacional teria sido muito maior se as regras eleitorais, em especial a distribuição do fundo eleitoral, não tivessem sido desenhadas para manter o status quo de nossa elite política. Na última semana a cientista política Simone Diniz, professora da Universidade Federal de São Carlos, me chamou a atenção para um outro aspecto dessa dinâmica.

Em evento realizado pela RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade) e pela Fundação Fernando Henrique Cardoso, ela argumentou que, pesquisando a história pregressa dos novos parlamentares eleitos, a tal “renovação recorde” perde muito da sua força. A explicação está no fato de que muitos desses “novatos” já haviam exercido mandatos eletivos anteriormente. Não são, portanto, neófitos na política nacional.

Seguindo a trilha indicada por Simone, constatei que, dos 513 futuros deputados federais, 251 exerceram mandato na atual legislatura. Além deles, foram alçados à Câmara dos Deputados 68 deputados estaduais ou distritais, 28 vereadores, 3 vice-governadores, 4 vice-prefeitos e até 3 senadores (Aécio Neves, Gleisi Hoffmann e Lídice da Mata) –todos exercendo seus mandatos. Haverá ainda 39 deputados que, embora não estejam exercendo mandato atualmente, foram eleitos para algum cargo público nos últimos 30 anos.

Isso quer dizer que, ao todo, apenas 117 futuros deputados federais podem ser considerados novatos. A taxa real de renovação, portanto, é de 22,8% –um número bem menor do que a propalada renovação de quase 50% do parlamento.

Se um maior número de deputados com experiência prévia no Executivo ou no Legislativo levará a um melhor exercício do mandato ou à repetição das velhas práticas da nossa política, só o tempo dirá. Mas podemos especular a partir da análise do perfil desses dois grupos.

Entre os 117 parlamentares novatos, 38 vêm do partido de Bolsonaro (PSL), 7 do PRB e 7 do Novo –os 3 partidos líderes dessa renovação. A onda de votação do capitão reformado levou à Câmara 20 militares ou ex-militares que nunca ocuparam um cargo eletivo antes.

E numa eleição onde dizem que o dinheiro deixou de importar, 45 dos novos parlamentares declararam ao TSE possuir patrimônio superior a R$ 1 milhão. São indícios, portanto, de que teremos um parlamento mais conservador vindo aí.

Por outro lado, levando em consideração os deputados que conseguiram se reeleger, sua atuação parlamentar nos oferece outras pistas sobre os desafios para o próximo governo, seja ele qual for.

Comecemos pela urgentíssima reforma da Previdência. Entre os deputados reeleitos, 108 deles são membros da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social. Somando a eles mais 17 signatários da Frente em Defesa do Serviço Público, o novo presidente contará, de saída, com um quarto da nova Câmara já posicionada em defesa dos interesses corporativistas do serviço público e contra uma mudança abrangente nas regras previdenciárias.

Em relação a valores morais e à postura em relação ao combate à criminalidade, as frentes parlamentares de Segurança Pública, em Defesa da Vida e da Família, Evangélica e Católica contam com 164 parlamentares reeleitos, o que contrasta fortemente com os 86 da bancada em defesa dos direitos humanos. Caso Bolsonaro seja eleito, suas propostas nessa área parecem contar com uma ampla avenida rumo à aprovação.

Em relação ao meio ambiente, a bancada ruralista reelegeu 80 deputados, enquanto a ambientalista fez apenas 49 membros. Levando em conta que o candidato líder das pesquisas pretende fundir os dois assuntos num mesmo ministério, a ser destinado a um líder do agronegócio, esses números indicam o rumo que as políticas públicas podem tomar nesse campo.

Analisando com maior profundidade os dados, portanto, podemos verificar que a principal marca do novo Congresso não é a renovação, mas sim o conservadorismo. É com essa realidade que teremos que lidar nos próximos quatro anos.

Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.

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De olho nas propostas (Ep. 01: Reforma da Previdência) https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/08/19/de-olho-nas-propostas-ep-01-reforma-da-previdencia/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/08/19/de-olho-nas-propostas-ep-01-reforma-da-previdencia/#respond Mon, 20 Aug 2018 00:53:15 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/urna_eletronica-320x213.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=453 A começar pelos próprios candidatos, pouca gente dá valor aos programas de governo apresentados ao TSE. Mas é importante ficar atento ao que eles colocaram no papel. Neste primeiro texto, apresento as propostas dos candidatos para a Reforma da Previdência.

A apresentação de programas de governo pelos candidatos a Presidente da República é uma exigência da legislação desde as eleições de 2010. No entanto, essa obrigação é, em geral, cumprida de modo protocolar pelos postulantes ao mais importante cargo público do país, que evitam se comprometer com temas polêmicos com medo de perder votos. Os documentos acabam sendo bonitas declarações de intenções para o eleitor, sem a preocupação de apresentar como aquelas maravilhas serão concretizadas.

Por sua vez, a sociedade – imprensa, organizações sociais e, principalmente, o eleitor – também não faz o dever de casa de analisar os documentos apresentados e cobrar aprofundamentos ou apontar contradições.

Apesar desse desinteresse de parte a parte, acredito que os programas de governo são importantes porque sinalizam o eixo de atuação do candidato e a sua visão a respeito dos graves problemas brasileiros. Pensando nisso, decidi publicar, aqui no blog, como os candidatos se posicionaram nos programas de governo apresentados ao TSE a respeito de temas que considero urgentes para superar nossas crises social, econômica e política.

A ideia é publicar, a cada dia, as visões dos 9 principais candidatos (Álvaro Dias, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Guilherme Boulos, Henrique Meirelles, Jair Bolsonaro, João Amoêdo, Lula/Fernando Haddad e Marina Silva) sobre um problema brasileiro diferente.

Como os programas são bastante díspares entre si – enquanto o de Boulos tem 228 páginas, as propostas de Alckmin estão resumidas em apenas 9 – serão destacadas apenas as principais ideias e, sobretudo, as medidas concretas que foram explicitadas. Ao final, apresento a minha opinião a respeito das medidas sugeridas pelos candidatos – e como não pretendo ser o dono da verdade, o espaço dos comentários está aberto para quem quiser expor também a sua.

Comecemos com a polêmica questão da Reforma da Previdência. Com o envelhecimento da população, os dados oficiais apontam para um déficit das aposentadorias do INSS superior a R$ 150 bilhões, enquanto os servidores civis e militares da União acrescentam mais R$ 80 bilhões ao rombo. Se nada for feito, a cada ano o governo terá cada vez menos espaço para arcar com as outras políticas públicas.

A seguir apresento o que pensam os principais candidatos a respeito deste tema premente:

  • Álvaro Dias (Podemos) – Propõe a criação de a “capitalização previdenciária”: criação de contas individuais para os trabalhadores que optarem para a migração e a capitalização do fundo do INSS com bens e direitos da União e ações de empresas estatais.
  • Ciro Gomes (PDT) – Implementação de um novo sistema previdenciário com três pilares: i) políticas assistenciais financiadas pelo Tesouro Nacional; ii) regime previdenciário de repartição (como existe hoje) e iii) regime de capitalização em contas individuais. Admite discutir a introdução de idades mínimas diferenciais por atividade e gênero.
  • Geraldo Alckmin (PSDB) – Defende a criação de um sistema único de aposentadoria, “igualando direitos e abolindo privilégios”.
  • Guilherme Boulos (PSOL) – Unificação progressiva de todos os regimes previdenciários, vincular o reajuste do piso das aposentadorias ao salário mínimo e os demais ao IPC-M, garantir aposentadoria a todos (custeada pelo orçamento) e extinguir a contribuição dos aposentados e o fator previdenciário. Propõe ainda interromper as revisões dos benefícios de acidentes de trabalho, aposentadoria por invalidez e auxílios-doença pelo INSS, assim como a suspensão de quaisquer critérios restritivos para a sua concessão. Como forma de viabilizar as despesas extras, propõe o fim das desonerações tributárias e da desvinculação de recursos provenientes das contribuições sociais, além da cobrança da dívida ativa previdenciária.
  • Henrique Meirelles (MDB) – Adoção de idade mínima para aposentadoria e convergência do sistema de aposentadorias dos funcionários públicos ao regime dos trabalhadores privados (INSS).
  • Jair Bolsonaro (PSL) – Introdução de um sistema de contas individuais de capitalização, que será opcional. Para arcar com os elevados custos de transição para o novo sistema, propõe a criação de um fundo para reforçar o financiamento da previdência atual.
  • João Amoêdo (Novo) – Extinção dos regimes especiais de previdência (servidores públicos, políticos, etc.), com as mesmas regras para entrada e cálculo de benefícios, idade mínima de 65 anos (e regra para ajustar esse limite à medida que a expectativa de vida se estenda), substituir o salário mínimo pela inflação como critério de reajuste dos benefícios, instituir contribuição obrigatória para trabalhadores rurais e revisão dos benefícios de pensão e fim dos acúmulos de benefícios.
  • Lula/Fernando Haddad (PT) – Propõe a convergência entre os regimes especiais da União, Estados, DF e municípios ao regime geral. Quanto ao déficit previdenciário, planeja eliminá-lo com a retomada do crescimento econômico, o aumento na formalização das atividades econômicas e o combate à sonegação.
  • Marina Silva (Rede) – Idade mínima para aposentadoria (com período de transição para quem está prestes a se aposentar), eliminação de privilégios do regime próprio para quem entrou no serviço público antes de 2003 e uma transição “responsável” para um sistema misto de contribuição e capitalização. Promete não medir esforços para reduzir a inadimplência das empresas e combater fraudes.

Da leitura das propostas acima, parece haver uma quase unanimidade de que é necessário unificar os sistemas de previdenciário público e privado. Resta saber se os candidatos, uma vez eleitos, terão disposição de enfrentar os poderosos lobbies dos servidores públicos e dos militares – aliás, talvez seja por isso que Bolsonaro tenha sido um dos poucos que não propôs essa medida.

A imposição de idade mínima para aposentadoria é apoiada explicitamente apenas por Ciro Gomes, Henrique Meirelles (pai da proposta enviada por Michel Temer ao Congresso), João Amoêdo e Marina Silva. Por se tratar de um dispositivo presente na maioria dos países e condizente com o envelhecimento da população, é preocupante perceber que ele não tenha sido explicitamente defendido pelos demais candidatos.

Com relação à mudança do modelo atual de repartição (em que os trabalhadores da ativa pagam os benefícios dos aposentados) para um sistema de capitalização (em que cada um contribui para a sua própria aposentadoria), Álvaro Dias, Bolsonaro e Marina Silva se mostram preocupados em como fazer essa transição de modo fiscalmente responsável – afinal, como pagar a aposentadoria dos atuais inativos se as contribuições de quem está na ativa será destinada às contas individuais? As soluções apresentadas – utilização de ações de estatais ou a criação de um fundo – são insuficientes. Mas só de colocarem o assunto em pauta já é um avanço.

Por fim, a proposta de Boulos para a previdência parece nitidamente insustentável: seus planos de expandir os benefícios e relaxar as condições para a sua concessão agravam o déficit e não são compensados pelas medidas de combater a sonegação, cobrar a dívida e acabar com as desonerações e a DRU. E por falar em conta que não fecha, a solução Lula/Haddad de eliminar o déficit previdenciário apenas com crescimento econômico e formalização de empresas é ilusória, como o ex-presidente bem sabe: se não aconteceu no seu governo, mesmo com picos de crescimento chinês, certamente não ocorrerá agora.

Em resumo, temos algumas propostas mais audaciosas do que os últimos governos conseguiram implementar. A gravidade da situação fiscal, no entanto, não admite wishful thinking e exigirá, do(a) futuro(a) presidente, muita coragem para enfrentar um tema impopular e encarar poderosos interesses.

E você, o que achou das propostas dos candidatos para a Previdência? Comente abaixo ou envie sua opinião para brunocarazza.oespiritodasleis@gmail.com

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Desoneração de alguns e oneração de milhões https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/07/14/desoneracao-de-alguns-e-oneracao-de-milhoes/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/07/14/desoneracao-de-alguns-e-oneracao-de-milhoes/#respond Fri, 14 Jul 2017 08:30:30 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=90 Enquanto acompanhamos o julgamento de nossos malvados favoritos, a agenda empresarial avança a toda velocidade no Congresso

O pato vinha cantando alegremente, “quem, quem”
Quando o marreco sorridente pediu
Pra entrar também no samba, no samba, no samba
O ganso gostou da dupla e fez também, “quem, quem”
Olhou pro cisne e disse assim “vem, vem”
Que o quarteto ficará bem, muito bom , muito bem

“O Pato” (Jayme Silva & Neuza Teixeira)

 

Lula, Aécio, Temer, Rodrigo Maia…  Como discutimos sobre o destino que merecem nossos “malvados favoritos” nas investigações e processos que compõem a novela da nossa situação política!

Enquanto nossa atenção se concentra no noticiário político-policial, uma intensa agenda legislativa rentista avança a toda velocidade no Congresso Nacional. Nossos capitalistas que tanto criticam a carga tributária mas que adoram um benefício fiscal e um crédito subsidiado do BNDES têm se movimentado bastante em Brasília – e isso não tem a ver apenas com a manutenção ou substituição de Michel Temer na Presidência da República.

Hoje vou chamar a sua atenção para a reação empresarial contrária à proposta da equipe econômica de reduzir drasticamente a desoneração da folha de pagamentos.

Para quem não sabe, a partir de 2011, visando estimular o emprego e a produção nacional, o governo mudou a lógica de tributação destinada ao financiamento de nossa Previdência Social. Em inúmeros setores empresariais, a dupla Dilma-Mantega trocou o modelo baseado na folha de pagamentos (com alíquotas em torno de 20%, incluindo contribuições de empregados e empregadores) para um sistema de tributação sobre o faturamento das empresas (atualmente de 1,5% a 4,5%, dependendo do setor).

Essa decisão de política econômica é um exemplo claro de como atua nosso capitalismo rentista, e como é complicado desativar seu funcionamento. Vou explicar por quê.

 

“O pato vinha cantando alegremente”

No início não era o verbo.

Em termos de desoneração da folha de pagamentos, ao editar a Medida Provisória nº 540/2011 a intenção era beneficiar apenas alguns setores bem específicos: TI, equipamentos de comunicação, vestuário, calçados, móveis, couro e peles – segmentos que, na visão do governo à época, estavam tendo dificuldades de recuperar o nível de atividade que tinham atingido antes da crise de 2008/2009.

O programa de desoneração destinava-se a ser temporário (de agosto de 2011 a dezembro de 2012) e ter um impacto orçamentário de R$ 214 milhões em 2011 e R$ 1,43 bilhão no ano seguinte.

Já dizia Caetano que “a vida é real e de viés”, e a verdade é que, em se tratando de medidas provisórias concedendo benefícios, quando passa um boi, passa também uma boiada. E o lobby empresarial tratou rapidamente de mobilizar seus contatos no Congresso para expandir os limites da medida provisória durante a sua tramitação.

 

“Quando o marreco sorridente pediu pra entrar também no samba”

Enquanto a MP nº 540/2011 percorria seu caminho no Congresso Nacional, outros setores pegaram carona nela.

Empresas de call center, de projetos e circuitos integrados, de artigos para academias de ginástica e até de botões, grampos e ilhoses também conseguiram o benefício da desoneração da folha de pagamentos com a conversão na MP na Lei nº 12.546/2011.

E ainda tiveram um bônus adicional: deputados e senadores estenderam o prazo de vigência do programa de 2012 para o final de 2014.

Se você vai seguir este blog, vai ver que isto é muito comum em se tratando de tramitação legislativa no Congresso: ampliação de benefícios, extensão de beneficiários e prorrogação de prazos.

É o rent seeking brasileiro atuando na elaboração de leis.

 

“O ganso gostou da dupla e fez também, ‘quem, quem’ / Olhou pro cisne e disse assim ‘vem, vem’”

Com o programa de desoneração na rua, o pessoal começou a ver que ele valia a pena e seria um excelente negócio.

E por causa disso, até o final de 2014 foram editadas mais seis normas tratando da desoneração da folha de pagamentos: Leis nº 12.715/2012, 12.794/2013, 12.844/2013, 12.873/2013, 12.995/2014 e 13.043/2014.

Todas elas resultantes de medidas provisórias – com tramitação rápida e, portanto, pouco debate junto à sociedade.

Todas elas com pouquíssimos vetos presidenciais – o que demonstra que havia concordância da Presidência da República com o crescimento dos benefícios fiscais.

Todas elas expandindo os setores beneficiados, chegando a milhares de códigos da Tipi, a tabela utilizada para classificar os setores para fins tributários. Eram 28 na primeira MP!!!

Todas elas abaixando as alíquotas de pagamento ou ampliando (até eliminarem) o fim da vigência do programa.

Olhando pra trás, estava na cara que a situação sairia de controle.

 

“Que o quarteto ficará bom, muito bom, muito bem”

Um problema comum nos programas de benefícios fiscais é que a conta geralmente não fecha. E ela sobra para o contribuinte comum – você e eu, pobres mortais do Sistema Tributário Nacional.

No caso da desoneração da folha de pagamentos, o governo comprou uma promessa (feita pelas empresas beneficiadas, de gerarem ou garantirem empregos) e entregou algo concreto: alívio fiscal para os empresários.

O programa foi concebido deliberadamente para ser deficitário: as alíquotas aplicadas sobre a folha de pagamentos foram trocadas por outras incidentes sobre a receita bruta das empresas, mas num patamar abaixo do que seria neutro do ponto de vista fiscal. O nome disso é renúncia fiscal.

No gráfico abaixo você tem uma dimensão de como o governo abriu mão de recursos crescentes com a desoneração da folha de pagamentos (veja as barras azuis) até o final de 2014, quando terminou a parceria Dilma-Mantega. Esse movimento foi fruto da ampliação do programa para muitos setores (a linha laranja mostra o número de empresas beneficiadas) e da redução das alíquotas (os dados são da Receita Federal e podem ser encontrados aqui):

Como você pode conferir, a renúncia tributária com a desoneração da folha de pagamento para aproximadamente 80 mil empresas superou R$ 25 bilhões em 2015 – um valor equivalente ao orçamento do programa Bolsa Família, que faz a diferença para 14 milhões de famílias no país.

A situação chegou a tal ponto que o Ministro da Fazenda do segundo governo Dilma, Joaquim Levy, chamou a desoneração da folha de uma brincadeira grosseira e bilionária.

Para minorar o problema Levy até conseguiu aumentar as alíquotas sobre o faturamento com a MP nº 669/2015 e a aprovação da Lei nº 13.161/2015, mas o rombo continuou.

 

“A voz do pato era mesmo um desacato, jogo de cena com o ganso era mato”

Não sei se você está acompanhando o raciocínio até agora, por isso vou te relembrar de um fato muito importante: quando falamos de desoneração da folha de pagamentos, estamos tratando de um tributo destinado a financiar a Previdência Social. Sim, amiga(o), a desoneração aumentou o déficit da previdência.

Tanto é assim que a redação original da MP nº 540, em seu art. 9º, IV, já previa que “a União compensará o Fundo do Regime Geral de Previdência Social, de que trata o art. 68 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, no valor correspondente à estimativa de renúncia previdenciária decorrente da desoneração, de forma a não afetar a apuração do resultado financeiro do Regime Geral de Previdência Social”.

Traduzindo o fiscalês para leigos: o que as empresas deixaram de pagar à Previdência Social em função da desoneração da folha de pagamentos teve que ser compensado por toda a sociedade – seja por meio da redução do orçamento de outros programas governamentais, seja mediante o aumento da dívida pública.

Você pode não ter sentido, mas o dinheiro saiu do seu bolso e foi direto para o empresariado nacional. E a situação é tão grave que você será obrigado a trabalhar alguns anos a mais, porque a conta não fecha.

Com a intenção de corrigir essa distorção – e conseguir uns bilhões extras para atingir a meta de déficit deste ano e do próximo – a equipe de Henrique Meirelles convenceu o Presidente da República a editar, no final de março, a Medida Provisória nº 774/2017, retirando dezenas de setores do sistema de desoneração da folha de pagamentos.

Como seria de se esperar, o empresariado chiou. Pato, marreco, ganso e cisne – reunidos na Fiesp e em outras entidades patronais – posicionaram-se contra o fim da desoneração da folha.

Se você reparar bem, o discurso dos rentistas é sempre mascarado por algum objetivo público (manutenção do emprego, combate à inflação, aumento da produção nacional, etc.) que esconde seu real interesse: o ganho individual financiado por uma perda coletiva e difusa.

No caso da desoneração da folha, o objetivo do programa era que os empresários utilizassem o ganho fiscal para aumentar a produção e, consequentemente, o emprego.

Na prática, muita gente boa suspeita que isso não tem ocorrido – pelo menos não a ponto de ficar demonstrado que o programa tem dado um resultado social superior ao déficit fiscal que ele alimenta.

É por isso que o Ministério da Fazenda quer botar ordem na casa e cortar a desoneração de muitos setores. Afinal de contas, seria bastante incoerente exigir da sociedade um sacrifício tamanho como a reforma da Previdência e manter um benefício fiscal para empresas que pressiona o déficit previdenciário.

Mas o lobby do empresariado está atento e se mobiliza para barrar ou esvaziar a proposta do governo de reduzir drasticamente a desoneração da folha de pagamentos.

E é sobre isso que vamos conversar no próximo texto: como se articulam os interesses empresariais na tramitação da MP nº 774/2017.

O objetivo é não deixar o assunto passar em branco. Porque eles pensam, ao final, que os verdadeiros patos somos todos nós.

 

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