O E$pírito das Leis https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br Thu, 13 Dec 2018 11:46:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Começou a campanha (e que venham os dados!) https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/08/17/comecou-a-campanha-e-que-venham-os-dados/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/08/17/comecou-a-campanha-e-que-venham-os-dados/#respond Fri, 17 Aug 2018 11:01:02 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=443 Primeira relação de candidatos divulgada pelo TSE indica que partidos apostam na disputa pela Câmara para ampliar o poder ou simplesmente sobreviver

Com o início do período eleitoral, começam a sair os primeiros dados oficiais sobre o perfil dos candidatos aos cinco cargos em jogo neste ano: presidente da República, governadores, senadores (neste ano são duas vagas), deputados federais e deputados estaduais.

A análise da relação de candidatos revela que os partidos, em geral, lançam um número muito grande de candidatos – a maioria deles sem qualquer chance de ser eleito, dadas as características de nosso sistema eleitoral, que torna nossas eleições muito caras.

No gráfico abaixo é possível ver que o campeão em lançar candidatos em 2018 é o PSL, partido do candidato a presidente Jair Bolsonaro. Por se tratar de um partido com estrutura mínima e pouca tradição eleitoral, delineia-se aí uma estratégia bem traçada de compensar o orçamento limitado e o pouco espaço no horário eleitoral no rádio e na TV lançando milhares de correligionários para fazer propaganda para seu candidato a presidente Brasil afora.

Esse jogo, aliás, tem mão dupla: com a força midiática de Bolsonaro, o partido aposta na ampliação de sua bancada no ano que vem, por meio de novos deputados eleitos a reboque do seu mito.

A propósito, comparando-se o número de candidatos por cargo entre 1998 (alô, TSE, os dados de candidatos de 1994 estão incompletos!) e 2018, percebe-se que os partidos têm, ao longo do tempo, buscado concentrar seus esforços em construir uma boa bancada no Congresso, especialmente na Câmara.

Tanto é assim que, muito mais nítido do que a tão propalada fragmentação do número de candidatos a Presidente neste ano (a maior desde 1989), o que mais me chama a atenção no gráfico abaixo é que o número de postulantes a uma cadeira de deputado federal mais do que dobrou nos últimos anos – além de ter crescido de 2014 para 2018.


Esse dado revela um movimento dos partidos priorizando a disputa na Câmara para ampliar seu poder de barganha – ou simplesmente sobreviver politicamente. Dadas as características de nosso presidencialismo de coalizão, possuir um número expressivo de deputados e senadores no Congresso significa poder e dinheiro: cargos em comissão no Executivo e em estatais, liberação de verbas orçamentárias, poder para indicar relatores e membros de comissão em projetos de interesse de empresas e grupos de pressão. Sem falar no varejão do toma-lá-dá-cá das votações de propostas enviadas pelo Executivo.

No pleito de outubro, temos uma novidade que torna a eleição para a Câmara ainda mais importante para os partidos. Em função da aprovação da Emenda Constitucional nº 97/2017, a partir do ano que vem só receberão recursos públicos e terão direito a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV os partidos que, no dia 07/10, elegerem pelo menos 9 deputados federais ou atingirem no mínimo 1,5% dos votos válidos em todo o território nacional e mais 1% em pelo menos nove Estados ou no Distrito Federal.

A chamada “cláusula de desempenho”, portanto, é fundamental para a sobrevivência de dezenas de partidos pequenos – muitos deles meras siglas de aluguel, que vivem como parasitas no sistema eleitoral.

O gráfico abaixo mostra que muitos desses partidos pequenos buscaram lançar um número maior de candidatos a deputado federal em 2018, possivelmente buscando escapar da navalha da “cláusula de desempenho”.

Ao longo do período eleitoral, e à medida em que os dados forem sendo divulgados pelo TSE, espero trazer novas reflexões sobre a dinâmica do processo eleitoral aqui no blog. Aproveito para fazer uma auto-promoção: a partir da próxima segunda-feira, dia 20/08, e até o final do segundo turno, escreverei uma coluna semanal na Folha comentando os interesses em jogo nesta que promete ser uma das eleições mais emocionantes dos últimos tempos. Convido todos a acompanhar, tanto no blog quanto no jornal impresso, essas análises. Até mais!

 

Post anterior: O trem da alegria de Jucá e Randolfe

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A favor e contra Dilma e Temer https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/08/07/a-favor-e-contra-dilma-e-temer/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/08/07/a-favor-e-contra-dilma-e-temer/#respond Mon, 07 Aug 2017 08:00:56 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=127 Análise de discursos de deputados nos julgamentos de Dilma e de Temer revela quem são e o que pensam os quatro principais grupos na Câmara a respeito de investigações contra corrupção

Quanto você ganha pra me enganar?
Quanto você paga pra me ver sofrer?
[…]
Ai de mim, de nós dois
Vale quanto pesa reza a lesa de nós dois
“Vale quanto pesa” (Luiz Melodia)
Se a gente falasse menos
Talvez compreendesse mais
[…]
Palavra figura de espanto, quanto
[…]
Mas o tudo que se tem não representa nada
[…]
E tudo que se tem
Não representa tudo
O puro conteúdo é consideração
Não goza de consideração
“Congênito” (Luiz Melodia)

 

Num intervalo de 472 dias a Câmara dos Deputados teve a oportunidade de julgar dois Presidentes da República, fato único em nossa história: em 17/04/2016, decidiu iniciar o processo de impeachment de Dilma Rousseff; e no último dia 02 de agosto, negou autorização para o Supremo Tribunal Federal (STF) processar criminalmente Michel Temer.

Em ambos os processos, pairava a sombra de grandes escândalos de corrupção. O pedido de abertura do processo de impeachment de Dilma trazia consigo acusações a respeito das revelações da Operação Lava Jato (embora ao final ela tenha caído por causa das pedaladas fiscais).

No caso de Temer, as evidências eram mais diretas: todos ouviram a gravação dele se acertando com Joesley Batista e assistiram ao vídeo de seu assessor, Rodrigo Rocha Loures, dando a famosa corridinha com a mala de R$ 500 mil.

Para tentar entender o que levou a Câmara a resultados contraditórios num intervalo temporal tão curto, resolvi compilar os votos e as justificativas de cada um dos parlamentares nas duas votações. E ao contrário do que os resultados diametralmente opostos possam indicar, é possível identificar grande coerência entre os principais grupos formados.

Descartando as ausências, suplências e abstenções, 445 deputados manifestaram-se nas duas votações. De acordo com os votos dados, foi possível dividi-los em quatro grupos.

O dominante, com 211 deputados, alinhou-se totalmente com Michel Temer: votou pelo impeachment de Dilma (“tchau, querida!”) e pelo arquivamento do processo contra o atual presidente.

Em segundo lugar, com 108 parlamentares, figura o grupo favorável às investigações, independentemente do ocupante do Palácio do Planalto. São aqueles que se manifestaram pela abertura do processo contra Dilma e quiseram que Temer fosse investigado pelo STF contra os crimes praticados no caso JBS.

Logo abaixo vêm os deputados alinhados com o PT: denunciaram o suposto golpe contra Dilma no impeachment e gritaram “fora, Temer” na semana passada. Foram 102 deputados no total.

Por fim, temos a turma do “deixa disso”: 22 deputados que votaram contra o impeachment de Dilma e também contra a abertura do processo de Temer. Temos aí um pessoal que não se mostra muito interessado em investigações – e por serem em número reduzido, por economia de espaço não vou analisá-los aqui.

Para verificar como os membros dos três principais grupos justificaram seu posicionamento, solicitei à Câmara dos Deputados as notas taquigráficas das duas sessões de julgamento discutidas aqui.

[Aliás, na minha experiência de mais de três anos trabalhando com a Lei de Acesso à Informação, posso afirmar com segurança de que nenhum órgão tem sido tão prestativo em atender às minhas solicitações do que a Câmara dos Deputados. As respostas sempre são muito rápidas e em formato amigável. Fica aqui meu elogio e uma exortação para que os outros órgãos públicos sigam o seu exemplo.]

De posse das notas taquigráficas, fiz alguns malabarismos no Word e no Excel e computei quais os principais termos utilizados pelos deputados nos discursos dos julgamentos de Dilma e de Temer. E o resultado diz muito a respeito do que move cada bloco de parlamentares e traz indicativos sobre sua postura daqui para a frente.

“Estou com Temer e não abro”

Este grupo de 211 deputados que se posicionou com Temer nas duas votações pode ser visto como a representação da base de apoio do atual presidente. Ele é formado por 44 deputados do PMDB, 27 do PP, 21 do PSDB, 20 do DEM, 19 do PSD, 16 do PR, 14 do PRB, 10 do PTB e 24 de uma miríade de partidos menores.

No gráfico abaixo podemos verificar como eles justificaram seus votos no caso de impeachment de Dilma e na votação da semana passada:

Verificando os principais termos utilizados na sessão do impeachment de Dilma, vê-se que esse grupo se utilizou de um discurso bastante conservador e nacionalista. “Brasil”, “povo”, “Estado”, “família” e “país” foram os 5 termos mais utilizados, sendo que “filhos” e “Deus” também tiveram destaque. Não se nota, entre as expressões mais utilizadas, nenhuma que faça menção a corrupção ou às pedaladas fiscais, diga-se de passagem.

Na votação a respeito da abertura do processo contra Temer, no entanto, despontaram outros termos, como “estabilidade” (foi o segundo termo mais utilizado), “economia”, “econômica” e “reformas”. Tais termos indicam que a decisão de apoiar o presidente não se deveu a uma apreciação a respeito das evidências trazidas ao processo, mas sim de um juízo de conveniência relacionado à estabilidade política necessária para o país superar a crise econômica e aprovar as reformas propostas por Michel Temer.

Da análise de discurso nas duas votações podemos inferir, portanto, que 40% da Câmara dos Deputados é conservador, apoia as reformas econômicas e está fechado com Temer.

“Meu coração é vermelho”

Fazendo oposição direta ao grupo pró-Temer, em torno de 20% da Câmara alinhou-se à esquerda nas duas votações aqui estudadas.

Nesse time estão 56 deputados do PT (nenhum deles descumpriu a orientação do partido), 10 do PDT, 9 do PC do B, 6 do PSOL e 5 do PSB e o restante disperso entre outros partidos menores (16 deputados no total).

Esses parlamentares bradaram contra o “golpe” (expressão mais utilizada) contra Dilma e defendeu valores como “democracia” e “Constituição”, além dos tradicionais “Brasil”, “povo” e “país”. Note-se que a ira dos defensores de Dilma na primeira votação estava muito mais centrada em Eduardo Cunha do que em Michel Temer, de acordo com o número de referências a cada um deles.

Já na segunda votação o “fora, Temer” ganhou força (“fora”, “Michel” e “Temer” estão entre os 5 termos mais utilizados). Naturalmente, os termos “investigação” e “corrupção” surgiram apenas nesta seção. Mas o que mais me chamou a atenção foi a alta incidência das palavras “reforma”, “Previdência”, “direitos” e “trabalhista” – indicando que este grupo se coloca totalmente contra qualquer iniciativa do atual governo de se promover reformas econômicas no país.

“Se há governo, sou contra”(será?)

Eu tenho simpatia pela atitude dos 108 deputados que se manifestaram tanto pela abertura do impeachment contra Dilma como a favor do prosseguimento do processo criminal contra Temer no STF. Afinal, mesmo que tenham sido movidos por interesses estritamente pessoais, eles apoiaram as investigações diante de indícios de cometimento de crime (de responsabilidade ou comuns) dos Presidentes no poder.

Esse grupo é bastante heterogêneo. Congrega representantes de todos os partidos com representação no Congresso, exceto os alinhados à esquerda (PT, PC do B e PSOL), o PEN (novo Partido de Bolsonaro) e o PSL.

Ele é dominado pela dissidência do PSDB que se colocou contra Temer na semana passada (19 deputados) e pelo PSB (16), seguido por um número baixo de membros dos demais partidos.

Devido à polaridade entre o grupo de Temer (com 40% da Câmara) e dos aliados do PT (que têm 20%) é neste grupo que reside o futuro do atual governo. Se o presidente conseguir cooptar boa parte de seus membros, é possível que consiga salvar a sua pele até o final de 2018 e, quem sabe, aprovar mais alguma reforma. Por isso é importante saber o que pensam esses parlamentares.

O gráfico acima revela que no julgamento de Dilma pesou mais aquela visão conservadora que também predominou entre o grupo pró-Temer: “Brasil”, “povo”, “país”, “Estado” e, mais abaixo, “família” e “Deus” foram termos utilizados com muita frequência.

Eu concluo daí que nesse grupo que tem o poder de definir o futuro de Temer bate um coração conservador, o que pode ajudar na governabilidade daqui pra frente e na aprovação de reformas econômicas.

Na votação da última semana, no entanto, esse grupo deu mais ênfase ao tema do combate ao desvio de recursos públicos: passaram a predominar referências a “investigação(ões)”, “corrupção”, “prosseguimento”, “denúncias”, “verdade”…

Isso quer dizer que, talvez de olho em 2018, boa parte desses 108 deputados (fundamentais para aprovar uma PEC, por exemplo) pode abandonar de vez o barco de Temer se surgirem novas acusações e evidências contra o presidente, comprometendo seriamente a continuidade de seu governo.

Mas, como diria o grande Melodia, “o tudo que se tem não representa nada, o puro conteúdo é consideração”.

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Carlos Drummond, Temer e as MPs do Código de Minas https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/08/02/carlos-drummond-temer-e-as-mps-do-codigo-de-minas/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/08/02/carlos-drummond-temer-e-as-mps-do-codigo-de-minas/#respond Wed, 02 Aug 2017 08:00:41 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=113 As três medidas provisórias editadas na semana passada deveriam nos fazer refletir até que ponto o objetivo do Presidente de se safar da Justiça atropela a democracia e pode comprometer o desenvolvimento sustentável do país

[…]
Com tanto minério em roda
Podendo ser extraído,
A icominas se açoda
E nem sequer presta ouvido
Ao grave apelo da história
Que recortou nessa imagem
Um outro azul da memória
E um assombro da paisagem.
[…]
Tudo exportar bem depressa,
Suando as rotas camisas.
Ficam buracos? Ora essa,
O que vale são divisas
Que tapem outros “buracos”
Do tesouro nacional,
Deixando em redor os cacos
De um país colonial.
[…]
E vem de cima um despacho
Autorizando: derruba!
Role tudo, de alto a baixo,
Como, ao vento, uma embaúba!
E o pico de Itabirito
Será moído, exportado.
Só quedará no infinito
Seu fantasma desolado.
O Pico do Itabirito” (Carlos Drummond de Andrade, Versiprosa, 1967)

 

Os versos acima são de um poema de Drummond denunciando as pressões das mineradoras para explorar a região do Pico do Itabirito, patrimônio histórico e natural de Minas Gerais, marco de orientação para bandeirantes e tropeiros desde os tempos do Ciclo do Ouro.

Itabirito em tupi significa “pedra que risca vermelho”: a cor do minério de ferro, commodity que no século XX substituiu o ouro como principal riqueza extraída das entranhas de Minas.

De acordo com Drummond, a sanha mineratória na região começou com a St_John_del_Rey_Mining_Company. Depois veio a Hanna Mining. A indignação do poeta, no entanto, centra-se na Icominas, que alguns anos depois se transformou em Icomi, Caemi e finalmente MBR. Em 2001 ela foi comprada pela Vale.

O pico ficou, mas todo o seu entorno já foi moído e exportado, como previsto por Drummond. Dá uma olhada nesta imagem de satélite extraída do Google Maps:

Imagem de satélite da região do Pico do Itabirito (MG)
Imagem de satélite da região do Pico do Itabirito (MG)

Por coincidência, o livro do Drummond com o poema “O Pico do Itabirito” saiu em 1967, mesmo ano em que foi editado o Código de Minas, marco regulatório do setor.

Assim como o Pico do Itabirito ainda resiste, mesmo que praticamente na forma de um painel de outdoor, o Código de Minas de 1967 continua em vigor. Ele também foi desfigurado ao longo do tempo, com alterações frequentes; a mais importante foi realizada há mais de 20 anos, com FHC.

Na semana passada, o Governo Temer editou no mesmo dia, de uma só tacada, três medidas provisórias reformulando todo o marco regulatório do setor de mineração no Brasil.

Uma delas criou a Agência Nacional de Mineração (ente regulador que substitui o DNPM), a outra alterou de forma substantiva o Código de Minas e a terceira implantou uma nova sistemática de cobrança de royalties, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Naturais.

É inegável a necessidade de se reformular o setor de mineração no Brasil: ele gera empregos e riquezas, é um dos principais produtos de nossa pauta de exportações e o código atual é anacrônico, inibe investimentos em pesquisa e até alimenta uma máfia de empresas envolvidas com a obtenção e venda de licenças de exploração mineral.

Mas, justamente pela sua importância para o país, a atividade de exploração de riquezas minerais envolve múltiplos interesses e objetivos, muitos deles divergentes: as mineradoras e seus lucros, a política econômica e a balança comercial, os empregados e seus postos de trabalho, os Estados e municípios e os royalties, os consumidores e o preço dos produtos, a coletividade (incluindo aí as gerações futuras) e o meio ambiente sustentável…

Nesse contexto, o processo legislativo deveria constituir-se num fórum para debatermos, de forma plural, os prós e os contras de qualquer proposta destinada a mudar essa regulação. Representantes de cada um dos interesses deveriam ter condições razoavelmente equânimes para expressar seus pontos de vista aos parlamentares. E esses, por sua vez, deveriam debater com profundidade as mudanças em pauta e decidir por uma regulação equilibrada, vocacionada a assegurar o que costumamos chamar de “desenvolvimento sustentável”.

Mas exercer a democracia dá trabalho, e nós brasileiros gostamos de atalhos. E um dos mais utilizados se chama “medida provisória” – filha do decreto-lei de nossas ditaduras, o instrumento que instituiu o mesmo Código de Minas que Temer agora está alterando.

Na minha opinião, as medidas provisórias são o mais danoso mecanismo de nosso “presidencialismo de coalizão”.

[Aliás, abro aqui um par de colchetes para alfinetar meus amigos cientistas políticos.

Desde que Sérgio Abranches – mais um mineiro neste texto – cunhou essa expressão, ainda em 1988, os pesquisadores da área desenvolveram uma obsessão com pesquisas sobre governabilidade e disciplina partidária.

Pouca atenção ainda é dada àquela que é, a meu ver, a principal conclusão do artigo: a tendência intrínseca do presidencialismo de coalizão ao conluio entre a burocracia (incluída aí a classe política) e os interesses privados, mantendo-nos presos ao ciclo de extração de renda do Estado e da sociedade. Se eu entendi bem seu artigo genial, este é o verdadeiro “dilema institucional brasileiro” exposto por Abranches. Ou seja, o sistema que instituímos na Constituição de 1988 gera uma tendência incontornável para o rent seeking – expressão inglesa que define a busca de pessoas físicas e jurídicas influentes por uma boquinha do Estado, à custa de toda a sociedade.

Para fechar esse longo desvio acadêmico, deem uma olhada neste trecho do artigo original:

Proliferam os incentivos e subsídios, expande-se a rede de proteção e regulações estatais. Esse movimento tem o resultado, aparentemente contraditório, de limitar progressivamente a capacidade de ação governamental. O governo enfrenta uma enorme inércia burocrático-orçamentária, que torna extremamente difícil a eliminação de qualquer programa, a redução ou extinção de incentivos e subsídios, o reordenamento e a racionalização do gasto público. Como cada item já incluído na pauta estatal torna-se cativo desta inércia, sustentada tanto pelo conluio entre segmentos da burocracia e os beneficiários privados, quanto pelo desinteresse das forças políticas que controlam o Executivo e o Legislativo em assumir os custos associados a mudanças nas pautas de alocação e regulação estatais, restringe-se o raio de ação do governo e reduzem-se as possibilidades de redirecionar a intervenção do Estado. Verifica-se, portanto, o enfraquecimento da capacidade de governo, seja para enfrentar crises de forma mais eficaz e permanente, seja para resolver os problemas mais agudos que emergem de nosso próprio padrão de desenvolvimento (ABRANCHES, 1988, p. 6).]

Voltando às medidas provisórias, elas são um instrumento valioso para o rent seeking no Brasil porque, por meio delas, o Executivo ganha, os parlamentares ganham, as empresas que têm poder de lobby ganham e a coletividade… bem, a coletividade quase sempre perde, porque geralmente não há quem tenha força suficiente para defendê-la (aliás, será que nossa sociedade sabe mesmo o que quer?).

Nesse contexto, reformar todo o sistema regulatório da mineração brasileira, uma área tão importante para nosso desenvolvimento sustentável, na base da canetada, por meio de MP, não só é antidemocrático, como revela um oportunismo sem limites dos principais agentes envolvidos.

Obviamente há o interesse das mineradoras, que vislumbraram uma oportunidade para mudar o Código de Minas de forma atropelada, sem audiências públicas, sem debate na sociedade e com pouca discussão no Congresso – afinal, desde que foram publicadas no Diário Oficial, as mudanças já estão em vigor em sua quase inteireza.

Mas, nesse caso específico, eu vislumbro um claro oportunismo do Presidente da República em alterar a regulação da mineração no Brasil.

Veja bem. Nos últimos dois meses, praticamente todas as ações políticas tomadas em Brasília giram em torno de um único fator: Michel Temer precisa de 172 votos para que a Câmara barre o processo que corre contra ele no STF.

Sua popularidade está próxima de zero, segundo as últimas pesquisas. Além disso, poucos partidos apoiam o Presidente de forma maciça a ponto de garantir sua governabilidade com base no puro convencimento ideológico – e nesse caso ele não está só: desde Sarney, todos enfrentaram esse problema em algum momento.

Diante desses fatos, os governantes brasileiros geralmente buscam os votos necessários para seus objetivos negociando no varejão (cargos, emendas parlamentares, promessas de doações de campanhas) ou recorrendo às chamadas bancadas – frentes parlamentares que defendem abertamente determinados interesses, como a da Bíblia (evangélicos), da bala (parlamentares que defendem um endurecimento da política de segurança pública), os ruralistas, etc.

No caso das MPs recentemente editadas por Temer, temos também a bancada da mineração no Congresso, que é presidida pelo deputado Sérgio Souza (PMDB/PR) – clique aqui para conhecer os seus 226 membros fundadores.

Para se ter uma ideia do seu poder, a Frente Parlamentar da Mineração é responsável por 60% dos 25 membros titulares da Comissão Especial que debate um projeto de lei que pretendia alterar o Código de Minas antes das MPs do Temer.

Pertencem à bancada da mineração as duas figuras mais importantes da Comissão: seu presidente, o deputado Gabriel Guimarães (PT) e o relator Leonardo Quintão (PMDB).

Não por acaso, ambos mineiros.

Não por acaso, ambos tiveram suas campanhas fortemente financiada por mineradoras.

Gabriel Guimarães, pela Companhia Brasileira de Mineração e Metalurgia, Vale, Companhia Brasileira de Alumínio, Anglo Gold e Votorantim.

Leonardo Quintão, pelas mesmas empresas e mais Kinross Mineração, Flapa Mineração e Incorporações, LMA Mineração, Mineração Polaris e ainda as siderúrgicas Usiminas, Gerdau, Vallourec e Magnesita. Para saber os valores, consulte aqui o site do TSE e pesquise os nomes dos ilustres deputados.

O que é mais interessante nesta história é que a bancada da mineração é fortemente pró-Temer, de acordo com os números.

Veja o caso da votação, na Comissão de Constituição e Justiça (a famosa CCJ) do atual processo sobre a admissibilidade do processo criminal contra ele.

Dos 66 membros da Comissão, 31 pertenciam à Frente Parlamentar da Mineração. Desses, 24 votaram a favor de Temer – ou seja, mais da metade dos 41 votos totais que o Presidente conseguiu veio da bancada da mineração.

Em termos percentuais, no gráfico abaixo podemos ver que naquela votação da CCJ o percentual de aprovação de Temer entre a bancada da mineração (77,4%) foi significativamente superior aos 62,1% de votos que ele conseguiu no grupo total.

Votação a favor de Temer na CCJ
Elaboração do autor a partir de dados obtidos no site da Câmara dos Deputados.

 

Outra evidência do apoio dos deputados ligados às mineradoras a Temer vem da votação sobre a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff no ano passado.

Se tomarmos apenas os membros da Comissão Especial que deliberava sobre as mudanças no Código de Minas – partindo do pressuposto de que eles são os mais diretamente interessados nesse assunto – podemos ver que a imensa maioria se posicionou pelo “Tchau, querida”. Conforme você pode ver na tabela abaixo, isso aconteceu independentemente de estarem formalmente vinculados à bancada da mineração.

 

Resumo da ópera: a edição de três medidas provisórias às vésperas da votação do seu processo no plenário da Câmara beneficiando um setor fortemente organizado e capaz de influenciar um grande número de deputados como a mineração revela um grande oportunismo de ambas as partes.

Em troca de apoio na votação que pode afastá-lo da Presidência da República e transformá-lo em réu no STF, Temer oferece uma regulação longamente desejada por grupos econômicos que têm, em suas mãos (ou bolsos?) um grande número de deputados.

Observe, caro leitor, que eu não estou questionando aqui o mérito das medidas provisórias e nem a necessidade de reformas no marco regulatório do setor.

Meu foco aqui foi explicitar os interesses em jogo e demostrar como esse arranjo institucional de presidencialismo de coalizão combinado com ampla liberdade para editar medidas provisórias agride o espírito democrático e favorece o rentismo no país.

É bom ficarmos de olho, antes que se cumpra a profecia do Drummond, de ver nossas montanhas definitivamente moídas e exportadas.

E olha que CDA tem dons premonitórios. Afinal, em 1984 ele escreveu no jornal Lira Itabirana:

 

I
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

Mas isso é assunto para outro dia. Até lá!

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