O E$pírito das Leis https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br Thu, 13 Dec 2018 11:46:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O novo trem da alegria de Jucá, Randolfe e companhia ilimitada https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/08/03/o-novo-trem-da-alegria-de-juca-randolfe-e-companhia-ilimitada/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/08/03/o-novo-trem-da-alegria-de-juca-randolfe-e-companhia-ilimitada/#respond Fri, 03 Aug 2018 05:00:36 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=436 Emenda Constitucional aprovada no final do ano passado cria a possibilidade de admissão de milhares de servidores públicos sem concurso, ameaçando situação fiscal no próximo governo

Devido a condições especiais de relevo e correntes marítimas, o litoral da Califórnia é rico em diversidade marinha. Com a corrida do ouro, no final do século XIX, uma colônia de imigrantes chineses, e depois italianos, se estabeleceu na região de Monterey, passando a viver da pesca de sardinhas. Em 1902, um norueguês montou a primeira fábrica de latas, resolvendo o problema da perecibilidade do produto e ampliando consideravelmente o mercado consumidor.

Durante as duas guerras mundiais, as sardinhas de Monterey aplacaram a fome dos exércitos aliados com suas latinhas práticas e ricas em proteína. Com a demanda em alta, dezenas de fábricas foram abertas, milhares de pessoas migraram para a região para trabalhar na pesca e no processamento do produto e uma nova tecnologia de barcos foi desenvolvida para capturar os imensos cardumes da região. Em 1946 chegaram a ser pescadas 142 mil toneladas de sardinhas na região.

Em 1953, subitamente, as sardinhas desapareceram. Os loucos anos anteriores não respeitaram o tempo de reprodução da espécie, levando as fábricas à falência e milhares de pessoas ao desemprego. A decadência da região de Monterey perdurou por décadas, até o turismo surgir como opção, já no final do século XX. No antigo cais da cidade, as antigas fábricas de sardinhas deram lugar a restaurantes e a um imenso aquário criado por David Packard, um dos criadores da HP, para celebrar a importância da diversidade marinha. Sinal dos tempos.

O caso da indústria de sardinhas no litoral da Califórnia é um exemplo clássico da “tragédia dos comuns”, uma expressão cunhada pelo economista britânico William Forster Lloyd no século XIX e, muito tempo depois, em 1968, popularizado pelo filósofo e ecologista Garrett Hardin: recursos naturais à disposição de todos tendem a ser extintos porque não há limites à ganância humana. Na lógica do cada um por si, da maximização do lucro individual, acabamos matando nossas galinhas dos ovos de ouro. Em outras palavras, um recurso de uso coletivo está fadado à escassez se não houver regras claras de propriedade ou de regulação que limitem a sanha individualista e garantam a sua exploração sustentável ao tempo. 

No Brasil do início do século XXI, porém, estamos sujeitos a outro problema, que eu chamarei aqui de “tragédia dos incomuns”: um bem de uso coletivo (os recursos públicos) vem sendo explorado de modo desenfreado por políticos e grupos de pressão (os incomuns) que agem visando estritamente seu interesse particular em detrimento da coletividade. E assim estamos avançando de modo acelerado rumo a uma tragédia social de escassez e crise, onde em breve não teremos recursos para mais nada.

Quem acompanha este blog é testemunha de como, no último ano, venho chamando a atenção para diversos aspectos dessa superexploração dos recursos públicos pelos incomuns da política brasileira. De subsídios governamentais a regras especiais de imposto de renda para setores com grande poder de pressão, passando por políticas de incentivo sem qualquer avaliação de sua eficácia, nosso orçamento público vem sendo comprometido pelo apetite voraz de quem só enxerga seu benefício privado.

Para demonstrar como nossos políticos incomuns estão levando o país à tragédia de modo sorrateiro, veja o caso da Emenda Constitucional nº 98/2017, promulgada pelo Congresso no final do ano passado. O objetivo dessa emenda foi possibilitar a qualquer pessoa que tenha participado da criação dos Estados de Roraima e Amapá ser admitido, sem concurso público, como servidor da União.

Se você é experiente o suficiente para se lembrar da Assembleia Constituinte ou acompanha minimamente a política brasileira, deve se recordar do famoso “trem da alegria”, um dispositivo colocado na Constituição de 1988 que permitiu a milhares de pessoas serem admitidas no serviço público federal sem passar por concurso. 

No caso dos servidores dos ex-territórios transformados em Estados naquele período (Roraima, Amapá e Rondônia), ainda houve duas novas partidas do trem da alegria, sempre patrocinadas por influentes políticos da região, com as Emendas Constitucionais nº 19/1998 e 79/2014.

A nova EC nº 98, por sua vez, abriu a maior de todas as janelas para quem quer se tornar servidor público federal nos estados de Roraima e Amapá sem precisar recorrer a editais, cursinhos preparatórios ou meses de estudo. Pela sua redação e forma de tramitação fica evidente como a atuação descompromissada de políticos e grupos de interesses está levando o país à exaustão de seus recursos orçamentários.

A proposta foi capitaneada pelo senador Romero Jucá (MDB) e faz um agrado ao seu curral eleitoral à custa de todos os brasileiros. Em tempos de Lava Jato e com os velhos caciques políticos na berlinda, o senador de Roraima agiu estrategicamente visando o benefício próprio para angariar milhares de votos oferecendo a seus eleitores a possibilidade de se tornarem servidores públicos federais, com estabilidade no emprego e salários acima do mercado.

Segundo a justificativa da medida, “muito embora as normas constitucionais vigentes tenham procurado dispor, de forma exaustiva, sobre a situação das pessoas que hajam mantido relações ou vínculos de trabalho com o Estado ou o ex-Território de Roraima, assim como com o do Amapá, durante a fase de sua implantação, a complexidade e as especificidades de cada caso vertente impediram que se o fizesse de maneira absolutamente perfeita e exata”. 

Embora aponte que existiam falhas na legislação anterior que deixaram lacunas em relação a quem atuou na transição dos ex-Territórios para os atuais Estados, os senadores não apontam quais são elas ou quais as causas das citadas injustiças. Também não há estimativa nenhuma de quantas pessoas estariam sendo prejudicadas. O texto de apresentação da PEC tem apenas quatro parágrafos, uma coleção de frases vagas e vazias de conteúdo, culminando com um comovente “precisamos, agora, retribuir, ao menos parcialmente, o muito que essas pessoas contribuíram não apenas para que se implantasse o poder público local, mas, principalmente, para que Roraima e o Amapá se erguessem como unidades da federação”.

Se a justificativa é vazia, a redação dos dispositivos é repleta de conceitos indeterminados e bastante elástica. É só dar uma olhada na amplidão (de tamanho e de sentidos) do art. 31, que designa quem tem direito a virar servidor da União com a nova regra:

“Art. 31. A pessoa que revestiu a condição de servidor público federal da administração direta, autárquica ou fundacional, de servidor municipal ou de integrante da carreira de policial, civil ou militar, dos ex-Territórios Federais do Amapá e de Roraima e que, comprovadamente, encontrava-se no exercício de suas funções, prestando serviço à administração pública dos ex-Territórios ou de prefeituras neles localizadas, na data em que foram transformados em Estado, ou a condição de servidor ou de policial, civil ou militar, admitido pelos Estados do Amapá e de Roraima, entre a data de sua transformação em Estado e outubro de 1993, bem como a pessoa que comprove ter mantido, nesse período, relação ou vínculo funcional, de caráter efetivo ou não, ou relação ou vínculo empregatício, estatutário ou de trabalho com a administração pública dos ex-Territórios, dos Estados ou das prefeituras neles localizadas ou com empresa pública ou sociedade de economia mista que, constituída pelo ex-Território ou pela União para atuar no âmbito do ex-Território Federal, haja sido extinta, poderá integrar, mediante opção, quadro em extinção da administração pública federal.” Colorir.

Traduzindo o texto (propositalmente?) confuso, a nova legislação permite que três grupos distintos de pessoas possam optar para fazer parte como servidores da Administração Pública Federal:

i) Qualquer servidor público federal ou municipal (incluindo autarquias e fundações, policiais civis e militares) que estivem prestando serviço aos ex-Territórios de Roraima e Amapá ou às prefeituras dos municípios localizados lá na data em que foram transformados em Estado;

ii) servidores (incluindo policiais civis e militares) admitidos pelos Estados de Roraima e Amapá entre a criação dos Estados e outubro de 1993; e o mais chocante deles:

iii) qualquer pessoa que comprove ter mantido relação, vínculo funcional ou relação de emprego ou trabalho para os ex-territórios, Estados, prefeituras, inclusive empresas públicas ou sociedades de economia mista até outubro de 1993.

Pela extensão dessas hipóteses e o caráter indeterminado das condições, imagino que não será difícil para um cidadão residente em Roraima ou no Amapá no período pleitear sua passagem no trem da alegria de Jucá, principalmente porque os meios comprobatórios são igualmente frouxos e as benesses são imensas.

De acordo com os parágrafos 4º e 5º do citado artigo, vale praticamente qualquer meio de prova para ter direito aos benefícios: contrato, convênio, ajuste, ato administrativo, contrato de cooperativa, recibo, comprovante de depósito em conta bancária, emissão de ordem de pagamento ou nota de empenho. A única condição é que os serviços tenham sido prestados por, pasmem, 90 dias. 

Mas o melhor da festa está no primeiro parágrafo: uma vez feita a opção, o enquadramento se dará em cargo equivalente da Administração Federal em reação aos serviços prestados. Ou seja: se um médico foi contratado por apenas 90 dias para atender em um posto de saúde nos ex-Territórios, ele terá direito a se tornar um membro da carreira federal de médicos (perito do INSS, talvez…). O mesmo vale para quem foi contratado para prestar um serviço como advogado de uma prefeitura qualquer nesses antigos territórios; esses sortudos cidadãos poderão pleitear receber como advogados da União, fazendo jus a salários de quase R$ 30 mil mensais. 

E ainda tem mais: pelo parágrafo 3º, todo esse contingente indeterminado de pessoas poderá ser cedido aos Estados de Roraima e do Amapá ou a seus municípios, sendo custeados pela União. Uma bela sacada para aliviar a grave crise fiscal enfrentada por esses Estados, não? 

O impacto dessa Emenda Constitucional promete ser brutal e é assustador o fato de que nenhum deputado ou senador tenha se dado ao trabalho de solicitar uma avaliação de seu efeito sobre as contas públicas. Aliás, é assustador o fato de que praticamente nenhum parlamentar tenha levantado a voz contra esse absurdo fiscal.

A análise da tramitação legislativa dessa PEC revela, ainda, que, quando se trata de lesar os cofres públicos, direita e esquerda se abracem fraternalmente, deixando de lado qualquer diferença ideológica ou animosidade em relação à situação política recente. Aliás, o trem da alegria de Jucá foi relatado simplesmente por Randolfe Rodrigues (Rede/AP), severo crítico das articulações do MDB no impeachment de Dilma. 

Deixando qualquer desavença política de lado, o senador amapaense emitiu seu primeiro parecer no tempo recorde de 24 horas, tendo ainda trabalhado em versões posteriores buscando a expansão das benesses do texto inicial. Seu voto é repleto de afirmações genéricas e elogiosas, abusando de expressões como ˜interesse público e social˜, “tratamento isonômico” e “viabilidade financeira”, mas sem se dar ao trabalho de demonstrá-las concretamente.

Ao longo do trâmite legislativo, a proposta recebeu 6 emendas no Senado e 12 na Câmara, todas destinadas a ampliar os seus efeitos e tornar as suas condições mais vantajosas. Nenhum parlamentar se esforçou para propor dispositivos para fechar um pouco a porteira por onde podem passar milhares de novos servidores públicos federais sem concurso.

Aliás, no afã de assaltar o Erário para fins políticos e eleitorais, vale até mesmo jogar na lata de lixo discursos históricos em favor da responsabilidade fiscal. Afinal, como explicar a presença, como co-autores do trem da alegria de Jucá, paladinos da moralidade nas finanças públicas como José Serra, Antonio Anastasia ou Aloysio Nunes Ferreira, todos do PSDB? 

É bom lembrar também que a proposta de Jucá (aquele do “acordo nacional, com o Supremo, com tudo”)  também foi subscrita por petistas representativos como Paulo Paim e Walter Pinheiro, bem como a aliada de primeira hora Vanessa Grazziotin (PCdoB),  formando uma composição suprapartidária contra as contas públicas.

Para quem acompanha o processo legislativo brasileiro, não há surpresa nenhuma: quando é possível das privilégios para alguns e apresentar a conta para a sociedade em geral, nossos políticos e partidos são bastante coerentes e atuam em sintonia.

Por falar em coerência partidária, TODOS os líderes de partidos se posicionaram a favor do trem da alegria na votação da Câmara (para ser justo, o PPS liberou seus membros a votarem como bem entendessem, o que dá no mesmo). A proposta foi aprovada de forma quase unânime em dois turnos nas duas Casas legislativas, praticamente sem qualquer oposição ou questionamento.

Com parlamentares tão vorazes em atacar nossos limitados recursos públicos em prol de sua sobrevivência política, só podemos esperar nossa completa extinção como nação num futuro breve. Essa é a tragédia dos incomuns para a qual estamos condenados.

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“O sistema é foda” https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/03/16/o-sistema-e-foda/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/03/16/o-sistema-e-foda/#respond Fri, 16 Mar 2018 05:00:29 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=314 Assassinato de Marielle Franco é um atentado contra a tentativa de renovação da política brasileira

O sistema é muito maior do que eu pensava.
Não é à toa que os traficantes, os policiais e os milicianos
matam tanta gente nas favelas.
Não é à toa que existem favelas.
Não é à toa que acontece tanto escândalo em Brasília.
E que entra governo, sai governo, a corrupção continua.
Pra mudar as coisas, vai demorar muito tempo.
O sistema é foda.
Ainda vai morrer muito inocente.

(Capitão Nascimento, em Tropa de Elite 2)

Em muitos sentidos, Marielle era a cara do Brasil. Mulher como 51,48% da população, negra como 54% dos brasileiros. Tinha 38 anos, na faixa que contém o maior número de mulheres na pirâmide etária brasileira.

Sua história de vida também reflete a trágica realidade de um país brutalmente desigual e violento. Cresceu na favela da Maré, onde “a esperança não vem do mar e nem das antenas de TV”. Segundo o Censo de 2010, 11,4 milhões de brasileiros moravam em favelas. Hoje esse número deve ser bem maior.

Marielle cursou a educação básica em escola pública, como 81,7% dos alunos matriculados no país. A qualidade do colégio estadual em que se formou no ensino médio, o CE Professor Clóvis Monteiro, é atestada pela sua posição no ranking do último Enem: é a 11.093ª “melhor” escola brasileira. A nota média do colégio (488,15 pontos) está abaixo do limite de 50%.

Como o ensino não oferecia perspectiva alguma, Marielle engravidou de forma não desejada aos 17 anos. Fenômeno típico nas camadas mais pobres da população, em 2015 nasceram 477.131 crianças cujas mães não tinham sequer 18 anos. O pai de Luyara, sua filha, não quis saber da criança. Mais um fato absolutamente normal: 40% das crianças nascidas no Brasil não têm o nome do pai registrado em suas certidões de nascimento. Ou seja, a cada ano quase 200 mil crianças estão condenadas a crescer sem um núcleo familiar estruturado. E outras dezenas de milhares engrossarão essa estatística ainda na primeira infância.

Contra todos os números negativos da realidade social brasileira, Marielle venceu as adversidades. Com a filha um pouco mais crescida, entrou num cursinho pré-vestibular para jovens carentes, passou no vestibular da PUC-Rio, conseguiu uma bolsa integral, formou-se cientista social e fez mestrado na Universidade Federal Fluminense.

De certa forma, Marielle Franco é um exemplo de político que, independentemente da ideologia, boa parte do eleitorado brasileiro deseja. Segundo a última pesquisa Perspectivas para as Eleições Brasileiras, Marielle se enquadrava em diversas preferências da população brasileira para um candidato: por senti-los na pele desde criança, conhecia os problemas do país – 89% dos brasileiros esperam que um político tenha essa qualidade.

Para 62% dos eleitores é importante um bom candidato ter experiência política – e Marielle foi durante uma década assessora parlamentar de Marcelo Freixo na Câmara e na Assembleia.

Se 74% do eleitorado almeja um candidato com boa formação acadêmica, Marielle era mestre em Administração Pública. E para os 71% que desejam políticos com boa relação com os movimentos sociais, Marielle era a mulher certa: feminista, do movimento negro e a favor da causa LGBT.

Num país em que 55% dos eleitores afirmam querer votar em candidatos que não sejam políticos profissionais, Marielle representava a renovação da política brasileira.

Para começar, era do PSOL, partido criado por antigos militantes que perceberam que o projeto de poder do PT incluía a traição a seus ideais de ética na política. Por apostarem em novos nomes e numa gestão mais participativa, PSOL, Rede e Novo, mesmo ocupando posições diferentes no espectro ideológico, são esperança de oxigenação no falido sistema partidário brasileiro.

A campanha de Marielle foi relativamente barata, gastando R$ 92.151,91. Só para você ter uma ideia, o vereador mais votado, Flávio Bolsonaro, o “Zero Um”, gastou dez vezes mais que ela: R$ 971.507,51.

Se olharmos de onde veio esse dinheiro, também percebemos que a campanha de Marielle foi bastante democrática para os padrões brasileiros. Ao todo 195 pessoas doaram recursos para financiar suas despesas eleitorais, sendo que a maior contribuição foi de R$ 4.200,00. Para efeito de comparação, César Maia, ex-prefeito do Rio e pai do presidenciável Rodrigo Maia, teve apenas 11 doadores. Só o seu partido, o Democratas, aplicou R$ 242 mil para fazê-lo o terceiro vereador mais votado da cidade.

Para quem não teve uma campanha muito cara, a votação de Marielle na sua estreia em eleições surpreendeu até o mais otimista dos correligionários. Foram 46.502 votos, a quinta maior votação no Rio de Janeiro.

E para afastar qualquer distinção entre morro e asfalto, zona sul e subúrbio, a candidata que se proclamava “mulher, negra e cria da favela da Maré” teve expressivas votações nos bairros nobres da capital. Quase um terço de seus votos vieram da faixa que vai do Aterro do Flamengo à Pedra da Gávea.

No exercício de seu mandato, Marielle defendeu as suas causas. Propôs 13 projetos de lei: criação de programas de atendimento noturno em creches e de atenção humanizada a vítimas de aborto, fim da isenção de impostos para as empresas de ônibus, restrições à terceirização dos serviços de saúde, exigências para que a Prefeitura publique estatísticas sobre a situação da mulher no município, políticas de reinserção de menores infratores e campanhas de conscientização contra a homofobia, a violência sexual e o encarceramento de jovens negros.

Independentemente de nossas preferências ideológicas, é inegável que desde junho de 2013, passando pelas manifestações a favor do impeachment, a sociedade brasileira está se movimentando para exigir melhores serviços públicos, menos corrupção e uma reforma geral do sistema político. A votação de vereadores novatos como Marielle era uma consequência desse movimento.

No entanto, apesar de tudo, como todos sabem, na noite da última quarta-feira, Marielle passou a fazer parte da mais cruel das estatísticas brasileiras: os nossos 60.000 homicídios anuais.

Por toda a sua trajetória, o brutal assassinato foi, para mim, muito mais do que uma tragédia pessoal. Ou o atestado de nossa incapacidade de criar um país onde se possa defender abertamente suas ideias de menos desigualdade e circular livremente pelas ruas.

A morte de Marielle é sobretudo um atentado a nossos anseios de renovação da política brasileira. É como se fosse um recado para o cidadão de bem que aos poucos volta a se interessar pela política: tome cuidado, o sistema aqui é bruto.

É como se os donos do poder emitissem um aviso: é melhor deixar tudo como está. Pra se meter com política, não basta ter estômago de avestruz. Se você não entra no jogo, pode acabar com a boca cheia de formiga. Ou executada com três tiros numa noite qualquer.

 

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