O E$pírito das Leis https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br Thu, 13 Dec 2018 11:46:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Distritão e dinheirama: a “reforma política” dos políticos da Lava Jato https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/06/29/distritao-e-dinheirama-a-reforma-politica-dos-politicos-da-lava-jato/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/06/29/distritao-e-dinheirama-a-reforma-politica-dos-politicos-da-lava-jato/#respond Thu, 29 Jun 2017 06:00:56 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=59 Proposta de reforma política quer destinar R$ 3,5 bilhões para partidos e criar sistema eleitoral que prejudicará a governabilidade e beneficiará caciques políticos envolvidos com a Operação Lava Jato

“Money don’t get everything it’s true
What it don’t get, I can’t use
Now give me money
That’s what I want”

[Money (that’s what I want) – J. Bradford/B. Gordy Jr.]

Money (That’s what I want) foi composta em 1959 e, na voz de Barrett Strong, tornou-se o primeiro sucesso da gravadora Motown. O hit atravessou o Atlântico e, em 1º de janeiro de 1962, foi uma das canções que John, Paul, George e Pete Best (Ringo só veio depois) submeteram aos executivos da gravadora Decca na tentativa de assinar um contrato. Mas os homens da Decca disseram que os Beatles não tinham futuro porque as bandas de guitarras em breve sairiam de moda. #sqn.

Tentando se redimir de um dos maiores erros da história do show business, no ano seguinte a Decca assinou com os Rolling Stones. E advinha qual foi uma das primeiras gravações de Mick Jagger, Keith Richards e cia? Money! Yeah, that was what all of them wanted!

Ao analisar a atual proposta de reforma política, podemos dizer que dinheiro também é tudo o que os nossos parlamentares querem. Ainda não refeitos do baque da proibição das doações de empresas pelo Supremo Tribunal Federal, deputados e senadores querem a todo custo saciar sua fome de recursos para as campanhas eleitorais.

Conforme relato da Folha, esse assunto foi o prato principal de um jantar oferecido pelo Ministro Gilmar Mendes (STF) a Michel Temer, Rodrigo Maia (DEM/RJ, presidente da Câmara), Eunício Oliveira (PMDB/CE, presidente do Senado), Aécio Neves (PSDB/MG) e um seleto grupo de comensais em março passado. A ideia, àquela altura, era instituir o financiamento público de campanhas, combinado com um sistema de eleição por lista fechada para deputados federais, estaduais e vereadores.

A proposta de Gilmar Mendes foi encampada pelo relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT/SP) [veja aqui o seu terceiro relatório]. Para quem não está por dentro, funcionaria assim: partido definiria em convenção uma lista de candidatos classificados por ordem de preferência. No dia da eleição, nós votaríamos num partido, e não mais num candidato específico. Após a contagem de votos, seria definido o número de cadeiras a que cada legenda teria direito e elas seriam ocupadas pelos candidatos designados na lista do partido. Só para ficar claro, se o hipotético partido PQP recebeu votos suficientes para ter 3 vagas na Câmara dos Deputados, elas seriam ocupadas pelos três primeiros candidatos da sua lista prévia.

Um detalhe importantíssimo: já que o dinheiro das empresas secou, para custear as campanhas seria criado o Fundo de Financiamento da Democracia, composto por R$ 2 bilhões para ser distribuído entre os partidos. Esse dinheiro, claro, virá “do seu, do meu, do nosso” bolso – deve ser por isso que o fundo tem “democracia” no nome.

Não sei se foi porque quase ninguém mais acredita nos partidos ou porque começaram a dizer que a proposta era uma estratégia para manter o foro privilegiado da cúpula do Congresso, mas o fato é que a ideia de lista fechada aparentemente foi abandonada. Enquanto o país acompanha o novo núcleo temático da novela da Lava Jato, o embate entre Temer e Janot, nossos representantes continuam a conversar sobre a reforma política em jantares e almoços. E a bola da vez para resolver o problema dos políticos – e não do país – é o “distritão”.

De acordo com as últimas notícias, parlamentares do governo e da oposição estão selando um pacto para colocar mais dinheiro nas eleições de 2018 (sim, pode faltar dinheiro para emitir passaporte, mas devem estar sobrando R$ 3,5 bilhões para destinar aos políticos nas próximas eleições). De quebra, estão decidindo que a disputa será na base do “ganhou mais votos, levou” –  essa é a lógica do “distritão”.

Na experiência internacional, os países definem as regras de seleção dos parlamentares tendo em vista diferentes objetivos. Alguns privilegiam a escolha de candidatos que, na média, representem o perfil da população e sua diversidade de opiniões políticas; em outros, incentiva-se o vínculo entre os candidatos e a região onde moram.

A depender das regras também podemos ter modelos mais ou menos fáceis de ser compreendidos pelo eleitorado – variável importante neste momento de falta de confiança na política.

Os sistemas eleitorais também têm impactos diretos na governabilidade do Presidente da República, na medida em que podem gerar um Congresso composto por poucos partidos ou fragmentado em inúmeras legendas – situação que eleva consideravelmente o custo de governar, como aprendemos com o Mensalão e a Lava Jato.

Além disso, dependendo das regras do jogo, temos sistemas mais caros ou mais baratos – e mais ou menos permeáveis à influência de grandes doadores privados.

No modelo do “distritão” apenas um desses 5 grandes objetivos (representatividade da população, proximidade com o eleitor, facilidade de compreensão, governabilidade e custo) é atendido.

Se o Congresso optar por ele na atual reforma política, em 2018 serão eleitos os candidatos mais votados em cada Estado, independentemente da votação total de seu partido. Para a população, será fácil entender essa regra – e aí está a sua única vantagem. No mais, o “distritão” agrava todas as mazelas do atual sistema eleitoral brasileiro – esse modelo que produz corrupção, crise de governabilidade e afasta a população da política.

As eleições para a Câmara dos Deputados no Brasil são caríssimas. Disputadas nos Estados, os candidatos têm que fazer campanha em regiões muito grandes, seja em termos de território ou de população. Além disso, quem quiser se tornar deputado federal tem que vencer no voto não apenas os adversários das outras legendas, mas também os colegas do próprio partido ou coligação. No modelo atual, portanto, há um claro incentivo para que se gaste muito na campanha.

É por isso que existe uma relação positiva entre número de votos e doações eleitorais no Brasil – ou seja, as chances de ser eleito aumentam com o total de dinheiro que você consegue arrecadar, o que abre um imenso flanco para corrupção. No gráfico abaixo você consegue visualizar essa associação nas eleições para a Câmara de 2014 – basta selecionar o Estado no filtro e passar o cursor sobre as bolinhas para saber quanto cada candidato

 

Se o Congresso optar pelo “distritão” em 2018, nada disso vai mudar. Aliás, pode até piorar. No sistema atual, as vagas de deputado em cada Estado são distribuídas segundo a soma de votos de todos os candidatos de um partido ou coligação, para daí serem escolhidos os mais votados em cada “time”. Na proposta do “distritão”, valerá o salve-se quem puder – ou seja, os mais votados serão eleitos, independentemente do desempenho agregado do partido.

Assim, o dinheiro ganhará ainda mais importância na campanha, pois a conexão com os votos será potencializada, pois abriremos mão da intermediação dos partidos. Com o “distritão” não importa a força do partido e sim exclusivamente o potencial – financeiro, arrecadatório ou de popularidade – do candidato.

Essa característica do “distritão” certamente levará a um Congresso ainda mais fragmentado a partir de 2019. Na medida em que o peso do partido perderá importância nas eleições, haverá um incentivo para que candidatos fortes migrem para partidos pequenos.

Se o que vale é quem tem mais votos, tanto faz para o milionário “não-político”, a celebridade ou o líder religioso concorrer por um partido grande ou pequeno. Aliás, num partido pequeno seu trabalho será ainda mais fácil, porque não precisará se sujeitar aos mandos e desmandos dos velhos e novos caciques partidários.

A tendência, portanto, será termos ainda mais partidos com representação no Congresso e uma diminuição das bancadas das legendas tradicionais. Em outras palavras, quem quer que vença as eleições presidenciais de 2018, seu trabalho para governar será ainda maior do que agora. Sob esse ponto de vista, esperamos mais crises políticas pela frente.

Eleições mais caras, pouco vínculo com o eleitor (as eleições continuarão sendo disputadas em âmbito estadual) e pior governabilidade não são os únicos defeitos do “distritão”. A combinação de muito dinheiro público (R$ 3,5 bilhões) e a regra do “vence quem ganha mais votos” pode potencializar o grande problema do sistema eleitoral brasileiro: a seleção de parlamentares que não nos representam. E o que é pior: aumentará a probabilidade de reelegermos os políticos enrascados com a Lava Jato.

Como você pode ver no gráfico abaixo, uma das excrecências de nossas regras eleitorais é dar muito poder aos diretórios regionais na distribuição do dinheiro de campanha arrecadado pelos partidos (tanto o recebido do fundo partidário quantos o arrecadado junto a pessoas físicas e, até 2014, empresas). Os caciques regionais detêm ampla liberdade para alocar essa grana entre os candidatos, o que resulta numa distribuição extremamente desigual de recursos. Clique no gráfico abaixo e veja como cada partido repartiu o dinheiro entre os candidatos de cada Estado nas últimas eleições para a Câmara dos Deputados.

 

No modelo que está sendo proposto, os líderes partidários terão R$ 3,5 bilhões para aplicar nas campanhas de seus correligionários, além das doações individuais. De acordo com a sugestão que está atualmente na mesa, 2% desse valor será distribuído igualmente entre todos os partidos e os outros 98% serão alocados conforme a bancada eleita em 2014.

E aí é que está a grande jogada. As maiores bancadas eleitas em 2014 foram, respectivamente, PT (13,3%), PMDB (12,7%), PSDB (10,5%) e, na sequência, PP, PSD, PR e PSB (todos entre 6,6% e 7,4%). Multiplique esses percentuais por R$ 3,5 bilhões e veja quanto cada um vai levar…

Essa montanha de dinheiro a ser recebida pelos grandes partidos – justamente os mais envolvidos com a Lava Jato – será distribuída (em malas, talvez…) pelos líderes dos diretórios estaduais entre os seus candidatos.

Como no “distritão” será eleito quem ganhar mais votos independentemente do desempenho dos outros candidatos do partido, é de se esperar uma disparidade ainda maior na distribuição do dinheiro vindo do tal Fundo de Financiamento da Democracia. E, obviamente, haverá muita gente na mira da Lava Jato que vai fazer de tudo para ficar com um bom quinhão desse dinheiro público para continuar no poder.

Colocar mais dinheiro público e deixar que os partidos distribuam é, portanto, um cheque em branco para i) beneficiar os grandes partidos (que ganharão a maior fatia do bolo) e ii) privilegiar os caciques dos partidos ou seus asseclas mais próximos (justamente os que estão implicados na Lava Jato).

Reforma política (assim como a tributária) é um daqueles temas que todo mundo é a favor, mas na hora do vamos ver dá uma preguiça tremenda de acompanhar, estudar e propor soluções. Quando alguma coisa chega a ser aprovada, quase sempre acaba piorando as coisas – pois só os diretamente interessados é que se envolvem; a população em geral prefere continuar no flaflu entre petralhas e coxinhas nas redes sociais.

Nós estamos numa encruzilhada histórica e nossos parlamentares estão a ponto de aprovar uma reforma política que aumenta a quantidade de dinheiro que poderão gastar nas suas campanhas, beneficiando justamente aqueles que gostaríamos que fossem retirados de lá depois das revelações da Lava Jato.

De quebra, a proposta da “reforma política” proposta pelos políticos pode levar a um Congresso ainda mais fragmentado, menos representativo e com maiores chances de que o critério de eleição seja o dinheiro, a fama ou o tamanho do rebanho religioso – sem, com isso, aumentarmos a responsividade dos políticos ao seu eleitorado.

Temos muitos motivos para deixar de nos preocuparmos com o debate direita e esquerda e unirmos nossas forças para sepultar essa proposta de “distritão” com mais dinheiro público nas campanhas. Aliás, chega de dar dinheiro para os políticos. That’s what I don’t want.

 

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Doações (i)limitadas de campanhas: a lei do mais rico nas eleições brasileiras https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/06/20/doacoes-ilimitadas-de-campanhas-a-lei-do-mais-rico-nas-eleicoes-brasileiras/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/06/20/doacoes-ilimitadas-de-campanhas-a-lei-do-mais-rico-nas-eleicoes-brasileiras/#respond Wed, 21 Jun 2017 01:52:18 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=38 As regras eleitorais que permitem aos candidatos utilizar sua fortuna pessoal para financiar suas campanhas e vinculam as doações privadas à sua renda são injustas, antidemocráticas e estimulam a corrupção

“Às vezes parecia que era só improvisar
E o mundo então seria um livro aberto
Até chegar o dia em que tentamos ter demais
Vendendo fácil o que não tinha preço

Eu sei, é tudo sem sentido
[…]

Nada mais vai me ferir, é que eu já me acostumei
Com a estrada errada que eu segui e com a minha própria lei”

(Andrea Doria – Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá)

 

A promiscuidade entre público e privado no financiamento das eleições no Brasil vem de tempos imemoriais. Para compreender como chegamos até a Lava Jato, e tentar vislumbrar aonde queremos (ou podemos) chegar, vou me concentrar apenas na chamada Nova República (depois de 1985).

Do ponto de vista da legislação sobre doações de campanhas, podemos dividir esse período em três momentos distintos.

Ironicamente, o Brasil emergiu da ditadura militar mantendo as mesmas regras eleitorais da fase autoritária. De acordo com a extinta Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei nº 5.682/1971), eram proibidas as doações de empresas privadas nas eleições.

Esse era o regime que permitiu a eleição de Fernando Collor em 1989. Logo depois, num desses escândalos que de tempos em tempos “abalam a República”, ficamos sabendo que a vedação legal não impediu o uso de recursos empresariais naquela campanha. Se você der uma passada de olhos no Relatório da CPMI do Caso PC Farias, estão lá muitos dos nomes e elementos que vemos hoje na Operação Lava Jato: Odebrecht, Andrade Gutierrez, doleiros, paraísos fiscais, caixa dois, dinheiro para lá e para cá.

Determinado a “acabar com a hipocrisia” e dar mais “moralidade e transparência às campanhas eleitorais” (expressões extraídas do relatório do Caso PC Farias), o Congresso Nacional liberou as doações de empresas para candidatos e partidos – primeiro com a Lei nº 8.713/1993, que regulou as eleições gerais de 1994, e definitivamente com a Lei nº 9.504/1997.

Esse foi o sistema que gerou todos os grandes esquemas de corrupção que temos visto nos últimos anos com as operações Trensalão Tucano, Zelotes, Greenfield, Acrônimo e, claro, a Lava Jato. As evidências obtidas por meio das delações premiadas e das investigações dos órgãos de controle indicam o mesmo roteiro: grandes empresas ofertando propinas, contribuições oficiais e doações via caixa dois para políticos se enriquecerem e se perpetuarem no poder, em troca de favores governamentais (licitações, benefícios fiscais, decisões administrativas favoráveis, crédito barato, etc.). Fazendo a articulação entre os lados da oferta e da demanda por corrupção, uma intrincada rede de doleiros, contas em paraísos fiscais e lobistas.

Buscando por fim nessa “plutocracia” (o governo do dinheiro), o Supremo Tribunal Federal declarou, em 2015, que as doações de empresas eram inconstitucionais. Entramos, então, na atual fase de relacionamento entre dinheiro e eleições no Brasil, em que as campanhas só podem ser custeadas por recursos públicos do Fundo Partidário e por doações de pessoas físicas.

A inauguração dessa nova fase se deu nas eleições municipais de 2016. Não por acaso, o grande nome dessa eleição foi João Doria (PSDB), eleito prefeito de São Paulo ainda no primeiro turno. Para além do marketing e de seu discurso de “gestor” e de “não político”, Doria se beneficiou de uma particularidade da legislação eleitoral brasileira: a possibilidade de utilizar sua fortuna pessoal para cobrir os gastos de sua candidatura.

De acordo com o art. 23 , §§ 1º e 1º-A, da Lei nº 9.504/1997, as pessoas físicas podem destinar até 10% dos rendimentos brutos recebidos no ano anterior para financiar candidatos ou partidos. Se o sujeito for candidato, pode utilizar sua renda e o seu patrimônio até o limite máximo de gastos autorizado pela Justiça Eleitoral.

Essa regra de financiamento de campanhas é extremamente injusta e antidemocrática. Enquanto um assalariado pode doar no máximo R$ 1.249 nas eleições (10% de 12 salários mínimos, mais 13º salário e adicional de férias), Joesley Batista, por exemplo, poderia aplicar até R$ 221.433,33 (10% dos seus rendimentos brutos, conforme cópia da sua declaração de Imposto de Renda anexada no acordo de delação premiada).

No caso de candidatos, a regra é ainda mais desproporcional, pois sequer existe o limite de 10% dos rendimentos do ano anterior. O aspirante a um cargo público pode financiar toda a sua campanha com recursos próprios, desde que respeitado o teto de gastos definido pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Foi essa regra que permitiu que Doria utilizasse R$ 4,4 milhões de seu patrimônio para se tornar prefeito de São Paulo. E ele não foi o que mais gastou. Vitorio Medioli (PHS) desembolsou quase R$ 4,5 milhões para se tornar prefeito de Betim/MG e Rodrigo Pacheco (PMDB) queimou R$ 4,7 milhões na sua tentativa frustrada de se tornar prefeito de Belo Horizonte/MG.

Na lista dos 10 maiores doadores de 2016, figuram Carlos Enrique Amastha (PSB, prefeito de Palmas/TO, R$ 4,4 milhões), Luiz Binotti (PSD, prefeito de Lucas do Rio Verde/MT, R$ 3,2 milhões), Alcides Ribeiro Filho (Professor Alcides, PSDB, candidato derrotado à prefeitura de Aparecida de Goiânia/GO, R$ 2,26 milhões), Vanderlan Vieira Cardoso (PSDB, candidato derrotado à prefeitura de Goiânia/GO, R$ 2,2 milhões) e Alexandre Kalil (PHS, prefeito de Belo Horizonte/MG, R$ 2,2 milhões). Todos empresários e autoproclamados “não-políticos” e “gestores”.

Entre os top 10 do financiamento eleitoral em 2016, apenas dois não estavam na disputa: os gêmeos Pedro e Alexandre Grendene, que aportaram respectivamente R$ 2,48 milhões e R$ 1,82 milhão no último pleito.

Para dar uma dimensão do montante doado, elaborei o quadro abaixo com todas as pessoas físicas que investiram mais de R$ 100.000,00 nas eleições municipais de 2016.

 

Permitir que os mais ricos possam aportar mais dinheiro nas eleições – e, o que é ainda mais grave, que candidatos milionários tenham mais chances de ser eleitos – é uma agressão aos princípios democráticos de nossa Constituição.

Mais do que isso, a regra brasileira que estabelece a própria condição financeira do doador como limite para doações é também uma aberração em termos internacionais.

Para mostrar como os diversos países limitam (ou não) a influência do dinheiro nas eleições, utilizei a base de dados sobre financiamento eleitoral do Instituto para a Democracia e a Assistência Eleitoral (International IDEA, em inglês). O resultado está no mapa abaixo:

 

No mapa acima, classifiquei os países de acordo com dois critérios: i) se permitem ou não doações de empresas para partidos ou candidatos; e ii) se há limites para doações de pessoas físicas e jurídicas.

Comecemos pelos países mais liberais, destacados com a cor verde. São os países que permitem doações de pessoas jurídicas e não impõem limites às contribuições de indivíduos ou empresas. Nesse grupo destacam-se países de tradição anglo-saxã (EUA, Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia), países europeus desenvolvidos (Suécia, Noruega, Alemanha, Holanda, Suíça, Áustria), boa parte da África e a nossa vizinha Venezuela.

Um degrau abaixo no grau de liberalidade no financiamento eleitoral estão os países marcados em laranja. Eles permitem doações de empresas, mas com um teto para o valor a ser aplicado por pessoas físicas e jurídicas nas eleições. É o modelo dominante na América do Sul, na Rússia e no leste europeu, assim como em alguns países desenvolvidos, como Japão, Itália e Finlândia.

O grupo mais restritivo (vermelho), é o dos países que adotam o mesmo sistema que o Brasil escolheu a partir de 2015: vedação de contribuições feitas por empresas, com limites para doações de pessoas físicas. Entre as nações mais relevantes nesse grupo estão Canadá, Coreia, Portugal, Espanha, França e Bélgica, mas também países com histórico de instabilidade política e corrupção, como Grécia, Egito, Tunísia e Afeganistão.

Acontece, porém, que o Brasil pertence ao grupo mais restritivo apenas no papel. Isso se dá porque o tipo de limite que nossa legislação estabelece – baseado na renda do doador – é totalmente diferente dos demais países do mundo que fazem essa opção legislativa. Dê uma olhada na tabela abaixo, elaborada a partir da mesma base de dados do International IDEA [para facilitar a leitura, clique com o botão direito do mouse na tabela e abra-a em outra guia, aumentando o zoom]:

Limites para Doações de Pessoas Físicas e Jurídicas na Experiência Internacional

Como pode ser visto na tabela acima, a maioria dos países estabelece algum tipo de teto nominal para as doações de pessoas físicas e empresas. Esses limites podem ser estabelecidos em termos de um valor máximo (US$ 735 em Trinidad e Tobago, US$ 900 mil no Japão), de “x” salários mínimos (10 na Eslovênia e 5.000 no Paraguai e no Quirguistão) ou como porcentagem do valor máximo de despesas autorizadas para os candidatos (1% na Argentina e 10% na Guatemala e na Mauritânia).

O único país que tem um sistema parecido com o brasileiro, de colocar o limite em termos de um percentual dos ganhos do doador, é a Índia. Ainda assim, ela apresenta um limite bem inferior, pois se baseia no lucro líquido (7,5%, no caso), e não nos rendimentos brutos, como é o caso do Brasil (10%).

Na verdade, a jabuticaba do teto de doações brasileiro é quase como se não houvesse limite à influência do dinheiro nas campanhas eleitorais, principalmente se levarmos em conta os super-ricos. E, se eles são candidatos então… o poder é ainda maior. Doria que o diga.

Ao não dispor de um limite efetivo às doações privadas, é como se o Brasil migrasse para um grupo bastante particular no comparativo internacional: um país com vedação às doações de empresas, mas praticamente sem limite para doações de pessoas físicas (inclusive candidatos). Esse tipo de modelo de financiamento de campanhas é tão pouco significativo que apenas com muito esforço se consegue identificá-lo no mapa acima. Analisando a questão sob esse prisma, deveríamos estar destacados no mapa com a cor rosa, ao lado apenas de Honduras, Libéria e Filipinas – nações com pouca probabilidade de serem que consideradas exemplos a serem seguidos nessa matéria.

A simples adoção deste ou daquele modelo institucional obviamente não é garantia de sucesso no combate à corrupção. O que chama a atenção, no entanto, é como o modelo brasileiro continua permissivo à influência do dinheiro nas eleições, mesmo com a proibição das doações empresariais.

De um lado, vedamos as contribuições de empresas sem dispor de um aparato estatal para punir efetivamente o financiamento ilegal – vide o recente julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE e a proposta de Janot para suspender os processos envolvendo caixa dois na Lava Jato. Por outro, limites baseados na renda do indivíduo favorecem os milionários – sejam eles superdoadores, sejam candidatos. A combinação desses dois fatores estimula a permeabilidade da política ao poder do dinheiro.

Como tudo o que está ruim pode piorar, segundo reportagem da Folha o relator da reforma política na Câmara, Vicente Cândido (PT/SP), pretende propor o aumento do teto para doações de que pessoas físicas (ele será superior a 10% dos rendimentos brutos, portanto). A se confirmar essa tendência, vamos esperar que novos milionários aportem recursos na política brasileira. Roberto Justus e Luciano Huck já ensaiaram alguns passos nessa direção.

Como diria a canção da Legião – por coincidência chamada Andrea Doria, em homenagem ao príncipe da Sereníssima República de Gênova, terra de banqueiros e mercadores – eu já me acostumei com a estrada errada que tomamos e com a nossa própria lei.

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