O E$pírito das Leis https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br Thu, 13 Dec 2018 11:46:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Decisão de proibir doação de empresas não eliminou influência da elite econômica https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/09/17/decisao-de-proibir-doacao-de-empresas-nao-eliminou-influencia-da-elite-economica/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/09/17/decisao-de-proibir-doacao-de-empresas-nao-eliminou-influencia-da-elite-economica/#respond Mon, 17 Sep 2018 05:00:49 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/Meirelles-320x213.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=525 Somos 147.302.357 eleitores aptos a decidir o futuro do país daqui a 20 dias. Está em nossas mãos escolher aqueles que poderão iniciar o duro caminho rumo à superação da crise ou, para os pessimistas, aqueles que nos empurrarão definitivamente para o colapso social.

Apesar da descrença com os partidos e políticos, é inegável que o interesse pela política no Brasil vem crescendo nos últimos anos. Desde as manifestações de junho de 2013, passando pela acirrada disputa eleitoral de 2014, as mobilizações pelo impeachment de Dilma e o movimento “Fora, Temer”, para o bem e para o mal a política voltou a ser assunto de mesa de bar, almoço de família e, claro, redes sociais.

A militância petista ressurgiu das cinzas, o movimento de direita saiu com força do armário e novos partidos mais orgânicos surgiram em cada lado do espectro ideológico. Nas eleições mais incertas desde a redemocratização, corações e mentes se mobilizam para a reta final.

A despeito desse crescente interesse pelo pleito, a empolgação com a disputa não é suficiente para conquistar outro órgão vital do corpo do eleitor: o bolso.

Desde que o TSE passou a divulgar os dados de financiamento de campanhas no Brasil, o baixo envolvimento do eleitor é notório. O máximo de participação de pessoas físicas ocorreu em 2010, quando 208.571 indivíduos fizeram algum tipo de doação para candidatos ou partidos. Na época, isso representava irrisórios 0,15% do eleitorado.

Neste ano, os dados parciais liberados pelo TSE indicam que até o último dia 15 apenas 83.609 pessoas se dispuseram a transferir dinheiro para alguma campanha. Em percentual do eleitorado, isso significa meros 0,057%.

No início da campanha imaginou-se que o financiamento coletivo pela internet seria o grande canal para candidatos e partidos captarem recursos de seus apoiadores. Os números indicam, contudo, que as vaquinhas virtuais arrecadaram menos de R$ 7,5 milhões – um montante abaixo de 2% do total das doações feitas por pessoas físicas.

O grosso do dinheiro, no entanto, veio dos próprios candidatos. Dos R$ 381 milhões doados por pessoas físicas até o momento, R$ 196 milhões (51,4%) vieram de indivíduos que terão seus nomes mostrados nas urnas eletrônicas.

Essa predominância do autofinanciamento das campanhas é reflexo de uma importante alteração nas regras do jogo eleitoral. Desde que o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu as contribuições de campanhas realizadas por empresas, ganhou força o movimento de partidos para lançarem candidatos que tivessem bala na agulha para bancar boa parte dos gastos de suas campanhas.

A estratégia deu certo nas eleições municipais de 2016 – as primeiras sem a participação das empresas – com João Doria (PSDB), Alexandre Kalil (PHS) e Vitório Medioli (PHS), milionários eleitos para as prefeituras de São Paulo, Belo Horizonte e Betim, respectivamente.

20 Maiores Doadores nas Eleições 2018 até o Momento

A tabela mostra os 20 maiores doadores nas eleições de 2018 (até 15/09/2018).
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE.

Em 2018, cinco candidatos despontam no top 10 dos grandes doadores até momento, com destaque para Henrique Meirelles, aposta do MDB para a Presidência da República, que já aportou R$ 45 milhões no seu sonho de ocupar o Palácio do Planalto.

Além da proeminência das doações feitas pelos próprios candidatos, os números parciais da prestação de contas eleitorais indicam que a decisão do STF de proibir as doações de empresas não foi suficiente para eliminar a influência da elite econômica em nossas eleições.

Impedidos de doar por meio de suas empresas, empresários e executivos têm feito contribuições milionárias usando seu próprio CPF. Na lista dos maiores doadores despontam os donos de grandes corporações como Cosan, Riachuelo, MRV, Localiza e La Fonte Participações (Oi, Shopping Iguatemi e Grande Moinho Cearense). Observando esses dados, percebemos que a tarefa de diminuir a influência do dinheiro na democracia brasileira vai muito além do que pretendeu o STF.

Sem limites efetivos para doações de pessoas físicas e candidatos, eleições mais baratas e partidos fortes o suficiente para convencer o cidadão comum a colocar a mão no bolso e contribuir para candidatos que comunguem com seus ideais, continuaremos presos na armadilha do trinômio “dinheiro, eleições e poder”.

 

]]>
0
Reforma política: tudo é uma questão de oferta e demanda https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/08/24/reforma-politica-tudo-e-uma-questao-de-oferta-e-demanda/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/08/24/reforma-politica-tudo-e-uma-questao-de-oferta-e-demanda/#respond Thu, 24 Aug 2017 06:00:25 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=142 Se o STF não tivesse proibido as doações de empresas, o Congresso não estaria discutindo distritão, fundo eleitoral e outras polêmicas da “reforma” política. Tudo é uma questão de dinheiro.

Quem se importa de onde vem a grana?
Tu tem que ter o bolso cheio

“Livre Iniciativa” (Mundo Livre S/A)

 

Em 1920, com o objetivo de diminuir a violência, os Estados Unidos aprovaram a 18ª emenda à Constituição, proibindo a fabricação, o comércio e o transporte de bebidas alcóolicas. Após um curto período de apoio popular à medida, logo os americanos passaram a conviver com o crescimento da criminalidade e da corrupção das máfias que controlavam o fornecimento clandestino de bebidas para o consumo ilegal. A medida foi revogada por Roosevelt em 1933.

Em 1984, a Lei nº 7.232 instituiu a reserva de mercado de informática no Brasil, limitando severamente a importação de equipamentos e programas desenvolvidos no exterior, com o fim de estimular a produção nacional. O tiro saiu pela culatra, e quem precisava de um computador naquela época tinha que pagar caro por um produto nacional defasado (alguém aí se lembra dos computadores Cobra?) ou recorrer ao contrabando ou à pirataria.

No plano Cruzado, eu me lembro (só quem tem 40 ou mais se lembra disso!) que minha mãe cozinhava soja quase todo dia, porque o Funaro tabelou o preço da carne num nível muito defasado e ela simplesmente sumiu dos açougues. Para garantir as proteínas diárias da família, o jeito era recorrer à soja ou ao mercado negro, que vendia o produto com um ágio astronômico.

Toda vez que um ato do governo provoca uma restrição artificial na oferta de determinado produto (bebidas alcóolicas, computadores ou carne), sem qualquer medida para reduzir a demanda, são três os resultados mais prováveis: i) o aumento do preço do produto; ii) o florescimento de um mercado paralelo para continuar ofertando o bem ilegalmente; ou iii) a busca do consumidor por produtos substitutos, em geral de qualidade inferior.

Em novembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal decidiu proibir as doações de empresas para campanhas eleitorais e partidos políticos. Essa decisão secou a fonte de 75% do dinheiro movimentado nas últimas eleições. Uma severa restrição à oferta de financiamento eleitoral, portanto.

As eleições sempre foram um mercado em alta no Brasil. No gráfico abaixo é possível ver que as arrecadações de campanha praticamente triplicaram sua participação no PIB brasileiro desde 1994, considerando apenas as eleições gerais (para Presidente, Senadores, Deputados Federais, Governadores e Deputados Estaduais/Distritais).

 

Participação das doações eleitorais de pessoas físicas e jurídicas no PIB brasileiro nas eleições de 1994 a 2014

Evolução das doações de campanha como porcentagem do PIB de 1994 a 2014

Fonte: Elaboração própria a partir do banco de dados do pesquisador David Samuels (1994 e 1998) e de informações do Repositório de Dados Eleitorais do TSE (2002 em diante).

 

Esse crescimento exponencial no dinheiro envolvido nas eleições deve-se não apenas à corrupção, mas porque existem características estruturais que pressionam a demanda por financiamento. No sistema eleitoral brasileiro, as disputas pelo voto são realizadas em distritos eleitorais muito vastos geograficamente ou muito populosos – e isso tem grandes consequências sob as estratégias de campanhas.

Para os cargos majoritários (Presidente, Governador e Senador), para tornar-se conhecido é necessário investir pesado em programas de TV e rádio, conteúdo para internet, telemarketing e pesquisas de opinião – que são serviços muito caros. Para os cargos proporcionais (Deputados Estaduais e Federais), a eleição é custosa porque é personalista, nossos partidos têm pouca identificação ideológica e a disputa é feita com lista aberta, em que candidatos se digladiam na arena eleitoral tanto com os rivais de outras legendas quanto com aqueles do seu próprio partido. Logo, para ganhar votos é preciso fazer corpo a corpo para fixar seu nome junto ao eleitorado diante de centenas ou milhares de concorrentes – e tome santinhos, cavaletes, comícios, carros de som e balançadores de bandeiras nos sinais. O resultado disso é que a demanda por financiamento de campanha é crescente, pois o “preço” do voto eleva-se a cada eleição:

Valores médios arrecadados por voto obtido pelos candidatos vencedores nas eleições de 2002 a 2014

Valores médios arrecadados por voto obtido pelos candidatos vencedores nas eleições de 2002 a 2014

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de informações do Repositório de Dados Eleitorais do TSE. Valores deflacionados pelo IPCA.

 

Ora, se o STF proibiu as doações de empresas e não houve nenhuma mudança significativa para aplacar a demanda por dinheiro para cobrir os gastos de campanhas, espera-se que ocorra um cenário bem parecido com o observado na Lei Seca americana, na reserva de mercado de informática no Brasil dos anos 1980 ou no tabelamento de preços do Funaro. E isso tem tudo a ver com a discussão atual sobre a reforma política em discussão no Congresso.

Quando se reduz a oferta, mas a demanda é mantida constante, o primeiro efeito é a elevação do preço do produto. Sem poder recorrer às doações das empresas, os candidatos terão só 3 opções de financiar suas campanhas: seus recursos pessoais, doações de pessoas físicas e recursos públicos – e aí entra o tal Fundo de Financiamento da Democracia, que pode tungar R$ 3,6 bilhões do orçamento já ultra-mega-deficitário do governo. Do ponto de vista do candidato, portanto, o preço a pagar pelas suas campanhas subirá, seja em termos do comprometimento do seu próprio patrimônio, seja o “preço da dependência” de pessoas físicas ou dos líderes partidários. No caso do tal fundo eleitoral, para ter acesso a uma parte da bolada, os candidatos ficarão na mão dos caciques partidários regionais – agravando ainda mais a grande oligarquização que caracteriza os partidos brasileiros, como discuti neste post. O preço político ou o preço monetário de sua candidatura, portanto, vão subir de um jeito ou de outro.

A segunda decorrência da restrição na oferta de financiamento eleitoral será a busca, pelos partidos, por substitutos mais baratos, como a soja no tabelamento do Sarney ou os defasados computadores nacionais no auge da reserva de mercado da informática. No caso das eleições, os “substitutos inferiores” assumem a forma de candidatos que podem trazer grande volume de votos sem depender de grandes investimentos em campanha: celebridades, radialistas, apresentadores de TV, líderes religiosos e outras personalidades com grande exposição na mídia são uma realidade e tendem a crescer sua relevância. E não devemos nos esquecer dos candidatos milionários. Como escrevi aqui, a lei do mais rico já impera nas eleições brasileiras: Dorias, Kalils, Mediolis, Amasthas e Binottis se tornaram prefeitos das grandes cidades brasileiras em 2016 torrando sua própria fortuna pessoal, sem depender de seus partidos ou de grandes financiadores.

A proposta de se adotar o distritão vai seguir essa trilha do substituto inferior: eliminando o papel das legendas e coligações na definição dos quocientes eleitorais, os partidos partirão com tudo para atrair ricaços, pastores e celebridades para terem sucesso nas eleições.

Por fim, restrição artificial de oferta leva ao mercado negro. Não podendo doar oficialmente, empresas e empresários interessados em influenciar a política em seu próprio benefício terão que recorrer, “como era no início, agora e sempre” ao caixa dois e a propinas. E não se iluda que a Lava Jato extirpará esse mal no Brasil: o dinheiro é como água, e sempre encontra um jeito de chegar ao seu objetivo. Nós não estamos fazendo absolutamente nada em termos de aprimoramentos legais para tornar esse caminho mais difícil. Lembra-se das famosas “10 Medidas contra a Corrupção”? Pois é, nem sinal delas na tal “reforma” que os políticos estão discutindo no Congresso.

Os manuais de economia dão a dica de como resolver o enrosco em que nos metemos desde que o STF proibiu as doações de empresas e a Lava Jato expôs as vísceras mal cheirosas de nosso sistema político. Para resolver o problema gerado pela redução na oferta, só com uma redução de demanda de mesma ou maior intensidade.

Para tornar nossa democracia mais funcional, não precisamos criar um Fundo de Financiamento bilionário e nem recorrer ao distritão para garantir a reeleição e o foro privilegiado dos políticos da Lava Jato. Temos que tornar o sistema mais barato. Para tanto, a experiência internacional recomenda uma receita manjada, mas eficiente: partidos com ideologia bem definida e candidatos com forte identificação com o eleitorado.

As opções do cardápio para se alcançar esse objetivo, ao redor do mundo, giram em torno de dois pratos principais: lista fechada ou sistema distrital, a critério do freguês. Adotando-se qualquer um deles, acrescente cláusula de barreira e proibição de coligações e, no financiamento, faça um combinado de financiamento público (reduzido) e doações de pessoas físicas e/ou empresas com limites nominais baixos. E cadeia, pesadas multas e órgãos de controle bem equipados para desestimular os espertalhões que se aventurarem a recorrer ao caixa dois, comprometendo a lisura do jogo eleitoral.

Em vez de passar a conta da ineficiência do sistema eleitoral brasileiro para o cidadão-contribuinte-eleitor ou criar sistemas eleitorais “jabuticaba” para garantir sua própria sobrevivência, nossos políticos deveriam discutir a reforma eleitoral com mais seriedade. Se não for assim, ao contrário do que previu o Deputado Federal Tiririca (ele mesmo um subproduto desse sistema), vai ficar pior do que já está.

 

O que você achou do texto? Compartilhe, comente ou mande um email com a sua opinião! brunocarazza.oespiritodasleis@gmail.com

 

]]>
0
Porque vocês não sabem do lixo ocidental https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/06/13/porque-voces-nao-sabem-do-lixo-ocidental/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/06/13/porque-voces-nao-sabem-do-lixo-ocidental/#respond Tue, 13 Jun 2017 05:00:12 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=26 Para ser competitivo, partidos têm que captar doações e ceder a demandas privadas

“Por que vocês não sabem do lixo Ocidental?
(…)
Eu sou da América do Sul
Sei vocês não vão saber”

(Para Lennon e Mccartney – Fernando Brant, Márcio Borges e Lô Borges)

No último dia 20/05 escrevi um artigo para a Folha criticando as condições dos acordos de leniência e de delação premiada firmados com a JBS e seus principais executivos e acionistas. Para ilustrar meu argumento, citei o livro “Por que as Nações Fracassam?”, escrito pelo economista Daron Acemoglu (MIT) e pelo cientista político James Robinson (Universidade de Chicago).

Analisando o desenvolvimento de sociedades da Pré História até os dias atuais, os autores chegam a um diagnóstico que considero perfeito para descrever o Brasil: um país dominado há séculos por uma elite econômica e uma casta política umbilicalmente relacionadas, produzindo políticas públicas e leis concentradoras de renda e de poder.

Na conclusão do livro (atenção para o spoiller!), Acemoglu & Robinson apostavam que estávamos a ponto de atingir o momento crítico de criação de instituições políticas e econômicas pluralistas, que fomentam a alternância do poder, a competição e a inovação. Na visão dos autores, poucos países subdesenvolvidos pareciam tão aptos a romper o ciclo de extrativismo político e econômico e iniciar uma nova era de crescimento acompanhado de distribuição de renda como o Brasil.

Para Acemoglu & Robinson, a ascensão do PT ao poder representava a possibilidade dessa grande virada no desenvolvimento brasileiro. Um partido com forte base social, que cresceu ao longo de três décadas acumulando administrações municipais e estaduais que fomentavam a participação social (vide as experiências dos conselhos sociais e dos orçamentos participativos) e que chegou à Presidência da República comprometido com “a provisão de serviços públicos, expansão educacional e um nivelamento das condições do jogo” na economia. Na conclusão do livro, o Brasil é retratado pelos autores de modo muito mais auspicioso do que a Venezuela – e “seus políticos corruptos, com redes de compadrio” com o empresariado – ou o Peru, em que fitas de vídeos revelavam políticos sendo comprados por Fujimori e Montesinos. O Brasil havia “quebrado o molde” de típica República de Banana latino-americana.

Obviamente o otimismo de Acemoglu & Robinson não se devia apenas a uma predileção especial pelo PT. Na sua análise estão implícitas as mudanças no ambiente institucional que permitiram que um partido de esquerda vencesse as eleições presidenciais e implementasse o seu programa de governo sem rupturas. E isso aconteceu devido a um histórico que começa na redemocratização, se aprofunda com a Constituição de 1988, consolida-se com o Plano Real e, na visão dos autores, culmina com a eleição de Lula em 2002 e os sucessivos mandatos petistas. Uma história de sucesso, portanto, que sinalizava ao mundo que estávamos trilhando um caminho de reformas econômicas e sociais incrementais, voltadas para o crescimento e a redução da desigualdade social.

O livro de Acemoglu & Robinson foi lançado em 2012. Àquela época o Brasil já tinha decolado na capa da Economist, mas logo depois a mesma revista retrataria o mesmo Cristo Redentor desgovernado, perguntando se (melhor seria por que) havíamos “estragado tudo”. Sobretudo, naquela época ainda não havia a Operação Lava Jato.

As revelações obtidas pelas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, inclusive as derivadas das delações premiadas, expuseram as vísceras de nossa República, em que a “coisa pública” era devorada por um esquema tão extrativista que certamente surpreenderia Acemoglu & Robinson.

A Operação Lava Jato revelou que, ao contrário do que imaginaram os dois pesquisadores, a associação entre as elites política e econômica no Brasil não respeita coloração partidária. O envolvimento da cúpula do PT com as grandes empreiteiras e a JBS revela o mesmo modo de operação praticado desde sempre no Brasil: em troca de propinas e contribuições de campanhas, os políticos oferecem licitações de cartas marcadas, benefícios fiscais, crédito subsidiado em bancos públicos, regulação favorável e outras benesses para as grandes empresas. Aliás, é difícil imaginar um exemplo tão evidente dessa “parceria público-privada” no Brasil do que aquela conversa de Temer com Joesley Batista no porão da residência oficial, altas horas da noite…

Analisando os dados oficiais de financiamento eleitoral, percebe-se como o PT passa a atrair cada vez mais recursos à medida em que se consolida como uma alternativa viável de poder, a ponto de aproximar-se dos níveis de PSDB e PMDB, partidos que tradicionalmente ocupam as posições de liderança na atração de capital nas eleições brasileiras.

Volume de financiamento privado – pessoas físicas, pessoas jurídicas e autofinanciamento de candidatos – de partidos selecionados nas eleições de 1994 a 2014

Sob o prisma das fontes de financiamento das campanhas, também é possível ver que a partir de 2002, quando assumiu a Presidência, o PT torna-se mais dependente de recursos empresariais, aproximando-se de forma crescente do perfil apresentado pelos seus principais rivais com inclinação ideológica à sua direita.

Percentual de doações feitas por pessoas jurídicas no financiamento privado de partidos selecionados nas eleições de 1998 a 2014

Essa aproximação junto aos grandes empresários para tornar viáveis as suas campanhas eleitorais resultou, como consequência, numa menor representatividade das doações de pessoas físicas. Nesse ponto, os dados apontam claramente para uma distinção entre a evolução do perfil do PT – e também de seu principal e mais fiel parceiro de coligações nas eleições presidenciais, o PC do B – e dos partidos de esquerda mais radicais, como o PSOL, o PSTU, o PCB e o PCO. No gráfico abaixo nota-se que, a partir de 2002, PT e PC do B conseguiram atrair um volume tão significativo de recursos empresariais que a participação das doações provenientes de pessoas físicas foi sendo reduzida a cada ciclo eleitoral para um nível bem inferior ao dos demais partidos de esquerda que não participaram oficialmente da coligação no poder.

Percentual de doações feitas por pessoas físicas no financiamento privado de partidos de esquerda nas eleições de 1998 a 2014

O que eu quero demonstrar com os dados acima é que, para tornar-se competitivo no plano eleitoral, o PT adotou as mesmas estratégias de seus principais adversários políticos, captando doações milionárias de grandes empresas e – como ficamos sabendo a cada dia com os desdobramentos da Operação Lava Jato – cedendo a suas demandas por mais benesses.

Acemoglu & Robinson, à época em que publicaram o seu livro, não perceberam que, a despeito de suas louváveis políticas voltadas ao combate à pobreza e à diminuição da desigualdade social, o PT não foi capaz de romper com as amarras institucionais que unem nossas elites política e econômica.

Assim, se estamos interessados em realizar uma verdadeira “virada crítica” em nossa história de corrupção e desvio de recursos públicos, temos que investigar as engrenagens que fazem esse sistema funcionar no modo “concentração de renda e poder” e buscar soluções para desarmá-lo. Essa é a mais urgente reforma institucional a ser implementada no Brasil – e vai muito além da tão falada reforma política, porque envolve os mecanismos que tornam os assuntos de Estado tão atraentes para os grupos de interesses.

Nas próximas postagens pretendo discutir alguns desses problemas e as possíveis soluções disponíveis – seja na agenda legislativa, na academia ou na experiência internacional. Aguardo vocês!

******************************************

Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu (1689-1755), conhecido simplesmente como Montesquieu, levou 20 anos escrevendo “O Espírito das Leis”.

Este blog não tem a pretensão de alcançar a influência desse grande tratado de teoria política. Ele apenas pega emprestado o nome escolhido por Montesquieu porque tem a legislação como o seu objeto de estudo.

Meu objetivo aqui é discutir o modo como as leis são concebidas no Brasil. A proposta é analisar projetos legislativos e políticas públicas que estão em pauta sob uma perspectiva mais técnica, utilizando elementos da Economia, do Direito e da Ciência Política.

Parto do princípio de que a discussão política deve ser mais qualificada, utilizando mais dados e menos opinião. Acredito que entre o “sou a favor” e o “sou contra” de uma reforma da previdência ou de uma reforma trabalhista, por exemplo, existe uma miríade de possibilidades de tornar a legislação mais próxima do “interesse público” – seja lá o que isso significa.

As leis não caem do céu, e no processo de sua elaboração afloram interesses, lobbies e negociações muitas vezes “pouco republicanas” (por isso o cifrão no título). Minha intenção ao escrever os textos deste blog da Folha, portanto, é lançar luz sobre a tramitação de projetos relevantes na pauta do Congresso, tentando contribuir para o debate político que, hoje em dia, situa-se cada vez nesta ampla arena virtual.

E como a ideia aqui não é veicular esta ou aquela visão ideológica ou partidária do mundo, fique à vontade para discordar e opinar, por meio do e-mail brunocarazza.oespiritodasleis@gmail.com. Conto com suas contribuições!

]]>
0