O E$pírito das Leis https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br Thu, 13 Dec 2018 11:46:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Eleições virtuais https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/12/13/eleicoes-virtuais/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/12/13/eleicoes-virtuais/#respond Thu, 13 Dec 2018 04:00:36 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/12/bolsonaro_daciolo-1-320x213.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=597 Dados de despesas de campanha mostram que ainda há muito o que se pesquisar antes de afirmar que elas foram determinantes para o sucesso deste ou daquele candidato

Mais cedo ou mais tarde, como tudo atualmente, as eleições migrariam para o mundo virtual. Não me refiro ao ativismo das pessoas a favor deste ou daquele candidato nas redes sociais, mas no uso de ferramentas digitais como estratégia de campanha.

Os analistas, em sua maioria, ignoramos o fato de que quase todo brasileiro atualmente tem um smartphone nas mãos e usa freneticamente as redes sociais para se informar e comunicar. Daí para a internet se tornar o fórum principal do debate político era um passo, mas quase ninguém percebeu isso até o início da campanha.

No entanto, no país das conclusões apressadas, fomos de um extremo a outro: às redes sociais foi atribuído o papel determinante para uma superestimada renovação da política brasileira. O objetivo deste texto é lançar um pouco de luz nesta discussão, a partir dos dados das prestações de contas de partidos e candidatos divulgados até o momento.

Conforme pode ser visto no gráfico abaixo, o impulsionamento de conteúdos na internet situa-se na nona posição entre os maiores gastos de campanha em 2018. Ao todo, todas as agremiações e candidatos declararam ter investido mais de R$ 77 milhões divulgando massivamente propaganda eleitoral nas redes sociais.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral.

Para termos ideia da importância que foi dada à estratégia digital em 2018, as despesas com impulsionamento superaram os gastos com pesquisas eleitorais (R$ 42 milhões), envio de correspondência e malas diretas (R$ 31 milhões),  publicidade na mídia impressa (R$ 30 milhões) e até produção de jingles e vinhetas (R$ 24 milhões).

Analisando os dados, porém, podemos identificar que o peso dado às redes sociais foi bastante díspar entre os partidos. Entre as maiores legendas, agraciadas com fatias maiores do fundo eleitoral, o impulsionamento de conteúdos não ultrapassou o limite de 3% das despesas totais.

Já para os partidos menores, principalmente os novos competidores – PSL, Rede, Psol e especialmente o Novo, líder absoluto com 14% de suas despesas destinadas a esse fim –, as redes sociais assumiram um papel muito mais decisivo na veiculação de suas propostas.

Nesse ponto, uma questão importante a ser pesquisada no futuro é identificar se e como essa disparidade no perfil de gastos foi determinante para a migração de votos dos partidos tradicionais (principalmente MDB, PSDB e PT, os grandes derrotados da eleição) para os novatos PSL, Novo, Psol e Rede.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral.

Muito se falou durante e após a eleição no poder do Whatsapp como principal meio de difusão de fake news na campanha. Sobre essa importante questão, infelizmente, os registros do TSE mais confundem do que esclarecem.

Como pode ser visto no gráfico abaixo, entre as empresas contratadas por partidos e políticos para prestar o serviço de impulsionamento de conteúdo na internet, destaca-se a Adyen do Brasil, que recebeu mais do que o dobro de recursos do Facebook e quase quatro vezes mais do que o Google. Quanto ao Whatsapp, a empresa sequer consta nos registros do TSE.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral.

 

Consultando o site  da Adyen, constatamos que se trata de uma fintech de origem holandesa que gerencia os pagamentos digitais de empresas como Uber, Ifood, Ebay e 99, entre outras. Ou seja, o TSE registra como fornecedor dos candidatos e partidos não o prestador último de serviços (que no caso seria a rede social), mas a empresa intermediária pelo seu pagamento – para exemplificar, é como se no seu extrato bancário constasse a empresa de cartão de crédito como o estabelecimento em que você almoçou ontem.

Outro problema com os dados do TSE é que ele não permite distinguir entre as redes sociais pertencentes ao mesmo grupo – é o caso, por exemplo, de Whatsapp, Instagram e Facebook, todos de propriedade de Mark Zuckerberg. Para as eleições vindouras, é fundamental que o TSE aprenda a lição e implemente melhorias no seu sistema de transparência de dados.

No gráfico acima também chama a atenção o fato de que três das quatro empresas apontadas na reportagem  da Folha sobre o patrocínio ilegal de disparos em massa na campanha eleitoral (Quickmobile, Yacows e Croc Services) não aparecerem nas prestações de contas dos partidos e candidatos. Apenas a empresa SMS Market, também citada na matéria de Patrícia Campos Mello, consta no gráfico acima, mas com um valor bastante reduzido: R$ 7.150,00.

Também salta aos olhos o fato de que o presidente eleito não ter declarado gastos de um real sequer com impulsionamento de conteúdo na internet. Mesmo levando em conta que Bolsonaro era o candidato melhor posicionado nas redes sociais, é de se estranhar o fato de sua campanha não ter investido nessa estratégia de comunicação, principalmente levando em conta que a incerteza foi a marca dessas eleições.

 

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral.

Se realmente não houve gastos do presidente eleito com o impulsionamento de propaganda eleitoral na internet, ou se se trata de omissão de despesas ou mesmo de caixa dois de campanha, a Justiça Eleitoral terá dificuldades de discernir uma coisa da outra. Trata-se de mais um efeito colateral da atabalhoada decisão do Supremo Tribunal Federal de proibir doações de empresas, que jogou ainda mais sombras sobre o financiamento eleitoral no Brasil.

Apesar de todas essas dúvidas e incertezas, os dados oficiais disponibilizados pelo TSE são importantes para desmistificar o poder das redes sociais no resultado eleitoral. Existem casos de inequívoco sucesso – e o desempenho eleitoral surpreendente de Bolsonaro é o melhor exemplo -, mas a opção de investir pesadamente no impulsionamento de conteúdo nas redes sociais não se converteu automaticamente em garantia de vitória.

Tome-se o caso da eleição para deputado federal. Se por um lado os recordistas de gastos com impulsionamento de conteúdo na internet foram bem sucedidos em conseguir uma cadeira na Câmara – Célio Studart (PV/CE), Aécio Neves (PSDB/MG) e Carla Zambelli (PSL/SP) –, o mesmo não pode ser dito para os três candidatos que os sucedem no ranking. Mesmo dispendendo mais de R$ 200 mil nas redes sociais, Humberto Laudares (PPS/SP), André Regis (PSDB/PE) e Hélio José (PROS/DF) não conseguiram um lugar ao sol de Brasília.

 

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral.

Os dados acima indicam que ainda é muito cedo para desprezar os meios tradicionais de se fazer campanha no Brasil. Apesar do aumento do protagonismo das redes sociais e do freio de arrumação provocado pela Lava Jato sobre o setor de marketing eleitoral, itens como serviços gráficos, propaganda em rádio e TV e cabos eleitorais ainda parecem dar resultado.

Mais do que isso, o dinheiro ainda conta nas eleições –seja para fazer campanha nas redes sociais, seja para imprimir santinhos.

 

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Há pouco mais de um ano e meio, num arroubo de pretensão, escrevi um email para Hélio Schwartsman, um dos meus ídolos no jornalismo, falando do meu blog pessoal, o Leis e Números, e perguntando se havia espaço para ele ser hospedado no site da Folha. Generoso, Hélio prometeu dar uma passada de olhos e mostrá-lo para a direção do jornal.

Menos de uma semana depois, recebi uma ligação do Vinicius Mota, secretário de redação, me convidando para ser um dos blogueiros da Folha. Até hoje me parece insólito terem aberto as portas do jornal para alguém totalmente fora do circuito, tendo por base apenas o que eu escrevia na internet.

Desde então, foram dezenas de textos, no digital e no impresso. Neles, critiquei candidatos (de Bolsonaro a Haddad, passando até por Luciano Huck), programas governamentais (como a lei do audiovisual, o trem da alegria de Romero Jucá e Randolfe Rodrigues e a regulamentação dos aplicativos de transporte) e corporações diversas, como cartórios, carreiras da elite do funcionalismo público e setores empresariais dependentes do Estado.

Nesse período, nunca recebi qualquer repreensão da direção da Folha. Nunca me pediram para escrever sobre qualquer assunto – ou, o que seria ainda pior, para evitar qualquer tema. Meus textos nunca tiveram uma vírgula sequer alterada. A liberdade de criação de que desfrutei foi absoluta.

Essa minha história pessoal reflete, a meu ver, a importância que a Folha tem para a imprensa e a sociedade brasileiras. Em tempos de notícias falsas e mentiras deslavadas, é essencial ter no país um jornal deste porte que se dispõe a dar espaço para quem tem o que dizer e respeita a pluralidade de visões de seus colaboradores.

Com um aperto no peito, encerro hoje minhas contribuições aqui no blog e na Folha. A partir de janeiro, vou assumir um outro projeto pessoal (não, não tem nada a ver com o novo governo, rsrsrs).

Gostaria de agradecer ao Hélio e ao Vinicius pelo apoio, à confiança de Sérgio Dávila, que sempre destacou meus textos nas suas “dicas do editor”, e a toda a equipe do jornal – em especial a Fábio Zanini, Rodrigo Vizeu, Ricardo Balthazar, Fábio Takahashi e Dani Braga pelas trocas de ideias.

E, claro, a todos os leitores que me prestigiaram ao longo desta incrível experiência de escrever para um público tão numeroso e qualificado. A partir de agora, volto a estar ao lado de vocês como leitor deste grande “jornal a serviço do Brasil”.

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Superministério ou o pior emprego do mundo? https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/11/21/superministerio-ou-o-pior-emprego-do-mundo/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/11/21/superministerio-ou-o-pior-emprego-do-mundo/#respond Wed, 21 Nov 2018 04:00:34 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/montagem3-1-320x213.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=575  
A criação do superministério da Economia traz elevados potenciais de ganho, mas os riscos não são desprezíveis à luz de nossa história.

 

Embora por demais arriscada, criação de um superministério da Economia pode ser uma boa medida – a começar pelo nome.

Num país em que a maioria da população não compreende a estrutura governamental, chamar os órgãos pelo seu nome real, deixando de lado as velhas tradições, é didático e transparente. Em pleno século XXI, Economia faz muito mais sentido do que Fazenda.

A ideia, é bom recordar, não é nova. Fernando Collor fez isto em 1990, reunindo as pastas da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio e entregando-as a Zélia Cardoso de Mello, então com apenas 36 anos. Mas o superministério da Economia, assim como o governo que o criou, teve vida curta. Depois do impeachment, rei morto, rei posto: um dos primeiros atos de Itamar Franco foi voltar cada caixinha para seu devido lugar na Esplanada dos Ministérios, recriando o Ministério da Indústria e Comércio (com o dono do Bamerindus, José Eduardo Andrade Vieira) e o Ministério do Planejamento (atribuído ao professor Paulo Haddad). No velho ministério da Fazenda, foram três ministros em sete meses (Gustavo Krause, Paulo Haddad e Eliseu Rezende), até emplacar FHC e o Plano Real.

Quase 30 anos depois, a ideia ressurge, sob os mesmos propósitos de racionalização dos gastos e reestruturação do Estado. No entanto, ilude-se quem pensa que reduzir ministérios é solução para nosso grave problema fiscal. A poupança com a eliminação de cargos em comissão, se houver, será mínima. No caso do superministério da Economia a despesa potencial com comissões nos três ministérios a serem fundidos é de R$ 20 milhões por mês, uma gota no negro oceano de mais de R$ 170 bilhões de rombo por ano, e ainda assim existem importantes senões.

 

A tabela mostra os cargos em comissão dos ministérios da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio Exterior.
Fonte: Elaboração própria a partir dos decretos que estabelecem a estrutura regimental dos respectivos ministérios.

Cada uma das três pastas a serem fundidas tem secretarias, diretorias e departamentos com temáticas muito específicas (que cuidam da gestão de pessoal de todo o governo federal à regulação de loterias), o que dificulta a eliminação de áreas – e consequentemente cargos – devido à superposição de tarefas. Sem dúvida há potencial de enxugamento da estrutura, mas ele é muito menor do que se alardeia por aí.

Some-se a isso o fato de que a maioria desses cargos já é ocupada por servidores de carreira, o que faz com que o valor da despesa com cargos comissionados seja bem menor do que o valor potencial apresentado na tabela acima. Isso se deve ao fato de que, em regra, servidor concursado recebe 60% do “valor cheio” da gratificação quando ocupa uma posição de chefia ou assessoramento. E como pode ser visto no gráfico abaixo, nos atuais ministérios da Fazenda, Planejamento e MDIC mais de 90% dos cargos de chefia e assessoramento são ocupados por aprovados em concursos públicos.

(Aproveitando a oportunidade, é bom afastar aqui outro mito que envolve a reforma ministerial. O tão falado “aparelhamento” do Estado por indicações políticas de partidos é menor do que se alardeia, concentra-se em órgãos específicos e é muito difícil de ser identificado, pois na ocupação de cargos por servidores públicos há que se discernir a nomeação por critérios técnicos daquela realizada por afinidade partidária ou ideológica).

 

O gráfico mostra o percentual de cargos comissionados ocupados por servidores de carreira em cada Ministério.,
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Portal da Transparência do governo federal.
Por fim, o que torna o futuro ministério da Economia um “superministério” também não é o volume de recursos que ele terá à disposição para gastar.  Na proposta orçamentária para 2019, as três pastas que o comporão representam apenas 2,7% de todo o governo federal. Para piorar, um retrato da gravidade de nossa situação fiscal: dos R$ 40,5 bilhões que serão atribuídos ao futuro superministro, mais de 70% estão comprometidos com salários e previdência de seus servidores, fora as outras despesas de custeio.
A tabela mostra os orçamentos previstos para os ministérios da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio Exterior em 2019
Fonte: Elaboração própria a partir do PLOA 2019.

A questão, portanto, não se localiza no enxugamento da estrutura ou no orçamento disponível. Os superpoderes do Ministério da Economia estarão na concentração, sob o mesmo teto e um só comando, da elaboração e execução do orçamento (SOF e Tesouro), da arrecadação tributária (Receita e PGFN), da política monetária (Banco Central), da supervisão do mercado financeiro (Bacen, CVM e Susep), da concessão de crédito oficial (BNDES, Banco do Brasil e Caixa), da política de comércio exterior, da gestão da força de trabalho no governo federal, do patrimônio da União (imobiliário e estatais), além de centenas de políticas setoriais que permeiam secretarias e departamentos dos três ministérios a serem fundidos.

Ter as várias dimensões da política econômica seguindo um mesmo norte é algo raro em nossa história. O potencial de ganhos dessa estratégia é imenso, assim como os riscos de dar errado.

Nestes tempos de equipe de transição, saiu em boa hora o livro “O Pior Emprego do Mundo: 14 ministros da Fazenda revelam como tomaram as decisões que mudaram o Brasil e mexeram no seu bolso” (editora Planeta), de Thomas Traumann. Leve e instrutivo, é um agradável convite a, olhando para trás, imaginar o que pode vir pela frente com gestão econômica do país sob nova direção. Afinal, como diz o ex-ministro Delfim Netto na frase que abre o livro: “nada é mais educativo que o fracasso”.

A seguir apresento os cinco principais riscos que, na minha opinião, o novo superministro da Economia pode incorrer levando em conta as experiências narradas no livro de Thomas Traumann:

1) Coordenação:

Por mais paradoxal que pareça, o principal atrativo da fusão ministerial na área econômica será também o seu maior desafio. Cada um dos ministérios envolvidos tem culturas próprias, carreiras específicas e, muitas vezes, objetivos conflitantes. Traumann cita em seu livro diversos presidentes que compuseram seu ministério de forma a ter contrapontos à visão dominante do Ministério da Fazenda. Para citar dois casos mais recentes: enquanto FHC no seu primeiro mandato colocou o desenvolvimentista José Serra no Planejamento para se opor à ortodoxia de Pedro Malan na Fazenda, Lula também tinha em José Dirceu (Casa Civil) e nos empresários Luiz Fernando Furlan (MDIC), Roberto Rodrigues (Agricultura) e José Alencar (vice-presidente) uma crítica interna ao fiscalismo de Antonio Palocci (Fazenda) e Henrique Meirelles (Banco Central).

Com a criação do superministério da Economia, todas as políticas estarão sob a mesma batuta, e tocar de maneira harmoniosa agendas tão distintas exigirá do maestro e de seus músicos uma afinação rara em nossa história.

2) A resistência de lobbies e grupos de interesses:

Logo nos primeiros meses do governo Figueiredo, Mario Henrique Simonsen pediu demissão da Secretaria de Planejamento, o “superministério” da época, que concentrava o controle do orçamento, as estatais e a política de preços do governo. Sem suporte do governo para levar adiante um plano ortodoxo de combate à inflação, o barítono Simonsen saiu de cena para o retorno ao palco de Delfim Netto, o comandante do “milagre econômico” de 1968 a 1974.

No relato de Thomas Traumann, mais de quinhentos empresários se acotovelaram no salão do Palácio do Planalto para a nova posse de Delfim em 15/08/1979 – todos saudosos das políticas expansionistas da época do Brasil Grande. Essa história dá uma medida de como um ministério com superpoderes sobre a política fiscal, monetária e creditícia, contando ainda com os bancos públicos sob sua tutela, tornará a nova pasta da Economia atraente para lobbies empresariais.

Além disso, implementar um ajuste fiscal do tamanho de nossa crise significa enfrentar corporações e grupos de interesses com grande poder de mobilização e influência política. A reforma da previdência e o combate aos privilégios afeta categorias poderosas em Brasília, assim como desarmar as bombas fiscais criadas pelas bilionárias desonerações e incentivos fiscais concedidos na última década demandará encarar choro e ranger de dentes de setores inteiros que sobrevivem graças às benesses federais. Até quando o superministro conseguirá levar adiante essa cruzada?

3) A governabilidade e as relações com o Congresso:

Traumann defende no seu livro o argumento de que, no seu relacionamento com o Congresso, o ministro da Fazenda sempre joga com as brancas – ou seja, dispõe de um crédito de confiança para aprovar suas políticas iniciais, mesmo que o remédio seja amargo, como foram o confisco da poupança de Zélia, as privatizações com Malan ou o teto de gastos de Meirelles. O problema é que, ao menor sinal de fraqueza, deputados e senadores viram a mesa e tornam o ministro refém de suas vontades.

O futuro presidente do BNDES, Joaquim Levy, sentiu na pele a resistência do Congresso quando foi ministro da Fazenda no segundo mandato de Dilma Rousseff. Ao pressentir que o próprio PT tinha reservas contra suas ousadas medidas de austeridade fiscal, deputados e senadores não titubearam ao barrarem a maioria das propostas de Levy – que, sem sustentação, pediu demissão com menos de um ano no cargo.

Ainda mais recentemente, Henrique Meirelles viu sua reforma da previdência empacar quando Michel Temer perdeu condições de governabilidade após as revelações do Joesley Day. A partir daí, o ímpeto reformista da equipe econômica transformou-se em estratégia de contenção, pois o Congresso viu na fragilidade do presidente uma oportunidade de aprovar medidas expansionistas, como o novo Refis, o Rota 2030 e o recente reajuste do teto do funcionalismo público.

A lua de mel do futuro ministro da Economia, como de todos os seus antecessores, um dia acabará. Seus movimentos iniciais, portanto, devem ser milimetricamente pensados para extrair o máximo de resultados enquanto a maré no Congresso estiver a seu favor. Quando o vento virar, habilidade política talvez venha a ser um ativo mais valioso do que conhecimento técnico.

4) Soberba:

Quanto mais poder, mais visado se torna o cargo. Na selva de Brasília, cada palavra deve ser cuidadosamente sopesada para não ser o estopim de uma crise que pode custar a cabeça de quem a profere. Rubens Ricupero, ministro da Economia que sucedeu FHC nos primórdios do plano Real, sentiu-se excessivamente à vontade numa entrevista a Carlos Monforte, na Rede Globo, abusando dos elogios à sua própria gestão. Sem saber que suas palavras estavam sendo transmitidas nacionalmente para as antenas parabólicas, soltou o clássico “eu não tenho escrúpulos, o que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde”. A repercussão foi tamanha que, no dia seguinte, viu-se obrigado a pedir demissão do cargo. Ficou a lição de como um trabalho bem sucedido pode ruir da noite para o dia quando se baixa a guarda.

5) O apoio presidencial:

Na visão de Traumann, o cargo de ministro da Fazenda seria o pior emprego do mundo porque, a cada divulgação das dezenas de indicadores econômicos (PIB, inflação, emprego, câmbio, produção industrial, etc.) o nó da forca que adorna o pescoço do ministro se aperta ou se afrouxa de acordo com o resultado. Por sua vez, seu chefe, o Presidente da República, só se interessa por um índice: o da sua própria popularidade.

Na situação atual, em que temos uma crise fiscal urgente a debelar, é razoável questionar até quando o novo ministro terá crédito com o presidente se seus índices de popularidade começarem a fraquejar.

É preciso lembrar que, na história brasileira recente, poucos ministros gozaram de apoio presidencial duradouro para um ajuste fiscal vigoroso. Os exemplos mais eloquentes talvez sejam Malan após a crise de 1999 (quando implementou o tripé macroeconômico junto com Armínio Fraga), Palocci até a crise do Mensalão e Meirelles antes das denúncias contra Temer na Lava Jato. Como regra geral, ou o ocupante do Palácio do Planalto apoia a frouxidão fiscal do ministro da Fazenda (o caso clássico é Guido Mantega em Lula II e Dilma I) ou os presidentes simplesmente não têm paciência de esperar o resultado do aperto nos cintos.

No caso atual, como o presidente eleito é um recém convertido ao conservadorismo econômico, as dúvidas sobre seu comprometimento com as ideias do futuro superministro são pertinentes.

Como bem aponta Alan Blinder, ex vice-presidente do Banco Central americano e conselheiro econômico no governo de Bill Clinton, em frase citada por Thomas Traumann, “os políticos usam os economistas como os bêbados usam o poste: mais para apoiar do que para iluminar”. Em se tratando do futuro presidente, só o tempo dirá como ele utilizará não o poste, mas o Posto.

 

Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.

 

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Um governo de novatos, inexperientes e membros do baixo clero https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/10/29/um-governo-de-novatos-inexperientes-e-membros-do-baixo-clero/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/10/29/um-governo-de-novatos-inexperientes-e-membros-do-baixo-clero/#respond Mon, 29 Oct 2018 05:00:55 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/bolsonaro_daciolo-320x213.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=561 Governo Bolsonaro e novo Congresso atendem aos anseios da população por novidades na política – mas é preciso ficar de olho, pois os riscos são consideráveis.

Fechadas as urnas do segundo turno, é hora de olhar para a frente. Concordemos com o resultado ou não, a vontade da maioria dos eleitores deve ser respeitada e cabe a todos nós monitorar cada passo do novo presidente e dos senadores e deputados federais eleitos no dia 07/10 – sem perder de vista, claro, o que acontece nos Estados. Afinal, a democracia não se realiza apenas no momento da votação; ela deve ser encarada como um exercício diário de fiscalização de quem exerce o poder.

O que esperar, então, deste governo Bolsonaro que se descortina diante de nós? Passado o calor da eleição, como se comportará o novo presidente frente a um Congresso renovado?

Existem vários prismas para se avaliar a nova composição do Executivo e do Legislativo que assume em 01/01/2019, mas eu arrisco dizer que será um governo dominado por novatos e inexperientes, pouco habituados ao pesado jogo político nacional.

Para começo de conversa, Bolsonaro é, ele próprio, virgem em matéria administrativa – afinal, nunca ocupou um cargo executivo ao longo de sua vida pública. No Congresso, apesar de exercer 7 mandatos consecutivos como deputado federal, sempre atuou nas franjas do sistema, sem ocupar cargos de liderança ou exercer o comando de comissões importantes; ele tampouco relatou ou aprovou matérias relevantes para o país. Sempre foi, portanto, um parlamentar do chamado baixo clero.

Do ponto de vista de sua equipe de governo, dos poucos nomes que foram confirmados até agora a inexperiência também é uma marca. Apesar de sua bem-sucedida carreira no mercado financeiro, o futuro ministro da Economia Paulo Guedes não tem passagens anteriores pelo governo. Onix Lorenzoni, futuro ministro da Casa Civil, nunca foi membro da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e os postos mais altos que ocupou no Parlamento foram a liderança do DEM em 2007 e a presidência da Comissão de Agricultura e Pecuária em 2008. É muito pouco para quem terá a missão de comandar as relações entre Executivo e Legislativo no próximo governo.

Além disso, a ideia de nomear membros das Forças Armadas para postos-chave no ministério e nas estatais indica que Bolsonaro não pretende contar com tecnocratas ou políticos experientes na condução do dia-a-dia do governo. Alguns veem isso uma inovação em relação ao passado; outros enxergam riscos à frente. A aposta numa completa reformulação da estrutura administrativa do governo (reduzindo os 29 ministérios atuais para 15) sendo comandada por ministros inexperientes pode imputar ao governo Bolsonaro uma paralisia que pode ser fatal diante dos imensos desafios impostos pela grave crise fiscal que atravessamos.

Do outro lado da Praça dos Três Poderes, no Congresso Nacional, o eleitor insatisfeito com os escândalos de corrupção ceifou importantes cabeças que controlavam as engrenagens do poder (como Romero Jucá, Eunicio Oliveira, Edison Lobão, José Agripino) e acabou também levando de roldão lideranças com um importante papel propositivo, como Cristovam Buarque, Ricardo Ferraço, Marcus Pestana, Osmar Serraglio e Vanessa Grazziotin.

O saldo dessa renovação é um Congresso de neófitos (82 novos deputados nunca haviam disputado uma eleição antes) e também muitos parlamentares pouco relevantes que só conseguiram sobreviver porque os partidos privilegiaram os candidatos à reeleição na distribuição do bilionário fundo eleitoral.

Isso quer dizer que também o Poder Legislativo passará por um período de desorganização e luta preenchimento do vazio de poder deixado pelos figurões que foram defenestrados no voto – e justamente num momento em que projetos importantes, como a reforma da Previdência, estarão em pauta.

É óbvio que, com o apoio do Centrão, Bolsonaro deve conseguir uma boa base de apoio no Congresso, além de gozar de ampla popularidade que lhe garantirão aquela tradicional lua de mel de início de governo.

A grande questão é saber como ele se comportará quando essa fase passar. Dará poder cada vez maior aos novatos do PSL e a membros arrebanhados nas bancadas ruralista, evangélica e da segurança pública? Vai recorrer aos grandes caciques que sobreviveram à guilhotina popular (Renan, Rodrigo Maia, Jader Barbalho, Aécio Neves)? Ou exercerá um governo plebiscitário, fazendo ligação direta com a população, contando como o trunfo de ter as Forças Armadas consigo?

Bolsonaro recebeu a maioria dos votos dos brasileiros que buscam uma nova forma de fazer política e anuncia que vai governar sem os métodos e representantes da velha política. Mas o futuro é incerto e precisamos ficar de olho.

 

Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.

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Renovação versus Conservadorismo https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/10/22/renovacao-versus-conservadorismo/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/10/22/renovacao-versus-conservadorismo/#respond Mon, 22 Oct 2018 04:00:11 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/2-Gleisi-e-Aécio-Pedro-Laeira-Folhapress-2-320x213.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=558 Percentual de novatos no Congresso é de 22,8%, menor que os 50% propalados.

Na Ilustríssima do último dia 14 eu procurei demonstrar que a tão falada renovação do Congresso Nacional teria sido muito maior se as regras eleitorais, em especial a distribuição do fundo eleitoral, não tivessem sido desenhadas para manter o status quo de nossa elite política. Na última semana a cientista política Simone Diniz, professora da Universidade Federal de São Carlos, me chamou a atenção para um outro aspecto dessa dinâmica.

Em evento realizado pela RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade) e pela Fundação Fernando Henrique Cardoso, ela argumentou que, pesquisando a história pregressa dos novos parlamentares eleitos, a tal “renovação recorde” perde muito da sua força. A explicação está no fato de que muitos desses “novatos” já haviam exercido mandatos eletivos anteriormente. Não são, portanto, neófitos na política nacional.

Seguindo a trilha indicada por Simone, constatei que, dos 513 futuros deputados federais, 251 exerceram mandato na atual legislatura. Além deles, foram alçados à Câmara dos Deputados 68 deputados estaduais ou distritais, 28 vereadores, 3 vice-governadores, 4 vice-prefeitos e até 3 senadores (Aécio Neves, Gleisi Hoffmann e Lídice da Mata) –todos exercendo seus mandatos. Haverá ainda 39 deputados que, embora não estejam exercendo mandato atualmente, foram eleitos para algum cargo público nos últimos 30 anos.

Isso quer dizer que, ao todo, apenas 117 futuros deputados federais podem ser considerados novatos. A taxa real de renovação, portanto, é de 22,8% –um número bem menor do que a propalada renovação de quase 50% do parlamento.

Se um maior número de deputados com experiência prévia no Executivo ou no Legislativo levará a um melhor exercício do mandato ou à repetição das velhas práticas da nossa política, só o tempo dirá. Mas podemos especular a partir da análise do perfil desses dois grupos.

Entre os 117 parlamentares novatos, 38 vêm do partido de Bolsonaro (PSL), 7 do PRB e 7 do Novo –os 3 partidos líderes dessa renovação. A onda de votação do capitão reformado levou à Câmara 20 militares ou ex-militares que nunca ocuparam um cargo eletivo antes.

E numa eleição onde dizem que o dinheiro deixou de importar, 45 dos novos parlamentares declararam ao TSE possuir patrimônio superior a R$ 1 milhão. São indícios, portanto, de que teremos um parlamento mais conservador vindo aí.

Por outro lado, levando em consideração os deputados que conseguiram se reeleger, sua atuação parlamentar nos oferece outras pistas sobre os desafios para o próximo governo, seja ele qual for.

Comecemos pela urgentíssima reforma da Previdência. Entre os deputados reeleitos, 108 deles são membros da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social. Somando a eles mais 17 signatários da Frente em Defesa do Serviço Público, o novo presidente contará, de saída, com um quarto da nova Câmara já posicionada em defesa dos interesses corporativistas do serviço público e contra uma mudança abrangente nas regras previdenciárias.

Em relação a valores morais e à postura em relação ao combate à criminalidade, as frentes parlamentares de Segurança Pública, em Defesa da Vida e da Família, Evangélica e Católica contam com 164 parlamentares reeleitos, o que contrasta fortemente com os 86 da bancada em defesa dos direitos humanos. Caso Bolsonaro seja eleito, suas propostas nessa área parecem contar com uma ampla avenida rumo à aprovação.

Em relação ao meio ambiente, a bancada ruralista reelegeu 80 deputados, enquanto a ambientalista fez apenas 49 membros. Levando em conta que o candidato líder das pesquisas pretende fundir os dois assuntos num mesmo ministério, a ser destinado a um líder do agronegócio, esses números indicam o rumo que as políticas públicas podem tomar nesse campo.

Analisando com maior profundidade os dados, portanto, podemos verificar que a principal marca do novo Congresso não é a renovação, mas sim o conservadorismo. É com essa realidade que teremos que lidar nos próximos quatro anos.

Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.

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O perigo de governar no varejo https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/10/15/o-perigo-de-governar-no-varejo/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/10/15/o-perigo-de-governar-no-varejo/#respond Mon, 15 Oct 2018 05:00:44 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/Salão-Verde-320x213.png https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=554 Bolsonaro tem sinalizado que vai privilegiar negociações individuais e com bancadas

O Partido Social Liberal (PSL), de Jair Bolsonaro, surpreendeu e ampliou o número de membros na Câmara dos atuais 8 para 52 deputados federais. Apesar de se cacifar como a segunda maior bancada na próxima legislatura —logo atrás do PT, que alcançou 56 cadeiras—, os correligionários de Bolsonaro representarão pouco mais de 10% dos votos disponíveis.

Caso seja eleito, Bolsonaro terá diante de si o mesmo desafio de seus antecessores desde a redemocratização brasileira: já que seus partidos isoladamente são minoritários, precisam construir uma coalizão suficiente para garantir a aprovação de suas propostas legislativas. Para agravar sua situação, esse Congresso será o mais fragmentado dos últimos tempos. Além de contar com 30 partidos com representantes na Câmara, as maiores siglas (MDB, PT, PSDB) perderam peso, e os partidos do chamado Centrão aumentaram sua importância.

Àqueles que questionam a sua capacidade de lidar com esse problema de governabilidade, Bolsonaro tem dito que não pretende se aliar a determinados partidos por fisiologismo, e acena com negociações individuais de acordo com os temas em debate. Além disso, pretende contar com as bancadas temáticas para superar a lógica partidária. Aliás, duas das principais frentes parlamentares —as bancadas ruralista e evangélica— já fecharam questão com o líder das pesquisas.

A ideia de Bolsonaro faz sentido no seu discurso antissistema. A amplitude da base governista durante os mandatos de Lula e Dilma (mas também no de FHC) levou a denúncias de loteamento de cargos públicos, liberação enviesada do orçamento e corrupção em estatais. Abandonar a prática de conceder nacos do poder a determinados partidos, na base da “porteira fechada”, em troca de apoio em votações seria, na visão do capitão reformado, um novo modo de fazer política.

Com sete mandatos de experiência no Congresso, Bolsonaro sabe melhor do que ninguém que os partidos vêm perdendo seu poder no plenário diante da crescente influência das frentes parlamentares suprapartidárias. As bancadas ruralista, evangélica e da segurança pública (boi, Bíblia e bala) são a representação de um movimento que cresce a cada legislatura. No momento em que os grandes partidos perdem força diante do amorfo Centrão, Bolsonaro quer apostar nas negociações com os representantes desses grupos de interesses que controlam dezenas de deputados e senadores.

No entanto, deixar de governar no atacado — ou seja, compartilhando o poder com alguns partidos — para investir em negociações caso a caso, no varejo, com bancadas temáticas, tem riscos elevados.

Em primeiro lugar, essa estratégia exigirá grande habilidade e paciência de um eventual futuro presidente cujo histórico revela ser muito mais do confronto do que da conciliação. Passada a tradicional lua de mel dos primeiros cem dias de governo, cada movimento de peças no tabuleiro do Congresso será um teste para os supostos nervos de aço de Bolsonaro.

Negociar com as bancadas a cada votação também tem grandes problemas de coordenação. Ao contrário do que o senso comum supõe, os partidos no Brasil são disciplinados e fiéis ao posicionamento de seus líderes. As bancadas temáticas, contudo, só costumam fechar questão quando o assunto lhes traz benefícios concretos. Sendo assim, uma coisa é contar com os ruralistas para reformar o Código Florestal, por exemplo. Outra bem diferente é contar com sua unidade quando precisar aprovar a reforma da Previdência.

Por fim, há o custo fiscal e regulatório. Enquanto os partidos negociam para ter mais cargos e fatias do orçamento, bancadas que representam interesses cobram um preço diferente. Se são empresariais (como a ruralista), querem subsídios, renegociação de dívidas, crédito barato, regulação ambiental mais frouxa. Já as temáticas (religiosas ou da segurança) jogam visando a aprovação de suas pautas no campo dos costumes. E temos também as corporativas (como as de categorias do serviço público), sempre em busca de reserva de mercado e a manutenção de privilégios.

O Brasil precisa de um novo jeito de fazer política. Mas é preciso ter cuidado, pois sempre é possível piorar o que já não funciona bem.

 

Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.

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O PT nos empurrou para a ditadura de Bolsonaro https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/10/01/o-pt-nos-empurrou-para-a-ditadura-de-bolsonaro/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/10/01/o-pt-nos-empurrou-para-a-ditadura-de-bolsonaro/#respond Mon, 01 Oct 2018 05:00:36 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/haddad-320x213.jpeg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=540 Não basta a Haddad fazer uma nova “Carta aos Brasileiros” para conquistar o centro

Em editorial de capa no domingo (30), a Folha conclamou Jair Bolsonaro e Fernando Haddad a firmarem compromissos explícitos com a democracia brasileira. Preocupa não apenas a crescente polarização da sociedade, mas sobretudo a postura dos candidatos líderes nas pesquisas de flertar com soluções autoritárias como saídas para a crise.

A se confirmarem as previsões, teremos no segundo turno das eleições presidenciais deste ano o ápice de um processo que levou a confiança da população brasileira nas instituições políticas a seus níveis mais baixos. A exposição das vísceras do nosso sistema político pela Operação Lava Jato, uma recessão econômica quase sem precedentes e a incapacidade do Estado de prover serviços de qualidade (a começar pelos mais básicos, como segurança, saúde e educação) nos colocam em uma encruzilhada histórica.

Baseados no trabalho do germânico-espanhol Juan Linz, os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, de Harvard, apresentam no recém-lançado “Como as Democracias Morrem” um roteiro para identificar comportamentos políticos antidemocráticos.

O teste pode ser resumido em quatro perguntas direcionadas a partidos ou políticos: 1) Eles rejeitam as regras do jogo?; 2) negam a legitimidade dos seus adversários?; 3) são tolerantes com a violência?; 4) defendem medidas que restrinjam liberdades civis?

Nas colunas que vem escrevendo para a Folha, Levitsky demonstra como Jair Bolsonaro pontua em praticamente todos os quesitos acima, encarnando um perfil típico de políticos que assumiram o poder de forma legítima, para depois se converterem em déspotas: de Hitler e Mussolini a nossos vizinhos Fujimori e Chávez.

Um ponto que tem passado ao largo de suas análises, contudo, é que, antes de ser um antídoto contra Bolsonaro, o próprio PT se vale do autoritarismo para se viabilizar eleitoralmente.

Analisando atos e palavras dos líderes petistas sob o prisma das quatro perguntas de Levitsky e Ziblatt, torna-se evidente que o PT tem sua cota de responsabilidade por chegarmos a este ponto em que dançamos na beira do precipício.

Para ficar em apenas alguns exemplos, 1) em vez de admitir publicamente sua responsabilidade nos escândalos de corrupção, o partido questionou a legitimidade dos processos de investigação; 2) tachou de “golpistas” aqueles que se posicionaram a favor do afastamento de Dilma Rousseff; 3) silencia diante de atos violentos praticados por grupos políticos que orbitam sob a sua influência, como o MST; e 4) tem sempre na manga uma proposta de regulação da mídia contra a liberdade de imprensa.

Ao longo do último ciclo eleitoral, PT e seus adversários políticos (PSDB e depois o MDB) exploraram estrategicamente a polarização da sociedade por meio do questionamento das urnas eletrônicas, o impeachment, o julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE e todos os desdobramentos da Operação Lava Jato. A ameaça de Bolsonaro só se tornou palpável porque tanto o PT quanto o PSDB viram na polarização um caminho para se elegerem em 2018.

Nesta altura dos acontecimentos, a eleição será decidida por uma parcela considerável da população que enxerga no PT uma ameaça tão perigosa à democracia quanto Bolsonaro. Sendo assim, não basta a Fernando Haddad apresentar uma nova “Carta aos Brasileiros” para conquistar os votos do centro e se eleger. Exigem-se do PT ações concretas — e aqui vão algumas sugestões de quem se considera este eleitor de centro.

Para começar, é fundamental que Haddad se posicione explicitamente sobre algumas questões: sua postura em relação à Lava Jato, se concederá indulto para beneficiar Lula e qual sua visão sobre a ditadura na Venezuela. Além disso, reconhecer os erros da política econômica de Dilma Rousseff e apresentar um novo programa econômico pautado na responsabilidade fiscal e nas reformas são condições fundamentais.

Por fim, seria uma sinalização muito importante se Haddad anunciasse, de antemão, uma equipe de governo que contemplasse membros dos times dos candidatos do centro que ficaram no caminho. Se a proposta é garantir a democracia, construir um ministério com apoiadores de Marina Silva, Henrique Meirelles, Ciro Gomes e — por que não? — Geraldo Alckmin seria um passo importante para afastarmos o fantasma do “nós contra eles”.

Fernando Haddad e o PT precisam entender que essa polarização entre direita e esquerda está impedindo o país de crescer e se tornar menos desigual. É hora de deixar o projeto de poder de lado e governar para todos.

 

Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.

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O sistema não funciona https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/09/24/o-sistema-nao-funciona/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/09/24/o-sistema-nao-funciona/#respond Mon, 24 Sep 2018 05:00:34 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/Valdemar-320x213.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=532 Regras do presidencialismo de coalizão geram pouca representatividade e alto custo

Na Ilustríssima do último dia 9, o cientista político Carlos Pereira (FGV/RJ) defendeu o papel exercido por partidos não ideológicos no sistema político brasileiro. Para ele, não faz sentido condenar a existência de siglas não programáticas porque são elas que exercem o papel de âncoras no nosso presidencialismo de coalizão.

Em seu raciocínio, Pereira separa os partidos em três grupos. Buscando liderar o jogo político nacional, legendas ideologicamente mais definidas, como PT e PSDB (mas também Rede e PDT), têm como sua estratégia principal vencer a disputa à Presidência da República para, assim, implementar sua agenda para o país.

Ao redor desses partidos majoritários gravitam outros mais amorfos. Sua missão não é conquistar o Poder Executivo, mas garantir uma votação que lhes confira um papel central no Legislativo. É o caminho trilhado historicamente pelo (P)MDB, mas que vem sendo seguido pelos demais partidos do Centrão, que acabam dando sustentação ao governo eleito, seja ele qual for.

Por fim, existem os partidos rentistas, menores e essencialmente fisiológicos, que sobrevivem graças aos recursos do fundo partidário e do horário eleitoral gratuito.

De acordo com a tese de Carlos Pereira, nosso sistema político não precisaria de mudanças substanciais por dois motivos. De um lado, a aprovação da cláusula de desempenho e do fim das coligações legislativas a partir de 2020 seriam suficientes para combater os partidos rentistas. De outro, as propostas de reforma política destinadas a aproximar eleitores e legisladores (como a adoção do sistema distrital misto ou puro) não seriam garantias de maior representatividade.

O raciocínio apresentado por Pereira representa a visão dominante da ciência política brasileira: a de que nosso presidencialismo de coalizão funciona. Na nossa opinião, trata-se de uma visão extremamente otimista e que impede que avancemos na discussão de melhorias no funcionamento de nossa política.

Para começo de conversa, as regras do nosso sistema proporcional não geram um Congresso que represente a imensa diversidade da população brasileira. Justamente porque a maioria dos partidos não é ideológica, as eleições tornam-se personalistas. Para piorar, são disputadas em territórios muito grandes (os estados) e em lista aberta (onde todos concorrem com todos).

O resultado disso é o encarecimento das campanhas, fazendo com que apenas candidatos ricos, bem conectados com o empresariado ou com grande visibilidade consigam ser eleitos. Não é por outro motivo que nosso Congresso é majoritariamente masculino, branco, rico e crescentemente evangélico.

Além disso, o raciocínio desenvolvido por Pereira não leva em consideração que é precisamente na interação entre os Presidentes da República e os líderes dos partidos não ideológicos (MDB ou Centrão) que são geradas legislações e políticas públicas com custos fiscais e sociais altíssimos – sem falar em oportunidades de corrupção.

O pragmatismo político e o vazio ideológico do MDB e da sopa de letrinhas dos partidos do Centrão criaram o caldo de cultura que permitiu ao grande empresariado brasileiro e às corporações do funcionalismo público abusarem de medidas que nos afundaram na atual crise fiscal e reverteram a tendência de queda da desigualdade social.

Desonerações fiscais, sucessivos Refis, créditos subsidiados e reajustes salariais fora da realidade foram o preço pago pela sociedade brasileira para garantir a governabilidade em nosso presidencialismo de coalizão.

Para piorar, os incentivos postos na atual eleição não nos deixam ter esperanças. A distribuição dos recursos do fundo eleitoral e uma campanha curta e polarizada provavelmente conduzirão à eleição de um presidente fraco e um Congresso ainda mais fragmentado e pouco ideológico.

Não importa se o próximo presidente será Bolsonaro, Haddad ou um terceiro – para governar, ele terá que comer na mão do MDB e do Centrão, que cobrarão um preço alto pelo seu apoio. E ele será pago por todos nós.

Enquanto isso, a nata de nossa ciência política continua a considerar que está tudo bem e que o sistema funciona.

Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.

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Decisão de proibir doação de empresas não eliminou influência da elite econômica https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/09/17/decisao-de-proibir-doacao-de-empresas-nao-eliminou-influencia-da-elite-economica/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/09/17/decisao-de-proibir-doacao-de-empresas-nao-eliminou-influencia-da-elite-economica/#respond Mon, 17 Sep 2018 05:00:49 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/Meirelles-320x213.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=525 Somos 147.302.357 eleitores aptos a decidir o futuro do país daqui a 20 dias. Está em nossas mãos escolher aqueles que poderão iniciar o duro caminho rumo à superação da crise ou, para os pessimistas, aqueles que nos empurrarão definitivamente para o colapso social.

Apesar da descrença com os partidos e políticos, é inegável que o interesse pela política no Brasil vem crescendo nos últimos anos. Desde as manifestações de junho de 2013, passando pela acirrada disputa eleitoral de 2014, as mobilizações pelo impeachment de Dilma e o movimento “Fora, Temer”, para o bem e para o mal a política voltou a ser assunto de mesa de bar, almoço de família e, claro, redes sociais.

A militância petista ressurgiu das cinzas, o movimento de direita saiu com força do armário e novos partidos mais orgânicos surgiram em cada lado do espectro ideológico. Nas eleições mais incertas desde a redemocratização, corações e mentes se mobilizam para a reta final.

A despeito desse crescente interesse pelo pleito, a empolgação com a disputa não é suficiente para conquistar outro órgão vital do corpo do eleitor: o bolso.

Desde que o TSE passou a divulgar os dados de financiamento de campanhas no Brasil, o baixo envolvimento do eleitor é notório. O máximo de participação de pessoas físicas ocorreu em 2010, quando 208.571 indivíduos fizeram algum tipo de doação para candidatos ou partidos. Na época, isso representava irrisórios 0,15% do eleitorado.

Neste ano, os dados parciais liberados pelo TSE indicam que até o último dia 15 apenas 83.609 pessoas se dispuseram a transferir dinheiro para alguma campanha. Em percentual do eleitorado, isso significa meros 0,057%.

No início da campanha imaginou-se que o financiamento coletivo pela internet seria o grande canal para candidatos e partidos captarem recursos de seus apoiadores. Os números indicam, contudo, que as vaquinhas virtuais arrecadaram menos de R$ 7,5 milhões – um montante abaixo de 2% do total das doações feitas por pessoas físicas.

O grosso do dinheiro, no entanto, veio dos próprios candidatos. Dos R$ 381 milhões doados por pessoas físicas até o momento, R$ 196 milhões (51,4%) vieram de indivíduos que terão seus nomes mostrados nas urnas eletrônicas.

Essa predominância do autofinanciamento das campanhas é reflexo de uma importante alteração nas regras do jogo eleitoral. Desde que o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu as contribuições de campanhas realizadas por empresas, ganhou força o movimento de partidos para lançarem candidatos que tivessem bala na agulha para bancar boa parte dos gastos de suas campanhas.

A estratégia deu certo nas eleições municipais de 2016 – as primeiras sem a participação das empresas – com João Doria (PSDB), Alexandre Kalil (PHS) e Vitório Medioli (PHS), milionários eleitos para as prefeituras de São Paulo, Belo Horizonte e Betim, respectivamente.

20 Maiores Doadores nas Eleições 2018 até o Momento

A tabela mostra os 20 maiores doadores nas eleições de 2018 (até 15/09/2018).
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE.

Em 2018, cinco candidatos despontam no top 10 dos grandes doadores até momento, com destaque para Henrique Meirelles, aposta do MDB para a Presidência da República, que já aportou R$ 45 milhões no seu sonho de ocupar o Palácio do Planalto.

Além da proeminência das doações feitas pelos próprios candidatos, os números parciais da prestação de contas eleitorais indicam que a decisão do STF de proibir as doações de empresas não foi suficiente para eliminar a influência da elite econômica em nossas eleições.

Impedidos de doar por meio de suas empresas, empresários e executivos têm feito contribuições milionárias usando seu próprio CPF. Na lista dos maiores doadores despontam os donos de grandes corporações como Cosan, Riachuelo, MRV, Localiza e La Fonte Participações (Oi, Shopping Iguatemi e Grande Moinho Cearense). Observando esses dados, percebemos que a tarefa de diminuir a influência do dinheiro na democracia brasileira vai muito além do que pretendeu o STF.

Sem limites efetivos para doações de pessoas físicas e candidatos, eleições mais baratas e partidos fortes o suficiente para convencer o cidadão comum a colocar a mão no bolso e contribuir para candidatos que comunguem com seus ideais, continuaremos presos na armadilha do trinômio “dinheiro, eleições e poder”.

 

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De olho nas propostas nº 05: Política Industrial https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/09/14/de-olho-nas-propostas-no-05-politica-industrial/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/09/14/de-olho-nas-propostas-no-05-politica-industrial/#respond Fri, 14 Sep 2018 05:00:13 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/amoedo-320x213.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=516 Propostas dos candidatos ficam entre o nacional-desenvolvimentismo que deu errado, o vazio premeditado e um aceno ao liberalismo

Com o número de desempregados beirando os 13 milhões (oficialmente) e a economia patinando pelo segundo ano seguinte após mergulhar no precipício entre 2015 e 2016, é importante observar quais são as propostas dos candidatos para a política industrial.

Na tabela abaixo estão compiladas as principais ideias dos presidenciáveis segundo diferentes dimensões: política cambial, comércio exterior, incentivos fiscais, atuação do BNDES, política de conteúdo local e taxa de juros nos empréstimos oficiais.

A tabela apresenta as principais propostas dos candidatos para a política industrial..
Fonte: Elaboração própria a partir dos programas de governo dos candidatos registrados no TSE.

Analisando o conjunto das proposições, podemos classificar os candidatos em três grupos principais.

Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (Psol) compartilham da mesma visão nacional-desenvolvimentista que foi a marca da famosa Nova Matriz Econômica levada a cargo pela equipe de Guido Mantega.

Intervenção na taxa de câmbio para incentivar exportações, condução de negociações comerciais com objetivos políticos, concessão de créditos subsidiados do BNDES para estimular setores estratégicos e exigência de conteúdo nacional nas compras governamentais são a marca registrada dos três candidatos posicionados na ponta esquerda do campo político. A eles compete o dever de explicar ao eleitorado por que insistem numa estratégia que é apontada como uma das causas da crise atual, e que medidas pretendem tomar para não repetir os erros do passado.

Álvaro Dias (Podemos), Geraldo Alckmin (PSDB) e Henrique Meirelles (MDB) mais escondem do que revelam em seus programas de governo vagos – aliás, chamá-los de “panfletos” seria mais apropriado. No afã de capturar o eleitor do centro, os três candidatos procuram não se comprometer com nada, emitindo frases vazias e lugares comuns. Com muito boa vontade é possível identificar que pretendem estimular a abertura comercial, mas não passa disso. Um grande desrespeito ao eleitor que se dispõem a conhecer seus projetos para além do marketing dos programas de TV e dos posts nas redes sociais.

A coragem para assumir posições por parte de Álvaro Dias, Alckmin e Meirelles não faltou a Jair Bolsonaro (PSL), João Amoêdo (Novo) e Marina Silva (Rede). Os três abraçaram causas liberais, como a abertura da economia (com redução de tarifas), a negociação de acordos bilaterais sem vieses ideológicos, uma ampla revisão das desonerações fiscais concedidas de modo até irresponsável no governo Dilma e o fim do uso do BNDES para promover “campeões nacionais” ou a manutenção da política de conteúdo nacional.

Se por um lado as medidas anunciadas por esse trio de candidatos declaradamente mais liberais alinham-se com a necessidade urgente de promover o aumento da produtividade em nossa economia, resta uma grande dúvida. Será que, uma vez eleitos, Bolsonaro, Amoêdo ou Marina terão força para enfrentar os fortes interesses de nosso empresariado industrial, que, salvo raras exceções, foi cevado ao longo de décadas pela proteção contra a concorrência estrangeira e pelos generosos benefícios fiscais e creditícios concedidos pelo governo?

 

Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.

 

E você, o que achou das propostas dos candidatos para a política industrial? Comente abaixo ou envie sua opinião para brunocarazza.oespiritodasleis@gmail.com

 

Confira também demais textos da série “De Olho nas Propostas”:

  1. Reforma da Previdência
  2. Combate à Corrupção
  3. Privilégios
  4. Mulheres

 

Outras análises sobre as eleições 2018:

Novatos e velhacos

Não reeleja ninguém?

Black is beautiful?

Sem dinheiro das empresas, pesquisas eleitorais também diminuíram

O novo e o velho nas eleições brasileiras

Partido de rico ou partido de pobre? 

Estratégia dos partidos é não perder a boquinha

 

 

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Novatos e velhacos https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/09/12/novatos-e-velhacos/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/09/12/novatos-e-velhacos/#respond Wed, 12 Sep 2018 05:00:56 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/juca-320x213.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=506 Partidos têm estratégias bastante diferentes quanto à renovação de seus quadros. Isso pode representar muito. Ou nada.

Desde pelo menos as manifestações de junho de 2013, há um clamor difuso na sociedade por renovação na política brasileira. Com a reputação dos políticos tradicionais dizimada por escândalos sucessivos de corrupção, todo tipo de estratégia tem sido tentado para surfar nessa onda e se diferenciar da chamada “velha política”.

Alguns partidos mudaram seu nome e abriram mão até mesmo de serem conhecidos como partidos. Democratas, MDB, Avante, Patriota, Podemos, Democracia Cristã, por exemplo, tentam disfarçar seus verdadeiros nomes de batismo, mas não perderam sua essência de PFL, PMDB, PT do B, PEN, PTN e PSDC.

Houve ainda a criação de novos partidos, embora alguns deles sejam apenas reacomodações de políticos velhos em legendas novas: surgiram o Novo e a Rede, com novas propostas de governança e atuação, mas também o Partido da Mulher Brasileira, o Pros e o Solidariedade.

A tática mais recente de dar nova roupagem à velha disputa político-partidária está no lançamento de muitos novatos na disputa. Como pode ser visto no gráfico abaixo, o percentual de candidatos que nunca disputaram uma eleição antes ultrapassou a barreira dos 40% neste ano, nível mais alto desde 2006 para o cargo de deputado federal.

O gráfico mostra o percentual nas eleições para a Câmara dos Deputados de 2006 a 2018
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE.

Ao decompormos esse número entre os partidos, entretanto, fica claro que há um comportamento muito divergente entre eles. Como pode ser visto abaixo, o Novo faz jus ao nome e apresenta o maior índice de outsiders nesta eleição: quase 90% de seus membros que pleiteiam uma vaga na Câmara dos Deputados são completamente virgens em termos eleitorais. E para comprovar que o partido não foi criado simplesmente acomodando em seus quadros antigos políticos de outras siglas, ele não lançou um único candidato que já tenha disputado cinco ou mais eleições anteriores.

Analisando o gráfico a seguir, é possível constatar que os partidos menores, ameaçados pela cláusula de desempenho, estão entre os que mais investiram em novos nomes nesta eleição: Novo, PCO, PMB, o PSL de Bolsonaro, a Rede de Marina Silva, entre outros, deram ênfase na captação de neófitos para tentar obter pelo menos 1,5% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados – distribuídos em 9 Estados, com pelo menos 1% em cada um – e assim continuar tendo acesso ao fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito em rádio e TV a partir de 2019.

O gráfico mostra o percentual de candidatos estreantes e experientes por partido nas eleições para deputado federal em 2018.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE.

No extremo oposto, partidos tradicionais, mais bem estruturados, ofereceram pouca abertura para os novatos, concentrando seus esforços em nomes mais experientes. Dessa forma, os tradicionais PSB, PT, PSDB, MDB, PR, DEM e PP estão entre aqueles com menor índice de estreantes nesta eleição. Aliás, PT e PR têm os maiores percentuais de raposas velhas nos seus quadros, sendo que quase ¼ de seus candidatos têm no currículo cinco ou mais eleições.

A despeito dessa grande variedade de perfis entre os partidos no que se refere ao histórico de seus candidatos em eleições passadas, isso tem poucas consequências práticas.

Em primeiro lugar, se as barreiras à entrada são mínimas – os partidos em geral são bastante receptivos e os custos de registro de candidaturas são baixíssimos (basta o preenchimento de alguns formulários) – as chances de sucesso bem reduzidas.

A experiência das últimas eleições indica que apenas 10% das vagas são preenchidas por novatos. E, nesse caso, se o novato não dispuser de um parente político (para garantir acesso ao dinheiro do político e aos cabos eleitorais), ser bastante rico (para bancar sozinho os elevados custos de campanha), ser uma celebridade ou dispor de um rebanho de fiéis (o que dispensa gastos elevados com marketing eleitoral), é praticamente impossível conseguir uma vaga de primeira. Os dados da eleição de 2014 demonstram isso.

O gráfico mostra a origem dos deputados federais eleitos que eram novatos nas eleições de 2014.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE.

Mas existe uma outra notícia ruim para quem espera que mais candidatos novatos pode levar a uma verdadeira renovação na política brasileira. Num interessante estudo que está prestes a ser publicado num periódico internacional, os pesquisadores Manoel Leonardo Santos (UFMG) e João Victor Guedes-Neto (University of Pittsburgh) investigaram se políticos novatos e tradicionais enxergam o mundo de modo diferente. O artigo se chama “Renovando a política ou mais do mesmo? Comparando novatos e políticos tradicionais nas legislaturas latino-americanas”.

Mediante a pesquisa de um banco riquíssimo de entrevistas realizadas pelo Projeto de Elites Parlamentares da América Latina (PELA) da Universidade de Salamanca, Santos e Guedes-Neto compararam as respostas de 1.155 deputados eleitos recentemente em 17 países da América Latina a respeito de três temas controversos: combate à corrupção, casamento entre pessoas do mesmo sexo e papel do Estado na economia.

Os autores levaram em consideração, em seus testes econométricos, não apenas o fato de o parlamentar ser ou não um outsider na política, mas também se ele pertencia a uma família de políticos ou se era jovem (até 35 anos), além das variáveis de controle “ser de oposição ao governo”  e “se posicionar mais à esquerda ou à direita no espectro ideológico”.

Os resultados encontrados são frustrantes para quem espera, de novatos, uma visão de mundo diferente dos políticos tradicionais. Embora parlamentares estreantes têm em média uma preocupação mais forte com o combate à corrupção, de modo contrário ao senso comum esse efeito é menor entre jovens políticos que não têm vínculos familiares com os antigos donos do poder.

Da mesma forma, o fato de estar ou não exercendo um novo mandato não foi relevante no que diz respeito à tolerância à igualdade entre os sexos. Neste quesito, o efeito parece ser geracional: deputados jovens costumam aceitar melhor o casamento entre homossexuais, independentemente no número de mandatos que acumulam.

Por fim, em termos de regulação econômica, novatos sem laços de parentesco com políticos e jovens tendem a ser mais intervencionistas, embora o resultado também não seja muito robusto.

De maneira geral, e isso vale para as três dimensões estudadas pelos autores, as variáveis ideológicas foram mais relevantes do que o fato de um parlamentar ser ou não novato: independentemente da experiência política prévia, membros da oposição tendem a ser mais combativos à corrupção, enquanto políticos de esquerda costumam ser mais liberais nos valores (casamento homossexual) e pouco propensos a aceitar políticas econômicas pró-mercado.

As conclusões encontradas pelos professores Manoel Santos e João Victor Guedes-Neto, quando somadas às grandes limitações institucionais do nosso sistema eleitoral, jogam um balde de água fria em quem clama por renovação na política brasileira.

O grande número de estreantes nas urnas em outubro próximo é ilusório: poucos deles vingarão, e aqueles que o fizerem tendem a pensar e agir como os velhos políticos tradicionais. Entre novatos e velhacos, teremos mais do mesmo por mais quatro anos.

 

Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.

 

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Confira também os textos da série “De Olho nas Propostas”, que comparam os programas de governo dos principais candidatos sobre diferentes temas:

  1. Reforma da Previdência
  2. Combate à Corrupção
  3. Privilégios
  4. Mulheres
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