O E$pírito das Leis https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br Thu, 13 Dec 2018 11:46:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O perigo de governar no varejo https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/10/15/o-perigo-de-governar-no-varejo/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/10/15/o-perigo-de-governar-no-varejo/#respond Mon, 15 Oct 2018 05:00:44 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/Salão-Verde-320x213.png https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=554 Bolsonaro tem sinalizado que vai privilegiar negociações individuais e com bancadas

O Partido Social Liberal (PSL), de Jair Bolsonaro, surpreendeu e ampliou o número de membros na Câmara dos atuais 8 para 52 deputados federais. Apesar de se cacifar como a segunda maior bancada na próxima legislatura —logo atrás do PT, que alcançou 56 cadeiras—, os correligionários de Bolsonaro representarão pouco mais de 10% dos votos disponíveis.

Caso seja eleito, Bolsonaro terá diante de si o mesmo desafio de seus antecessores desde a redemocratização brasileira: já que seus partidos isoladamente são minoritários, precisam construir uma coalizão suficiente para garantir a aprovação de suas propostas legislativas. Para agravar sua situação, esse Congresso será o mais fragmentado dos últimos tempos. Além de contar com 30 partidos com representantes na Câmara, as maiores siglas (MDB, PT, PSDB) perderam peso, e os partidos do chamado Centrão aumentaram sua importância.

Àqueles que questionam a sua capacidade de lidar com esse problema de governabilidade, Bolsonaro tem dito que não pretende se aliar a determinados partidos por fisiologismo, e acena com negociações individuais de acordo com os temas em debate. Além disso, pretende contar com as bancadas temáticas para superar a lógica partidária. Aliás, duas das principais frentes parlamentares —as bancadas ruralista e evangélica— já fecharam questão com o líder das pesquisas.

A ideia de Bolsonaro faz sentido no seu discurso antissistema. A amplitude da base governista durante os mandatos de Lula e Dilma (mas também no de FHC) levou a denúncias de loteamento de cargos públicos, liberação enviesada do orçamento e corrupção em estatais. Abandonar a prática de conceder nacos do poder a determinados partidos, na base da “porteira fechada”, em troca de apoio em votações seria, na visão do capitão reformado, um novo modo de fazer política.

Com sete mandatos de experiência no Congresso, Bolsonaro sabe melhor do que ninguém que os partidos vêm perdendo seu poder no plenário diante da crescente influência das frentes parlamentares suprapartidárias. As bancadas ruralista, evangélica e da segurança pública (boi, Bíblia e bala) são a representação de um movimento que cresce a cada legislatura. No momento em que os grandes partidos perdem força diante do amorfo Centrão, Bolsonaro quer apostar nas negociações com os representantes desses grupos de interesses que controlam dezenas de deputados e senadores.

No entanto, deixar de governar no atacado — ou seja, compartilhando o poder com alguns partidos — para investir em negociações caso a caso, no varejo, com bancadas temáticas, tem riscos elevados.

Em primeiro lugar, essa estratégia exigirá grande habilidade e paciência de um eventual futuro presidente cujo histórico revela ser muito mais do confronto do que da conciliação. Passada a tradicional lua de mel dos primeiros cem dias de governo, cada movimento de peças no tabuleiro do Congresso será um teste para os supostos nervos de aço de Bolsonaro.

Negociar com as bancadas a cada votação também tem grandes problemas de coordenação. Ao contrário do que o senso comum supõe, os partidos no Brasil são disciplinados e fiéis ao posicionamento de seus líderes. As bancadas temáticas, contudo, só costumam fechar questão quando o assunto lhes traz benefícios concretos. Sendo assim, uma coisa é contar com os ruralistas para reformar o Código Florestal, por exemplo. Outra bem diferente é contar com sua unidade quando precisar aprovar a reforma da Previdência.

Por fim, há o custo fiscal e regulatório. Enquanto os partidos negociam para ter mais cargos e fatias do orçamento, bancadas que representam interesses cobram um preço diferente. Se são empresariais (como a ruralista), querem subsídios, renegociação de dívidas, crédito barato, regulação ambiental mais frouxa. Já as temáticas (religiosas ou da segurança) jogam visando a aprovação de suas pautas no campo dos costumes. E temos também as corporativas (como as de categorias do serviço público), sempre em busca de reserva de mercado e a manutenção de privilégios.

O Brasil precisa de um novo jeito de fazer política. Mas é preciso ter cuidado, pois sempre é possível piorar o que já não funciona bem.

 

Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.

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O sistema não funciona https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/09/24/o-sistema-nao-funciona/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/09/24/o-sistema-nao-funciona/#respond Mon, 24 Sep 2018 05:00:34 +0000 https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/Valdemar-320x213.jpg https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=532 Regras do presidencialismo de coalizão geram pouca representatividade e alto custo

Na Ilustríssima do último dia 9, o cientista político Carlos Pereira (FGV/RJ) defendeu o papel exercido por partidos não ideológicos no sistema político brasileiro. Para ele, não faz sentido condenar a existência de siglas não programáticas porque são elas que exercem o papel de âncoras no nosso presidencialismo de coalizão.

Em seu raciocínio, Pereira separa os partidos em três grupos. Buscando liderar o jogo político nacional, legendas ideologicamente mais definidas, como PT e PSDB (mas também Rede e PDT), têm como sua estratégia principal vencer a disputa à Presidência da República para, assim, implementar sua agenda para o país.

Ao redor desses partidos majoritários gravitam outros mais amorfos. Sua missão não é conquistar o Poder Executivo, mas garantir uma votação que lhes confira um papel central no Legislativo. É o caminho trilhado historicamente pelo (P)MDB, mas que vem sendo seguido pelos demais partidos do Centrão, que acabam dando sustentação ao governo eleito, seja ele qual for.

Por fim, existem os partidos rentistas, menores e essencialmente fisiológicos, que sobrevivem graças aos recursos do fundo partidário e do horário eleitoral gratuito.

De acordo com a tese de Carlos Pereira, nosso sistema político não precisaria de mudanças substanciais por dois motivos. De um lado, a aprovação da cláusula de desempenho e do fim das coligações legislativas a partir de 2020 seriam suficientes para combater os partidos rentistas. De outro, as propostas de reforma política destinadas a aproximar eleitores e legisladores (como a adoção do sistema distrital misto ou puro) não seriam garantias de maior representatividade.

O raciocínio apresentado por Pereira representa a visão dominante da ciência política brasileira: a de que nosso presidencialismo de coalizão funciona. Na nossa opinião, trata-se de uma visão extremamente otimista e que impede que avancemos na discussão de melhorias no funcionamento de nossa política.

Para começo de conversa, as regras do nosso sistema proporcional não geram um Congresso que represente a imensa diversidade da população brasileira. Justamente porque a maioria dos partidos não é ideológica, as eleições tornam-se personalistas. Para piorar, são disputadas em territórios muito grandes (os estados) e em lista aberta (onde todos concorrem com todos).

O resultado disso é o encarecimento das campanhas, fazendo com que apenas candidatos ricos, bem conectados com o empresariado ou com grande visibilidade consigam ser eleitos. Não é por outro motivo que nosso Congresso é majoritariamente masculino, branco, rico e crescentemente evangélico.

Além disso, o raciocínio desenvolvido por Pereira não leva em consideração que é precisamente na interação entre os Presidentes da República e os líderes dos partidos não ideológicos (MDB ou Centrão) que são geradas legislações e políticas públicas com custos fiscais e sociais altíssimos – sem falar em oportunidades de corrupção.

O pragmatismo político e o vazio ideológico do MDB e da sopa de letrinhas dos partidos do Centrão criaram o caldo de cultura que permitiu ao grande empresariado brasileiro e às corporações do funcionalismo público abusarem de medidas que nos afundaram na atual crise fiscal e reverteram a tendência de queda da desigualdade social.

Desonerações fiscais, sucessivos Refis, créditos subsidiados e reajustes salariais fora da realidade foram o preço pago pela sociedade brasileira para garantir a governabilidade em nosso presidencialismo de coalizão.

Para piorar, os incentivos postos na atual eleição não nos deixam ter esperanças. A distribuição dos recursos do fundo eleitoral e uma campanha curta e polarizada provavelmente conduzirão à eleição de um presidente fraco e um Congresso ainda mais fragmentado e pouco ideológico.

Não importa se o próximo presidente será Bolsonaro, Haddad ou um terceiro – para governar, ele terá que comer na mão do MDB e do Centrão, que cobrarão um preço alto pelo seu apoio. E ele será pago por todos nós.

Enquanto isso, a nata de nossa ciência política continua a considerar que está tudo bem e que o sistema funciona.

Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.

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