O E$pírito das Leis https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br Thu, 13 Dec 2018 11:46:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Ações entre amigos https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/05/22/acoes-entre-amigos/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/05/22/acoes-entre-amigos/#respond Tue, 22 May 2018 05:00:28 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=372 Nas eleições de 2016, só Marcelo Freixo soube usar as doações pela internet no financiamento de campanhas eleitorais


Nós temos lá em casa uma vaquinha preta
Fora de série, com cinco tetas –
Essa vaquinha é a nossa salvação
Ela come bem pouquinho e dá leite de montão.

(“Vaquinha Preta” – Gaúcho da Fronteira)

Já foi dada a largada para as eleições de outubro. Para quem não sabe, de acordo com a minirreforma eleitoral de 2017, desde o último dia 15 de maio os pré-candidatos já estão autorizados a captar recursos para as suas campanhas por meio de financiamento coletivo – as famosas vaquinhas virtuais.

O uso do crowdfunding nas eleições brasileiras é uma novidade apenas em termos: as doações pela internet já eram aceitas pelo Tribunal Superior Eleitoral, mas apenas neste ano candidatos e partidos poderão contratar empresas para intermediar a coleta de recursos junto ao público. Até o momento o TSE já autorizou a atuação de dezenas dessas empresas.

Olhando para trás, as doações pela internet nunca tiveram relevância nas campanhas eleitorais. Nas eleições de 2016, mesmo com a proibição de doações de empresas, as vaquinhas virtuais representaram menos de 0,1% do total arrecadado – no total, foram pouco mais de R$ 2,5 milhões, num total de quase R$ 3 bilhões movimentados pelos candidatos.

O gráfico mostra a distribuição da arrecadação de campanha nas eleições de 2016 por origem dos recursos
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE.

Como pode ser visto no gráfico acima, a principal fonte de dinheiro foram as doações feitas por pessoas físicas pelas vias tradicionais (43% do total), seguidas pelo dinheiro aportado nas campanhas pelos próprios candidatos (37%) e as transferências vindas dos partidos (14%) e de outros candidatos – as famosas “dobradinhas” entre candidatos a prefeitos e vereadores – com 5%.

Nesse cenário de baixa utilização da internet como um canal de arrecadação de recursos, ninguém se destaca tanto quanto Marcelo Freixo (PSOL), o candidato derrotado à prefeitura do Rio de Janeiro. Dos quase R$ 2,5 milhões obtidos por todos os candidatos e partidos brasileiros nas eleições municipais de 2016, Freixo abocanhou, sozinho, R$ 1.454.452,00.

Com quase 58% do total doado pela internet, Freixo ficou bem à frente do segundo colocado, Fernando Haddad (PT/SP), que recebeu pouco menos de R$ 300 mil dessa fonte na sua tentativa – também frustrada – se manter-se no comando do município de São Paulo.

Graças ao protagonismo de Freixo e de Haddad, PSOL e PT foram os líderes na arrecadação de recursos pela internet nas eleições de 2016, responsáveis por quase 2/3 do total auferido no país:

Em termos de mobilização social, os números das eleições de 2016 revelam que, no quadro atual de descrédito na política, são poucos os brasileiros dispostos a inserir o número de seu cartão de crédito num site para transferir recursos a algum candidato ou partido.

Nesse quesito, novamente Freixo foi um ponto fora da curva: conseguiu convencer 17.645 pessoas a fazê-lo. Haddad, mesmo contando com a tão propalada militância do PT na maior cidade do país, mobilizou apenas 1.618 doadores internautas. De forma geral, como se vê no gráfico abaixo, em 2016 os candidatos não conseguiram arrebanhar mais do que um punhado de apoiadores nas suas vaquinhas virtuais:

Para as eleições de 2018, a história promete ser diferente. A permissão legal para que candidatos e partidos contratem empresas de crowdfunding deve tornar a captação de recursos pela internet mais agressiva. Dessa forma, os desafios do TSE, Ministério Público, imprensa e entidades da sociedade civil se multiplicarão: se não houver transparência e fácil acesso aos dados consolidados de doações por esses canais, o crowdfunding pode se tornar um simulacro para doações de laranjas e de doações empresariais camufladas.

É, preciso, portanto, ficar de olho aberto, pois, no fundo, todos vão querer ser como Freixo. Se não na votação – afinal, todos querem ser eleitos -, pelo menos na arrecadação.

Post anterior: Lava Jato: uma mapa para entender a política brasileira

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Vai fundo! https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/09/28/vai-fundo/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/09/28/vai-fundo/#respond Thu, 28 Sep 2017 06:00:47 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=173 O projeto de lei que cria o Fundo Especial de Financiamento de Campanha aprovado no Senado é cheio de artimanhas para garantir a sua aprovação e alguns bilhões para os partidos na próxima eleição

Agora já não é normal
O que dá de malandro regular, profissional
Malandro com aparato de malandro oficial
Malandro candidato a malandro federal
Malandro com retrato na coluna social
Malandro com contrato, com gravata e capital
Que nunca se dá mal

“Homenagem ao Malandro” (Chico Buarque)

Nos últimos tempos, eles praticamente só pensam nisso. Depois que o Supremo Tribunal Federal proibiu as doações de empresas e a Lava Jato aumentou a aversão ao risco de ser pego em Caixa 2, o Congresso tenta a todo custo garantir mais dinheiro público para financiar suas campanhas.

A primeira tentativa foi com o famigerado Fundo Especial de Financiamento da Democracia, um eufemismo que pretendia tungar R$ 3,6 bilhões do Erário e destiná-los para os partidos financiarem seus candidatos em 2018. A reação da sociedade a essa proposta – e também ao distritão – foi tão grande que a proposta do relator Vicente Cândido (PT/SP) na PEC nº 77/2003 acabou empacando na Câmara.

Mas a equação da política brasileira é muito clara: mais dinheiro significa mais chances de ser reeleito – e isso ainda pode proporcionar, a quem interessar possa, a manutenção de foro privilegiado e uma maior probabilidade de escapar da prisão.

Por isso nossos parlamentares ainda não jogaram a toalha. E convocaram o Resolvedor Geral da República para elaborar uma proposta mais palatável para a opinião pública e que obtenha os votos necessários para ser aprovada até o próximo dia 07/10 – prazo máximo para que as mudanças na legislação eleitoral valham para 2018.

O substitutivo do senador Romero Jucá (PMDB/RR) ao PLS nº 206/2017, recém aprovado no Senado, contém uma série de artimanhas voltadas para garantir que o fundo público para as campanhas públicas seja finalmente aprovado. Para isso, até o nome do Fundo foi alterado: saiu o “Fundo Especial de Financiamento da Democracia” (um escárnio para o cidadão) e entrou o direto “Fundo Especial de Financiamento de Campanha”.

Denominação à parte, t00enho que reconhecer que a proposta do Senado é melhor do que a concebida na Câmara, mas contém algumas malandragens para beneficiar quem controla o jogo político.

Quem vai pagar a conta?

O grande apelo do projeto de Jucá está no impacto fiscal. Para começar, alardeia-se que o valor do fundo ficará em R$ 1,7 bilhão, o que é menos da metade do montante proposto na Câmara. Além disso, Jucá defende que o impacto fiscal da medida será nulo: os recursos viriam de emendas parlamentares e do fim da propaganda política partidária anual (que apesar de ser chamada de “gratuita”, é subsidiada por isenção fiscal para rádios e TVs). Ou seja, o dinheiro a ser destinado para o fundo das campanhas viria de despesas já existentes, não comprometendo o orçamento.

Mas temos um problema aí. O projeto prevê destinar 30% do valor das emendas das bancadas estaduais para o financiamento público das campanhas. Sim, isso quer dizer que recursos que seriam aplicados pelos parlamentares em projetos locais (estaduais e municipais) de infraestrutura, saúde, etc. seriam destinados para os políticos gastarem nas suas campanhas políticas. Isso seria legítimo? É a velha tática dos ganhos concentrados (candidatos) e dos prejuízos coletivos (a população beneficiada pelas emendas) que permeia toda a nossa política…

Nesse aspecto, a proposta original do senador Ronaldo Caiado (DEM/GO) era mais radical e não comprometia Estados e municípios: em vez de extinguir apenas as propagandas partidárias (que representam em torno de R$ 300 milhões em anos não eleitorais), acabaria também o ineficiente Horário Eleitoral “Gratuito” – transferindo mais R$ 600 milhões de compensação fiscal de rádios e TVs para o Fundo de Campanhas. Por mexer num filão das rádios e TVs, imagino que a proposta do senador goiano tenha sido alvo de forte resistência das empresas de comunicação, para as quais o horário político é um grande negócio. Frente ao lobby das emissoras o senador Romero Jucá deve ter preferido jogar a conta para a população – como sempre acontece, aliás.

A outra questão é que ninguém garante que o fundo será constituído por “apenas” R$ 1,7 bilhão. Se você olhar com atenção a redação do caput do art. 16-C do projeto, há um maroto “ao menos equivalente” na definição das fontes de recursos públicos. Ou seja, a proposta trata de um limite mínimo, e não máximo para colocação de dinheiro do contribuinte no fundo. E tem mais: como o orçamento de 2018 ainda está em elaboração, é possível que os parlamentares inflem uma expectativa de receita aqui e realoquem uma previsão de despesa acolá para destinar mais recursos para as emendas estaduais e assim, por tabela, aumentar a cota prevista para o Fundo das Campanhas. Além disso, nunca é demais lembrar que a Emenda Constitucional que estabeleceu o teto de despesas não se aplica aos gastos com eleições (veja o novo art. 107, § 6º, III, do Ato das Disposições Transitórias da  Constituição). Ou seja, o projeto de Jucá não deixa de ser um cheque em branco dado ao Congresso para definir o valor do fundo de financiamento de campanhas.

Quem sai ganhando?

A proposta de Jucá também é engenhosa no que se refere à distribuição do bolo de dinheiro do fundo das campanhas – e com isso ela pretende seduzir os amigos do rei.

Segundo a versão inicial do projeto da Câmara, relatado por Vicente Cândido (PT/SP), os recursos seriam repartidos entre os partidos da seguinte forma: 2% divididos igualmente entre todos os partidos com registro no TSE e os outros 98% segundo os votos recebidos por cada agremiação nas eleições para a Câmara dos Deputados em 2014.

A fórmula de Jucá é bem mais engenhosa. Os valores serão atribuídos a cada legenda de acordo com a seguinte equação: 2% repartidos igualmente entre todos os partidos, 49% segundo a votação para deputado federal em 2014, 34% de acordo com a bancada atual na Câmara e 15% conforme a bancada atual no Senado.

Ao inserir no cálculo o resultado das mudanças de configuração na Câmara e no Senado ocorridas na atual legislatura, Jucá altera bastante a destinação de recursos para as campanhas de 2018, conforme pode ser visto no gráfico abaixo, calculado com base na estimativa total de R$ 1,7 bilhão para o fundo:

O gráfico mostra quanto cada partido ganha ou perde com a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha
Elaboração própria a partir de dados do TSE, Câmara dos Deputados e Senado.

Os ganhadores com a proposta de Romero Jucá aprovada no Senado são nítidos: o PMDB e o DEM (partidos que comandam o Planalto, a Câmara e o Senado) e alguns partidos do Centrão (Podemos, PP, PR e PSD). Rede e PSB também teriam sua posição melhorada.

Os principais perdedores seriam os partidos que dominaram a política brasileira nas duas últimas décadas: PT e PSDB.

A aposta de Jucá, nesse caso, é que a base aliada do governo, a ser agraciada com alguns milhões a mais de dinheiro público em 2018, seja suficiente para aprovar o projeto até o fim da semana que vem. Mas será que os partidos perdedores irão deixar?

E o poder dos caciques continua…

O projeto aprovado no Senado também reserva grande poder para os caciques partidários.

Caberá à executiva nacional de cada partido definir o percentual a ser aplicado nas campanhas de presidente, senador, governador, deputados federal e estadual (e, nos outros anos, para prefeitos e vereadores).

Além disso, caberá à executiva definir quanto receberão os candidatos a cada cargo. Se virar lei, o projeto de Jucá determina uma distribuição igualitária de 30% dos recursos recebidos pelos partidos para seus candidatos ao mesmo cargo, mas os outros 70% serão livremente alocados pela executiva nacional.

Nesses tempos em que boa parte do Congresso está na mira da Lava Jato e os parlamentares buscam desesperadamente se reeleger, as cúpulas dos partidos ganharão ainda mais poder – pois a chave do cofre ficará nas suas mãos.

É por essas e outras que é bom desconfiar desses projetos aprovados a toque de caixa para destinar mais recursos públicos para políticos. Malandragem é o que não falta.

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