O E$pírito das Leis https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br Thu, 13 Dec 2018 11:46:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O sistema não funciona https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/09/24/o-sistema-nao-funciona/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/09/24/o-sistema-nao-funciona/#respond Mon, 24 Sep 2018 05:00:34 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/Valdemar-320x213.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=532 Regras do presidencialismo de coalizão geram pouca representatividade e alto custo

Na Ilustríssima do último dia 9, o cientista político Carlos Pereira (FGV/RJ) defendeu o papel exercido por partidos não ideológicos no sistema político brasileiro. Para ele, não faz sentido condenar a existência de siglas não programáticas porque são elas que exercem o papel de âncoras no nosso presidencialismo de coalizão.

Em seu raciocínio, Pereira separa os partidos em três grupos. Buscando liderar o jogo político nacional, legendas ideologicamente mais definidas, como PT e PSDB (mas também Rede e PDT), têm como sua estratégia principal vencer a disputa à Presidência da República para, assim, implementar sua agenda para o país.

Ao redor desses partidos majoritários gravitam outros mais amorfos. Sua missão não é conquistar o Poder Executivo, mas garantir uma votação que lhes confira um papel central no Legislativo. É o caminho trilhado historicamente pelo (P)MDB, mas que vem sendo seguido pelos demais partidos do Centrão, que acabam dando sustentação ao governo eleito, seja ele qual for.

Por fim, existem os partidos rentistas, menores e essencialmente fisiológicos, que sobrevivem graças aos recursos do fundo partidário e do horário eleitoral gratuito.

De acordo com a tese de Carlos Pereira, nosso sistema político não precisaria de mudanças substanciais por dois motivos. De um lado, a aprovação da cláusula de desempenho e do fim das coligações legislativas a partir de 2020 seriam suficientes para combater os partidos rentistas. De outro, as propostas de reforma política destinadas a aproximar eleitores e legisladores (como a adoção do sistema distrital misto ou puro) não seriam garantias de maior representatividade.

O raciocínio apresentado por Pereira representa a visão dominante da ciência política brasileira: a de que nosso presidencialismo de coalizão funciona. Na nossa opinião, trata-se de uma visão extremamente otimista e que impede que avancemos na discussão de melhorias no funcionamento de nossa política.

Para começo de conversa, as regras do nosso sistema proporcional não geram um Congresso que represente a imensa diversidade da população brasileira. Justamente porque a maioria dos partidos não é ideológica, as eleições tornam-se personalistas. Para piorar, são disputadas em territórios muito grandes (os estados) e em lista aberta (onde todos concorrem com todos).

O resultado disso é o encarecimento das campanhas, fazendo com que apenas candidatos ricos, bem conectados com o empresariado ou com grande visibilidade consigam ser eleitos. Não é por outro motivo que nosso Congresso é majoritariamente masculino, branco, rico e crescentemente evangélico.

Além disso, o raciocínio desenvolvido por Pereira não leva em consideração que é precisamente na interação entre os Presidentes da República e os líderes dos partidos não ideológicos (MDB ou Centrão) que são geradas legislações e políticas públicas com custos fiscais e sociais altíssimos – sem falar em oportunidades de corrupção.

O pragmatismo político e o vazio ideológico do MDB e da sopa de letrinhas dos partidos do Centrão criaram o caldo de cultura que permitiu ao grande empresariado brasileiro e às corporações do funcionalismo público abusarem de medidas que nos afundaram na atual crise fiscal e reverteram a tendência de queda da desigualdade social.

Desonerações fiscais, sucessivos Refis, créditos subsidiados e reajustes salariais fora da realidade foram o preço pago pela sociedade brasileira para garantir a governabilidade em nosso presidencialismo de coalizão.

Para piorar, os incentivos postos na atual eleição não nos deixam ter esperanças. A distribuição dos recursos do fundo eleitoral e uma campanha curta e polarizada provavelmente conduzirão à eleição de um presidente fraco e um Congresso ainda mais fragmentado e pouco ideológico.

Não importa se o próximo presidente será Bolsonaro, Haddad ou um terceiro – para governar, ele terá que comer na mão do MDB e do Centrão, que cobrarão um preço alto pelo seu apoio. E ele será pago por todos nós.

Enquanto isso, a nata de nossa ciência política continua a considerar que está tudo bem e que o sistema funciona.

Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.

]]>
0
O Novo e o Velho nas Eleições Brasileiras https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/08/29/o-novo-e-o-velho-nas-eleicoes-brasileiras/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/08/29/o-novo-e-o-velho-nas-eleicoes-brasileiras/#respond Wed, 29 Aug 2018 05:00:29 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/protestos_2013-1-320x213.jpeg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=472 Idade média dos candidatos está subindo a cada eleição. Mas alguns partidos envelhecem mais do que os outros. E não só no pensamento.

Em junho de 2013 eu tinha uma esperança: toda aquela energia cívica dos jovens que tomaram conta das ruas brasileiras despertaria novos talentos, a ponto de mandar para casa os velhos coronéis e fazer emergir novas lideranças políticas, com uma visão mais moderna para o Brasil. Qual o quê.

Ao contrário do que eu desejava, a evolução da idade média dos candidatos a todos os cargos em disputa vem crescendo ano a ano, como pode ser visto no gráfico abaixo. Ok, a população brasileira está envelhecendo a passos largos, e esse movimento é de certa forma natural. Mas a tão propalada renovação da política, se estivesse em curso, poderia se impor frente ao peso dos anos. Não foi o que aconteceu.

O gráfico mostra a evolução da idade média dos candidatos nas eleições brasileiras de 1998 a 2018
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE.

Existem inúmeros motivos para não observarmos uma estabilização, ou até mesmo uma diminuição, na idade média dos candidatos. Os escândalos de corrupção, combinados com uma severa crise econômica e de segurança pública, solapam a confiança da população na política – e desestimulam os vocacionados a se imiscuir nesse meio que se revela cada vez mais podre.

As regras eleitorais também impõem elevados custos de entrada para os neófitos. Nossas eleições são caras, pois são disputadas no âmbito dos Estados, em geral grandes e populosos. Na falta de partidos com forte identificação popular, as campanhas são personalistas, o que exige gastos elevados em propaganda e no corpo-a-corpo com os eleitores. Além disso, as regras de financiamento eleitoral favorecem quem já é rico ou tem conexões com empresários. Com mínimas chances de se eleger diante de condições tão adversas, muitos nem sequer se arriscam a entrar no jogo.

Por fim, nossos partidos, em geral, são pouco democráticos, dominados por caciques regionais e nacionais que se perpetuam no poder, controlando com mão de ferro a arrecadação e a distribuição de dinheiro. Quando se aposentam ou morrem, deixam herdeiros no comando, perpetuando dinastias.

Mas nem tudo, porém, está perdido. Novos partidos vêm surgindo propondo novas formas de governança, critérios de seleção de quadros e investimento na formação política de seus filiados. Siglas como PSOL, Rede e Novo, tão diferentes ideologicamente, prometem revolucionar o modo de fazer política partidária no Brasil. Se vão ser bem-sucedidos ou se sucumbirão diante do fisiologismo e do patrimonialismo, só o tempo dirá. No entanto, pelo menos sob o ponto de vista da idade média de seus candidatos nestas eleições, esses partidos menores, com plataformas mais bem definidas, têm se diferenciado de seus concorrentes tradicionais.

O gráfico mostra a idade média dos candidatos de cada partido nas eleições de 2018
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE.

Como pode ser visto acima, Psol, Rede e Novo, ao lado de PCO e PCB, apresentam as candidaturas com menores idades médias no pleito atual. Seus candidatos típicos têm entre 44 e 45 anos, bem menos do que o apresentado pelos rivais do PSDB, PDT, PT e MDB, cuja média de concorrentes está na casa dos 49 a 51 anos.

Olhando numa perspectiva de médio prazo, temos outra evidência de que os grandes partidos brasileiros não estão sabendo envelhecer, quando comparados com os novos entrantes no mercado eleitoral. Concentrando o foco apenas no confronto entre, de um lado, MDB, PT e PSDB, e de outro Psol, Rede e Novo, verificamos que 2018 não é um fato isolado na história recente.

O gráfico mostra a evolução da idade média dos candidatos do MDB, PT, PSDB, Psol, Rede e Novo nas eleições de 1998 a 2018.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE.

O PT foi o partido que mais envelheceu nas últimas duas décadas. A média de idade de seus candidatos subiu de 41,8 para 50,1 anos. Embora numa intensidade menor, MDB e PSDB seguiram a mesma tendência de aumento da idade média, indicando que os maiores partidos brasileiros estão tendo dificuldades de renovar seus quadros.

Situação inversa vivem Psol, Rede e Novo, que exibem médias de idade bem inferiores e, no caso específico da Rede, inclusive diminuindo a média de seus candidatos – de 47,7 para 44,6 anos de 2014 para cá.

Se no geral a tão sonhada renovação política no Brasil parece estar sendo impedida pelas forças dos velhos coronéis, tem gente inovando e desenvolvendo novas práticas por aí. Resta saber se, e quando, essas startups partidárias começarão a dar lucro.

O que você achou do texto? Compartilhe, comente ou mande um email com a sua opinião! brunocarazza.oespiritodasleis@gmail.com

]]>
0
A voracidade política na Caixa https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/01/29/a-voracidade-politica-na-caixa/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/01/29/a-voracidade-politica-na-caixa/#respond Mon, 29 Jan 2018 04:30:01 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=269 Escândalos na Caixa Econômica Federal acontecem há décadas. É preciso reconhecer que as coisas não estão funcionando direito e pensar em maneiras para conter o apetite dos políticos nos bancos públicos brasileiros.

O caso Morel
O crime da mala
Coroa-Brastel
O escândalo das jóias
E o contrabando
E um bando de gente importante envolvida…
Juram que não
Torturam ninguém
Agem assim
Pro seu próprio bem.
São tão legais
Foras da lei
Sabem de tudo
O que eu não sei.
E eu nesse mundo assim
Vendo esse filme passar…
Assistindo ao fim
Vendo o meu tempo passar
(“Alvorada Voraz” – Luiz Schiavon; Paulo P.A. Pagni; Paulo Ricardo)

 

Durante muitos anos “Rádio Pirata ao Vivo” foi o disco mais vendido da indústria fonográfica brasileira – vendeu mais de 3 milhões de cópias, uma fábula naquela pindaíba geral que foram os anos 80 no Brasil. Ouvindo “Alvorada Voraz” na rádio um dia desses, cheguei a pensar que Paulo Ricardo tinha dons premonitórios. Mais de trinta anos atrás, falava em malas, joias, “um bando de gente importante envolvida” e “foras da lei que sabem tudo o que eu não sei”. Imediatamente me lembrei das malas de dinheiro de Rocha Loures e de Geddel, das joias do Cabral e de tantas delações da Lava Jato.

Mas a verdade é que a música do RPM falava de algo que existia naquela época e continuou a vigorar até hoje. O caso “Coroa-Brastel”, citado na letra da música, foi um escândalo rumoroso que envolveu um grande grupo econômico da época (a rede de comércio Brastel e seu braço financeiro, Coroa), empréstimos milionários da Caixa Econômica Federal e a suspeita de tráfico de influência dos ministros da Fazenda e do Planejamento. O desenrolar do processo envolveu foro privilegiado, morosidade do Judiciário e – como é a marca da história brasileira – todos os envolvidos sendo absolvidos. O prejuízo, claro, foi pago pelos milhares de correntistas que tomaram cano da empresa e os milhões de contribuintes que assumiram os custos de mais um caso de mau uso do dinheiro público.

Corta para 2017. A delação premiada de Lúcio Funaro indica que as coisas não mudaram muito na Caixa Econômica Federal desde “Alvorada Voraz”. O doleiro conta em detalhes como ele e Eduardo Cunha nomearam um dos vice-presidentes da empresa e cobravam comissões pelos empréstimos concedidos pelo banco a grandes empresas. A propina era repartida pelo grupo político do (P)MDB da Câmara, comandado por Michel Temer. Ainda segundo Funaro, o atual presidente da Caixa, Gilberto Occhi, na época ocupando outra vice-presidência, tinha uma meta mensal de propina a ser batida para o Partido Progressista (PP). Uma das vice-presidências mais poderosas, a de Pessoa Jurídica, era comandada por Geddel Vieira Lima – aquele dos 51 milhões guardados num apartamento.

Na distribuição do butim do presidencialismo de coalizão brasileiro, cargos de comando em estatais valem muito. Eles geram a seiva que alimenta a erva daninha da base aliada – um amontado de siglas sem sentido ideológico algum que em troca de votos no Congresso saqueiam o erário. E nesse arranjo, grandes empresas nadam de braçada com empréstimos subsidiados e licitações viciadas.

A análise da estrutura corporativa da Caixa dá uma ideia de como esse mecanismo funciona. Em maio de 1994, a Caixa Econômica Federal tinha um presidente e seis diretores. Hoje o comandante do banco tem ao seu redor 12 (doze!) vice-presidentes. Essa criação de “boquinhas” para apadrinhados de diferentes partidos ocorreu de forma gradativa durante os governos de FHC, Lula e Dilma – o que demonstra que o patrimonialismo não respeita coloração partidária.

A tabela mostra o número de dirigentes da Caixa Econômica Federal entre 1191 e 2013.

O mesmo ocorreu com outro banco estatal relevante. Entre 1991 e 2013, a mesa de reuniões do Conselho de Administração do BNDES teve de dobrar de tamanho: passou de 6 para 12 cadeiras. E os andares da Diretoria também tiveram que ser ampliados: eram 6 diretores e agora são 9.

Só em termos de comparação, o Bradesco tem um presidente e 7 vices. O Itaú tem dois diretores gerais e 3 diretores vice-presidentes, além do presidente.

A tabela mostra o número de dirigentes do BNDES de 1994 a 2013.

Em termos das possibilidades de exploração dos cargos, a indicação de mais apadrinhados para ocupar posições de direção na Caixa e no BNDES tornou-se ainda mais vantajosa para os partidos políticos com a expansão do capital social desses bancos oficiais. É claro que na evolução demonstrada pelos gráficos abaixo estão grandes programas de governo – das privatizações de FHC à política de campeões nacionais das administrações e ao Minha Casa, Minha Vida de Lula e Dilma–, mas também é inegável supor que mais dinheiro para emprestar também significa mais propina e desvios de recursos para os partidos.

Os gráficos mostram a evolução do capital social do BNDES e da Caixa Econômica Federal de 1994 a 2016

Resolver o problema do uso político dos bancos oficiais vai muito além da troca dos atuais dirigentes e a contratação de headhunters para encontrar executivos no mercado, como decidiu recentemente o Conselho de Administração da Caixa. Como ficou claro na delação premiada de Joesley Batista, o senador Aécio Neves interferiu na escolha do novo presidente da Vale – e olha que a empresa já foi há muito tempo privatizada e o processo estava sendo conduzido por uma agência de seleção internacional.

Neutralizar o uso das estatais pelos partidos políticos exige repensar a função e a necessidade de cada uma das centenas de estatais federais – fechando algumas, privatizando outras e redefinindo o foco de outras, além de usar melhores mecanismos de governança corporativa. E, sobretudo, exige um sistema político-eleitoral menos dependente de dinheiro – além de mais transparência, melhores condições de investigação e um sistema processual que desestimule a impunidade.

Essa agenda deveria interessar tanto à direita quanto à esquerda brasileiras. Mas, infelizmente, elas estão muito aquém de nossas necessidades. Por aqui impera a “Alvorada Voraz” e seu presidencialismo de cooptação.

O que você achou do texto? Compartilhe, comente ou mande um email com a sua opinião! brunocarazza.oespiritodasleis@gmail.com.

]]>
0