O E$pírito das Leis https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br Thu, 13 Dec 2018 11:46:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Compra-se tudo, tudo se vende https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/07/21/compra-se-tudo-tudo-se-vende/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/07/21/compra-se-tudo-tudo-se-vende/#respond Fri, 21 Jul 2017 11:48:05 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=105 Tramitação da Medida Provisória que pretendia reduzir os setores beneficiados pela desoneração da folha de pagamentos revela como as leis no Brasil são mal feitas e movidas pelo interesse econômico

Está ao alcance das mãos, experimente
Como é antigo o passado recente
Dentro de mais alguns instantes
De novo tudo igual ao que era antes
[…]
Compra-se tudo, tudo se vende
É conversando que a gente se entende
[…]
Dinheiro é bom, dinheiro é bom até assim
Ainda é muito bom mesmo quando é ruim
Se você não provou, um dia ainda vai provar
É fácil dizer, difícil é acreditar
E quem é que quer ver as coisas como realmente são?

“Qualquer Negócio” (Britto, Miklos, Gavin, Belloto, Mello, Fromer)

 

No último post, demonstrei como a decisão do governo Dilma de migrar a base de tributação das empresas da folha salarial para o faturamento – conhecida popularmente como desoneração da folha de pagamentos – tornou-se um grande negócio para diversos setores e um problema fiscal bilionário que afeta o financiamento da Previdência Social.

O roteiro é bastante típico da forma como fazemos políticas públicas no Brasil, principalmente aquelas relacionadas a incentivos fiscais: i) pega-se uma ideia que pode até ser boa, ii) edita-se uma medida provisória sem nenhum estudo sério sobre suas consequências, iii) a MP é desvirtuada no Congresso para ampliar seus benefícios ou beneficiários e iv) depois de virar lei, editam-se outras MPs para prorrogar prazos de vigência e aumentar ainda mais os incentivos e quem tem direito a recebê-los.

No caso da desoneração da folha de pagamentos, a ideia inicial era que atendesse 6 setores e gerasse um impacto fiscal de R$ 1,43 bilhão por ano a partir de 2012. No final de 2015 já eram mais de 50 os segmentos contemplados e a conta paga por todos nós chegou a R$ 25 bilhões anuais.

O propósito deste texto é demonstrar como é difícil desarmar essas bombas fiscais que são criadas para atender ao interesse de alguns, com o pagamento a cargo de milhões de contribuintes.

Joaquim Levy, ministro da Fazenda de Dilma 2, bem que tentou. A duras penas, aprovou a Lei nº 13.161/2015, aumentou as alíquotas e reduziu o rombo para R$ 15 bilhões em 2016.

Agora é a vez de Henrique Meirelles, ministro da Fazenda de Temer: editou a Medida Provisória nº 774/2017, retirando dezenas de setores do sistema de desoneração da folha de pagamentos. Seu plano era reduzir o rombo da desoneração fiscal para menos de R$ 10 bilhões neste ano e abaixo de R$ 2 bilhões em 2018. Ou seja, voltaríamos ao plano original lá de 2011.

De acordo com a Exposição de Motivos apresentada pelo Ministro da Fazenda ao Presidente da República para justificar a MP, a restrição da desoneração deve-se a “necessidade de redução do déficit da Previdência Social pela via da redução do gasto tributário, com o consequente aumento da arrecadação”.

Pela leitura desse documento, aliás, vê-se que continuamos tomando medidas importantes sem o necessário estudo prévio – ou, se ele existe, não é transparente e passível de debate pela sociedade.

A Exposição de Motivos, exigida pela legislação para dar satisfação ao público quanto aos requisitos de “urgência” e “relevância” de uma MP, é lacônica (oito parágrafos curtos), não faz menção a qualquer análise técnica e não apresenta justificativas para a escolha dos setores que vão continuar com a desoneração na folha.

Sobre esse aspecto, os dados disponibilizados pela Receita Federal aqui revelam que a geração de emprego parece não ter sido o critério dominante para se manter a desoneração para os setores de transporte terrestre, construção civil e infraestrutura e empresas jornalísticas, em detrimento dos demais. No gráfico abaixo, o tamanho dos polígonos representa o volume de empregados afetados pela medida em cada setor, sendo que a cor verde demonstra aqueles que continuarão tendo direito à desoneração da folha salarial:

 

 

Da mesma forma, tampouco a renúncia fiscal parece ser a razão dominante para a escolha feita pelo governo de preservar alguns setores e acabar com a desoneração de outros:

Mesmo relevando essa falha do governo em realizar estudos prévios ou, talvez, não torná-los públicos, a intenção de rever a desoneração da folha neste cenário de grave crise fiscal é bem-vinda.

Mas querer não é poder. Do outro lado existem interesses muito bem organizados e articulados com quem realmente decide: nossos representantes no Congresso. Pera lá! Representantes de quem?!?!?!

Analisando a tramitação da MP nº 774 no Congresso, é possível concluir, mais uma vez, como o processo de elaboração das leis brasileiras é extremamente permeável à ação de grupos de interesses econômicos. E é importante deixar claro como tudo isso é realizado sob um verniz de democracia e participação social.

Tome-se o caso da audiência pública realizada para discutir a matéria. Observando-se a lista dos participantes, vemos a predominância de representantes dos setores prejudicados pela extinção da desoneração da folha de pagamentos. Convidados pelos parlamentares, esses empresários ou representantes de entidades de representação empresarial têm uma grande oportunidade de estar frente a frente com os parlamentares e ter voz ativa no processo legislativo – vozes que são amplificadas pela cobertura da mídia no Congresso e pelas transmissões da TV Câmara e TV Senado.

Da relação de 11 participantes da audiência pública, apenas um do governo (Receita Federal) e dois representantes dos trabalhadores. Vê-se, portanto, como as audiências públicas no Congresso são um simulacro de canal de participação social, uma vez que a distribuição de suas vagas é extremamente desigual, sendo favorecidos os grupos com maior articulação e acesso aos parlamentares.

Aliás, a apresentação do Coordenador-adjunto do Dieese foi a única a transmitir uma visão relativamente abrangente da questão em debate, revelando como a desoneração da folha de pagamentos não tem efeitos claros sobre a geração de empregos tanto na experiência internacional quanto nos poucos estudos sérios realizados sobre o tema no Brasil até o momento. As demais foram falas interessadas dos setores afetados, com visões catastrofistas sobre os impactos da MP sobre o emprego e a produção – tudo para justificar a manutenção do incentivo.

Outro mito da democracia brasileira desmascarado pelos dados da tramitação legislativa é o da representatividade: em geral os parlamentares são representantes de setores específicos, e não do seu eleitorado ou – suprema ilusão! – da população em geral.

Tome-se o caso das emendas propostas pelos deputados com o objetivo de alterar o texto da MP nº 774. Das 90 emendas propostas, 67 destinavam-se explicitamente (sim, caro(a) leitor(a), eu li todas as emendas!!!) a beneficiar determinado setor, mantendo seu direito à desoneração da folha.

Frise-se que essas emendas não foram propostas com base em critérios técnicos: nas justificativas às emendas não há menção a estudos confiáveis sobre a relação custo-benefício da medida, donde se conclui que o propósito era simplesmente manter o privilégio.

A situação fica mais complicada quando verificamos que, em geral, há um estreito vínculo prévio entre o parlamentar que propõe a emenda e o setor beneficiado por ela.

Como pode ser visto na tabela abaixo, na maioria das vezes o senador ou deputado que propõe uma emenda destinada a manter a desoneração para um setor já tem um relacionamento com ele. Essa relação é expressa tanto em termos de uma participação em frentes parlamentares de apoio ao segmento (as famosas “bancadas” empresariais) ou, pela via mais direta, doações de campanha vindas de empresas que atuam naquele ramo.

 

Fonte: Dados coletados pelo autor, a partir de informações das páginas da Câmara, do Senado e do TSE.

Na tabela acima pode-se ver emenda de deputado que recebeu doações da Embraer propondo a manutenção da desoneração para a indústria aeronáutica, parlamentar que é presidente da Frente de Apoio ao Setor Calçadista defendendo a continuidade do benefício para as empresas do setor de calçados e couros, emendas voltadas para o setor frigorífico – carnes e derivados, suínos e avicultura – sendo propostas por congressistas da frente ruralista que receberam doações da JBS e da BR Foods (Sadia, Perdigão e etc).

E por aí vai… as evidências indicam que o processo legislativo é dominado por uma relação íntima entre parlamentares e o setor empresarial, construído ao longo do mandato – as frentes parlamentares são uma indicação disso – ou que já vem desde a campanha, por meio do financiamento eleitoral.

No caso em questão não houve nenhuma emenda propondo melhorar o sistema de desoneração, aperfeiçoando seus mecanismos de funcionamento ou eliminando eventuais distorções. A discussão se pautou apenas para tentar manter o incentivo fiscal para este ou aquele setor.

Aliás, quanto mais analiso os dados de comportamento parlamentar mais eu me convenço que ele é pautado estritamente pelo vínculo entre políticos e empresários. Proposição de projetos, relatorias, apresentação de emendas, votação em plenário, etc. não são frutos do debate de ideias, mas sim da retribuição por apoio financeiro nas campanhas ou pela expectativa de recebimento no futuro.

A tramitação da MP nº 774/2017 ainda não terminou. O parecer apresentado pelo relator, senador Airton Sandoval (PMDB/SP, suplente de Aloysio Nunes Ferreira), ainda será debatido em Plenário e, se aprovado, seguirá para o Senado. Mas já podemos ver que a toada é a mesma. As emendas acatadas restituem a desoneração para os principais setores – têxteis, calçados, couro, tecnologia da informação e comunicação e call centers – e ainda inclui as chamadas “empresas estratégicas de defesa”.

Não é por acaso que os setores reincluídos na desoneração estiveram presentes na audiência pública. E certamente não deve ser por acaso que os novos beneficiários (o parecer cita nominalmente a Embraer, a Iveco e a Avibrás) foram colocadas lá.

Como diria a canção dos Titãs que abre este artigo, no processo legislativo brasileiro “tudo se compra, tudo se vende; é conversando que a gente se entende”. “De novo tudo igual ao que era antes”.

 

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O “grande acordo nacional” passa pela reforma política https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/07/06/o-grande-acordo-nacional-passa-pela-reforma-politica/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/07/06/o-grande-acordo-nacional-passa-pela-reforma-politica/#respond Fri, 07 Jul 2017 02:11:32 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=81 A esta altura do campeonato já está claro que a “Operação Machado-Jucá” encontra-se em curso acelerado. Para quem não se lembra, trata-se do diálogo entre o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, e o senador Romero Jucá para fazer “um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional”, “com o Supremo, com tudo”, porque “aí parava tudo”, “delimitava onde está, pronto”.

Nas últimas semanas, tivemos a absolvição da chapa Dilma-Temer por “excesso de provas”, a Segunda Turma do STF concedendo habeas corpus para libertar várias figuras sob prisão preventiva (Genu, Bumlai, Eike Batista, José Dirceu), a indicação ultra-rápida de uma nova Procuradora-Geral da República que não é alinhada com o atual chefe do MP (e, por tabela, da Lava Jato) Rodrigo Janot, a sucessão de decisões do Supremo e do Senado aliviando a barra de Aécio Neves e sua família, a decisão da Polícia Federal de encerrar as atividades da sua força-tarefa na Lava Jato em Curitiba…

O processo está tão engrenado que nem a peça central do plano Machado-Jucá parece tão imprescindível assim, uma vez que crescem as movimentações para que Rodrigo Maia, o Botafogo, substitua Michel Temer, que se mostra menor a cada dia.

Nesse cenário, a aprovação de uma nova reforma política se prestaria a garantir que tudo continue como dantes no quartel de Abrantes.

No último post deste blog defendi que a proposta de criação do “distritão” e de um fundo de R$ 3,5 bilhões para financiar as campanhas eleitorais é uma estratégia de sobrevivência dos políticos enrolados com a Operação Lava Jato.

A lógica é simples: como os partidos receberão uma bolada de recursos públicos para gastar nas eleições e os caciques regionais continuarão tendo liberdade para distribuir o dinheiro entre os candidatos, é muito provável que os maiores beneficiados sejam eles mesmos. Com isso, aumentam suas chances de reeleição e, assim, permanecem com todas as regalias, proteções e, o que é mais importante, o foro privilegiado – pois do jeito que as coisas vão ele não será extinto nunca.

Para ilustrar meu raciocínio, fiz um gráfico mostrando como os partidos distribuíram seus recursos de forma extremamente desigual entre os candidatos de cada Estado nas eleições de 2014, com um detalhe importante: destaquei os deputados federais envolvidos na Lava Jato, segundo levantamento feito pela Folha.

No gráfico acima as bolinhas representam, em cada Estado, o valor repassado pelos partidos políticos a seus candidatos. Vê-se que há uma disparidade imensa, com alguns poucos privilegiados recebendo valores extraordinários – Benito Gama (PTB/BA) é o campeão, com quase R$ 6 milhões – e a maioria recebendo muito pouco, ou nada.

Em amarelo estão destacados os deputados federais investigados na Lava Jato por receber propinas ou dinheiro de caixa dois. Como pode ser visto, a maioria deles figura entre os principais beneficiários na partilha de recursos arrecadados pelos partidos.

Se você tiver a curiosidade de analisar a situação por partido (selecionando na caixa no topo do gráfico), vai ver que muitos dos artífices do “grande acordo nacional” estão nesse grupo: Eduardo Cunha (o pai do impeachment), o próprio Rodrigo Maia, Rodrigo Rocha Loures (o da mala de dinheiro, à época um dos braços direitos de Temer), Paulinho da Força, Bruno Araújo (PSDB/PE, ministro das Cidades, o homem do “sim” decisivo no impeachment), além de figuras proeminentes da oposição que estão se prestando a esse papel, como Vicente Cândido (PT/SP, relator da reforma política) e Carlos Zarattini (PT/SP).

Todos eles investigados.

Todos eles de olho na bolada de recursos públicos que será destinada aos partidos caso a reforma política seja aprovada.

Todos eles buscando a reeleição e a manutenção do foro privilegiado.

Todos eles personagens-chave no “grande acordo nacional” para barrar a Lava Jato.

Essa é a reforma política do projeto Machado-Jucá. “Pra parar tudo”. Pra “estancar a sangria”. “Pra chegar do outro lado da margem”.

Caro(a) leitor(a), não se perca no noticiário frenético da política. Não desperdice seu ímpeto cívico atacando petralhas ou coxinhas. Preste atenção na reforma política – o diabo mora nos detalhes.

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Distritão e dinheirama: a “reforma política” dos políticos da Lava Jato https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/06/29/distritao-e-dinheirama-a-reforma-politica-dos-politicos-da-lava-jato/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/06/29/distritao-e-dinheirama-a-reforma-politica-dos-politicos-da-lava-jato/#respond Thu, 29 Jun 2017 06:00:56 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=59 Proposta de reforma política quer destinar R$ 3,5 bilhões para partidos e criar sistema eleitoral que prejudicará a governabilidade e beneficiará caciques políticos envolvidos com a Operação Lava Jato

“Money don’t get everything it’s true
What it don’t get, I can’t use
Now give me money
That’s what I want”

[Money (that’s what I want) – J. Bradford/B. Gordy Jr.]

Money (That’s what I want) foi composta em 1959 e, na voz de Barrett Strong, tornou-se o primeiro sucesso da gravadora Motown. O hit atravessou o Atlântico e, em 1º de janeiro de 1962, foi uma das canções que John, Paul, George e Pete Best (Ringo só veio depois) submeteram aos executivos da gravadora Decca na tentativa de assinar um contrato. Mas os homens da Decca disseram que os Beatles não tinham futuro porque as bandas de guitarras em breve sairiam de moda. #sqn.

Tentando se redimir de um dos maiores erros da história do show business, no ano seguinte a Decca assinou com os Rolling Stones. E advinha qual foi uma das primeiras gravações de Mick Jagger, Keith Richards e cia? Money! Yeah, that was what all of them wanted!

Ao analisar a atual proposta de reforma política, podemos dizer que dinheiro também é tudo o que os nossos parlamentares querem. Ainda não refeitos do baque da proibição das doações de empresas pelo Supremo Tribunal Federal, deputados e senadores querem a todo custo saciar sua fome de recursos para as campanhas eleitorais.

Conforme relato da Folha, esse assunto foi o prato principal de um jantar oferecido pelo Ministro Gilmar Mendes (STF) a Michel Temer, Rodrigo Maia (DEM/RJ, presidente da Câmara), Eunício Oliveira (PMDB/CE, presidente do Senado), Aécio Neves (PSDB/MG) e um seleto grupo de comensais em março passado. A ideia, àquela altura, era instituir o financiamento público de campanhas, combinado com um sistema de eleição por lista fechada para deputados federais, estaduais e vereadores.

A proposta de Gilmar Mendes foi encampada pelo relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT/SP) [veja aqui o seu terceiro relatório]. Para quem não está por dentro, funcionaria assim: partido definiria em convenção uma lista de candidatos classificados por ordem de preferência. No dia da eleição, nós votaríamos num partido, e não mais num candidato específico. Após a contagem de votos, seria definido o número de cadeiras a que cada legenda teria direito e elas seriam ocupadas pelos candidatos designados na lista do partido. Só para ficar claro, se o hipotético partido PQP recebeu votos suficientes para ter 3 vagas na Câmara dos Deputados, elas seriam ocupadas pelos três primeiros candidatos da sua lista prévia.

Um detalhe importantíssimo: já que o dinheiro das empresas secou, para custear as campanhas seria criado o Fundo de Financiamento da Democracia, composto por R$ 2 bilhões para ser distribuído entre os partidos. Esse dinheiro, claro, virá “do seu, do meu, do nosso” bolso – deve ser por isso que o fundo tem “democracia” no nome.

Não sei se foi porque quase ninguém mais acredita nos partidos ou porque começaram a dizer que a proposta era uma estratégia para manter o foro privilegiado da cúpula do Congresso, mas o fato é que a ideia de lista fechada aparentemente foi abandonada. Enquanto o país acompanha o novo núcleo temático da novela da Lava Jato, o embate entre Temer e Janot, nossos representantes continuam a conversar sobre a reforma política em jantares e almoços. E a bola da vez para resolver o problema dos políticos – e não do país – é o “distritão”.

De acordo com as últimas notícias, parlamentares do governo e da oposição estão selando um pacto para colocar mais dinheiro nas eleições de 2018 (sim, pode faltar dinheiro para emitir passaporte, mas devem estar sobrando R$ 3,5 bilhões para destinar aos políticos nas próximas eleições). De quebra, estão decidindo que a disputa será na base do “ganhou mais votos, levou” –  essa é a lógica do “distritão”.

Na experiência internacional, os países definem as regras de seleção dos parlamentares tendo em vista diferentes objetivos. Alguns privilegiam a escolha de candidatos que, na média, representem o perfil da população e sua diversidade de opiniões políticas; em outros, incentiva-se o vínculo entre os candidatos e a região onde moram.

A depender das regras também podemos ter modelos mais ou menos fáceis de ser compreendidos pelo eleitorado – variável importante neste momento de falta de confiança na política.

Os sistemas eleitorais também têm impactos diretos na governabilidade do Presidente da República, na medida em que podem gerar um Congresso composto por poucos partidos ou fragmentado em inúmeras legendas – situação que eleva consideravelmente o custo de governar, como aprendemos com o Mensalão e a Lava Jato.

Além disso, dependendo das regras do jogo, temos sistemas mais caros ou mais baratos – e mais ou menos permeáveis à influência de grandes doadores privados.

No modelo do “distritão” apenas um desses 5 grandes objetivos (representatividade da população, proximidade com o eleitor, facilidade de compreensão, governabilidade e custo) é atendido.

Se o Congresso optar por ele na atual reforma política, em 2018 serão eleitos os candidatos mais votados em cada Estado, independentemente da votação total de seu partido. Para a população, será fácil entender essa regra – e aí está a sua única vantagem. No mais, o “distritão” agrava todas as mazelas do atual sistema eleitoral brasileiro – esse modelo que produz corrupção, crise de governabilidade e afasta a população da política.

As eleições para a Câmara dos Deputados no Brasil são caríssimas. Disputadas nos Estados, os candidatos têm que fazer campanha em regiões muito grandes, seja em termos de território ou de população. Além disso, quem quiser se tornar deputado federal tem que vencer no voto não apenas os adversários das outras legendas, mas também os colegas do próprio partido ou coligação. No modelo atual, portanto, há um claro incentivo para que se gaste muito na campanha.

É por isso que existe uma relação positiva entre número de votos e doações eleitorais no Brasil – ou seja, as chances de ser eleito aumentam com o total de dinheiro que você consegue arrecadar, o que abre um imenso flanco para corrupção. No gráfico abaixo você consegue visualizar essa associação nas eleições para a Câmara de 2014 – basta selecionar o Estado no filtro e passar o cursor sobre as bolinhas para saber quanto cada candidato

 

Se o Congresso optar pelo “distritão” em 2018, nada disso vai mudar. Aliás, pode até piorar. No sistema atual, as vagas de deputado em cada Estado são distribuídas segundo a soma de votos de todos os candidatos de um partido ou coligação, para daí serem escolhidos os mais votados em cada “time”. Na proposta do “distritão”, valerá o salve-se quem puder – ou seja, os mais votados serão eleitos, independentemente do desempenho agregado do partido.

Assim, o dinheiro ganhará ainda mais importância na campanha, pois a conexão com os votos será potencializada, pois abriremos mão da intermediação dos partidos. Com o “distritão” não importa a força do partido e sim exclusivamente o potencial – financeiro, arrecadatório ou de popularidade – do candidato.

Essa característica do “distritão” certamente levará a um Congresso ainda mais fragmentado a partir de 2019. Na medida em que o peso do partido perderá importância nas eleições, haverá um incentivo para que candidatos fortes migrem para partidos pequenos.

Se o que vale é quem tem mais votos, tanto faz para o milionário “não-político”, a celebridade ou o líder religioso concorrer por um partido grande ou pequeno. Aliás, num partido pequeno seu trabalho será ainda mais fácil, porque não precisará se sujeitar aos mandos e desmandos dos velhos e novos caciques partidários.

A tendência, portanto, será termos ainda mais partidos com representação no Congresso e uma diminuição das bancadas das legendas tradicionais. Em outras palavras, quem quer que vença as eleições presidenciais de 2018, seu trabalho para governar será ainda maior do que agora. Sob esse ponto de vista, esperamos mais crises políticas pela frente.

Eleições mais caras, pouco vínculo com o eleitor (as eleições continuarão sendo disputadas em âmbito estadual) e pior governabilidade não são os únicos defeitos do “distritão”. A combinação de muito dinheiro público (R$ 3,5 bilhões) e a regra do “vence quem ganha mais votos” pode potencializar o grande problema do sistema eleitoral brasileiro: a seleção de parlamentares que não nos representam. E o que é pior: aumentará a probabilidade de reelegermos os políticos enrascados com a Lava Jato.

Como você pode ver no gráfico abaixo, uma das excrecências de nossas regras eleitorais é dar muito poder aos diretórios regionais na distribuição do dinheiro de campanha arrecadado pelos partidos (tanto o recebido do fundo partidário quantos o arrecadado junto a pessoas físicas e, até 2014, empresas). Os caciques regionais detêm ampla liberdade para alocar essa grana entre os candidatos, o que resulta numa distribuição extremamente desigual de recursos. Clique no gráfico abaixo e veja como cada partido repartiu o dinheiro entre os candidatos de cada Estado nas últimas eleições para a Câmara dos Deputados.

 

No modelo que está sendo proposto, os líderes partidários terão R$ 3,5 bilhões para aplicar nas campanhas de seus correligionários, além das doações individuais. De acordo com a sugestão que está atualmente na mesa, 2% desse valor será distribuído igualmente entre todos os partidos e os outros 98% serão alocados conforme a bancada eleita em 2014.

E aí é que está a grande jogada. As maiores bancadas eleitas em 2014 foram, respectivamente, PT (13,3%), PMDB (12,7%), PSDB (10,5%) e, na sequência, PP, PSD, PR e PSB (todos entre 6,6% e 7,4%). Multiplique esses percentuais por R$ 3,5 bilhões e veja quanto cada um vai levar…

Essa montanha de dinheiro a ser recebida pelos grandes partidos – justamente os mais envolvidos com a Lava Jato – será distribuída (em malas, talvez…) pelos líderes dos diretórios estaduais entre os seus candidatos.

Como no “distritão” será eleito quem ganhar mais votos independentemente do desempenho dos outros candidatos do partido, é de se esperar uma disparidade ainda maior na distribuição do dinheiro vindo do tal Fundo de Financiamento da Democracia. E, obviamente, haverá muita gente na mira da Lava Jato que vai fazer de tudo para ficar com um bom quinhão desse dinheiro público para continuar no poder.

Colocar mais dinheiro público e deixar que os partidos distribuam é, portanto, um cheque em branco para i) beneficiar os grandes partidos (que ganharão a maior fatia do bolo) e ii) privilegiar os caciques dos partidos ou seus asseclas mais próximos (justamente os que estão implicados na Lava Jato).

Reforma política (assim como a tributária) é um daqueles temas que todo mundo é a favor, mas na hora do vamos ver dá uma preguiça tremenda de acompanhar, estudar e propor soluções. Quando alguma coisa chega a ser aprovada, quase sempre acaba piorando as coisas – pois só os diretamente interessados é que se envolvem; a população em geral prefere continuar no flaflu entre petralhas e coxinhas nas redes sociais.

Nós estamos numa encruzilhada histórica e nossos parlamentares estão a ponto de aprovar uma reforma política que aumenta a quantidade de dinheiro que poderão gastar nas suas campanhas, beneficiando justamente aqueles que gostaríamos que fossem retirados de lá depois das revelações da Lava Jato.

De quebra, a proposta da “reforma política” proposta pelos políticos pode levar a um Congresso ainda mais fragmentado, menos representativo e com maiores chances de que o critério de eleição seja o dinheiro, a fama ou o tamanho do rebanho religioso – sem, com isso, aumentarmos a responsividade dos políticos ao seu eleitorado.

Temos muitos motivos para deixar de nos preocuparmos com o debate direita e esquerda e unirmos nossas forças para sepultar essa proposta de “distritão” com mais dinheiro público nas campanhas. Aliás, chega de dar dinheiro para os políticos. That’s what I don’t want.

 

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Doações (i)limitadas de campanhas: a lei do mais rico nas eleições brasileiras https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/06/20/doacoes-ilimitadas-de-campanhas-a-lei-do-mais-rico-nas-eleicoes-brasileiras/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/06/20/doacoes-ilimitadas-de-campanhas-a-lei-do-mais-rico-nas-eleicoes-brasileiras/#respond Wed, 21 Jun 2017 01:52:18 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=38 As regras eleitorais que permitem aos candidatos utilizar sua fortuna pessoal para financiar suas campanhas e vinculam as doações privadas à sua renda são injustas, antidemocráticas e estimulam a corrupção

“Às vezes parecia que era só improvisar
E o mundo então seria um livro aberto
Até chegar o dia em que tentamos ter demais
Vendendo fácil o que não tinha preço

Eu sei, é tudo sem sentido
[…]

Nada mais vai me ferir, é que eu já me acostumei
Com a estrada errada que eu segui e com a minha própria lei”

(Andrea Doria – Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá)

 

A promiscuidade entre público e privado no financiamento das eleições no Brasil vem de tempos imemoriais. Para compreender como chegamos até a Lava Jato, e tentar vislumbrar aonde queremos (ou podemos) chegar, vou me concentrar apenas na chamada Nova República (depois de 1985).

Do ponto de vista da legislação sobre doações de campanhas, podemos dividir esse período em três momentos distintos.

Ironicamente, o Brasil emergiu da ditadura militar mantendo as mesmas regras eleitorais da fase autoritária. De acordo com a extinta Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei nº 5.682/1971), eram proibidas as doações de empresas privadas nas eleições.

Esse era o regime que permitiu a eleição de Fernando Collor em 1989. Logo depois, num desses escândalos que de tempos em tempos “abalam a República”, ficamos sabendo que a vedação legal não impediu o uso de recursos empresariais naquela campanha. Se você der uma passada de olhos no Relatório da CPMI do Caso PC Farias, estão lá muitos dos nomes e elementos que vemos hoje na Operação Lava Jato: Odebrecht, Andrade Gutierrez, doleiros, paraísos fiscais, caixa dois, dinheiro para lá e para cá.

Determinado a “acabar com a hipocrisia” e dar mais “moralidade e transparência às campanhas eleitorais” (expressões extraídas do relatório do Caso PC Farias), o Congresso Nacional liberou as doações de empresas para candidatos e partidos – primeiro com a Lei nº 8.713/1993, que regulou as eleições gerais de 1994, e definitivamente com a Lei nº 9.504/1997.

Esse foi o sistema que gerou todos os grandes esquemas de corrupção que temos visto nos últimos anos com as operações Trensalão Tucano, Zelotes, Greenfield, Acrônimo e, claro, a Lava Jato. As evidências obtidas por meio das delações premiadas e das investigações dos órgãos de controle indicam o mesmo roteiro: grandes empresas ofertando propinas, contribuições oficiais e doações via caixa dois para políticos se enriquecerem e se perpetuarem no poder, em troca de favores governamentais (licitações, benefícios fiscais, decisões administrativas favoráveis, crédito barato, etc.). Fazendo a articulação entre os lados da oferta e da demanda por corrupção, uma intrincada rede de doleiros, contas em paraísos fiscais e lobistas.

Buscando por fim nessa “plutocracia” (o governo do dinheiro), o Supremo Tribunal Federal declarou, em 2015, que as doações de empresas eram inconstitucionais. Entramos, então, na atual fase de relacionamento entre dinheiro e eleições no Brasil, em que as campanhas só podem ser custeadas por recursos públicos do Fundo Partidário e por doações de pessoas físicas.

A inauguração dessa nova fase se deu nas eleições municipais de 2016. Não por acaso, o grande nome dessa eleição foi João Doria (PSDB), eleito prefeito de São Paulo ainda no primeiro turno. Para além do marketing e de seu discurso de “gestor” e de “não político”, Doria se beneficiou de uma particularidade da legislação eleitoral brasileira: a possibilidade de utilizar sua fortuna pessoal para cobrir os gastos de sua candidatura.

De acordo com o art. 23 , §§ 1º e 1º-A, da Lei nº 9.504/1997, as pessoas físicas podem destinar até 10% dos rendimentos brutos recebidos no ano anterior para financiar candidatos ou partidos. Se o sujeito for candidato, pode utilizar sua renda e o seu patrimônio até o limite máximo de gastos autorizado pela Justiça Eleitoral.

Essa regra de financiamento de campanhas é extremamente injusta e antidemocrática. Enquanto um assalariado pode doar no máximo R$ 1.249 nas eleições (10% de 12 salários mínimos, mais 13º salário e adicional de férias), Joesley Batista, por exemplo, poderia aplicar até R$ 221.433,33 (10% dos seus rendimentos brutos, conforme cópia da sua declaração de Imposto de Renda anexada no acordo de delação premiada).

No caso de candidatos, a regra é ainda mais desproporcional, pois sequer existe o limite de 10% dos rendimentos do ano anterior. O aspirante a um cargo público pode financiar toda a sua campanha com recursos próprios, desde que respeitado o teto de gastos definido pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Foi essa regra que permitiu que Doria utilizasse R$ 4,4 milhões de seu patrimônio para se tornar prefeito de São Paulo. E ele não foi o que mais gastou. Vitorio Medioli (PHS) desembolsou quase R$ 4,5 milhões para se tornar prefeito de Betim/MG e Rodrigo Pacheco (PMDB) queimou R$ 4,7 milhões na sua tentativa frustrada de se tornar prefeito de Belo Horizonte/MG.

Na lista dos 10 maiores doadores de 2016, figuram Carlos Enrique Amastha (PSB, prefeito de Palmas/TO, R$ 4,4 milhões), Luiz Binotti (PSD, prefeito de Lucas do Rio Verde/MT, R$ 3,2 milhões), Alcides Ribeiro Filho (Professor Alcides, PSDB, candidato derrotado à prefeitura de Aparecida de Goiânia/GO, R$ 2,26 milhões), Vanderlan Vieira Cardoso (PSDB, candidato derrotado à prefeitura de Goiânia/GO, R$ 2,2 milhões) e Alexandre Kalil (PHS, prefeito de Belo Horizonte/MG, R$ 2,2 milhões). Todos empresários e autoproclamados “não-políticos” e “gestores”.

Entre os top 10 do financiamento eleitoral em 2016, apenas dois não estavam na disputa: os gêmeos Pedro e Alexandre Grendene, que aportaram respectivamente R$ 2,48 milhões e R$ 1,82 milhão no último pleito.

Para dar uma dimensão do montante doado, elaborei o quadro abaixo com todas as pessoas físicas que investiram mais de R$ 100.000,00 nas eleições municipais de 2016.

 

Permitir que os mais ricos possam aportar mais dinheiro nas eleições – e, o que é ainda mais grave, que candidatos milionários tenham mais chances de ser eleitos – é uma agressão aos princípios democráticos de nossa Constituição.

Mais do que isso, a regra brasileira que estabelece a própria condição financeira do doador como limite para doações é também uma aberração em termos internacionais.

Para mostrar como os diversos países limitam (ou não) a influência do dinheiro nas eleições, utilizei a base de dados sobre financiamento eleitoral do Instituto para a Democracia e a Assistência Eleitoral (International IDEA, em inglês). O resultado está no mapa abaixo:

 

No mapa acima, classifiquei os países de acordo com dois critérios: i) se permitem ou não doações de empresas para partidos ou candidatos; e ii) se há limites para doações de pessoas físicas e jurídicas.

Comecemos pelos países mais liberais, destacados com a cor verde. São os países que permitem doações de pessoas jurídicas e não impõem limites às contribuições de indivíduos ou empresas. Nesse grupo destacam-se países de tradição anglo-saxã (EUA, Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia), países europeus desenvolvidos (Suécia, Noruega, Alemanha, Holanda, Suíça, Áustria), boa parte da África e a nossa vizinha Venezuela.

Um degrau abaixo no grau de liberalidade no financiamento eleitoral estão os países marcados em laranja. Eles permitem doações de empresas, mas com um teto para o valor a ser aplicado por pessoas físicas e jurídicas nas eleições. É o modelo dominante na América do Sul, na Rússia e no leste europeu, assim como em alguns países desenvolvidos, como Japão, Itália e Finlândia.

O grupo mais restritivo (vermelho), é o dos países que adotam o mesmo sistema que o Brasil escolheu a partir de 2015: vedação de contribuições feitas por empresas, com limites para doações de pessoas físicas. Entre as nações mais relevantes nesse grupo estão Canadá, Coreia, Portugal, Espanha, França e Bélgica, mas também países com histórico de instabilidade política e corrupção, como Grécia, Egito, Tunísia e Afeganistão.

Acontece, porém, que o Brasil pertence ao grupo mais restritivo apenas no papel. Isso se dá porque o tipo de limite que nossa legislação estabelece – baseado na renda do doador – é totalmente diferente dos demais países do mundo que fazem essa opção legislativa. Dê uma olhada na tabela abaixo, elaborada a partir da mesma base de dados do International IDEA [para facilitar a leitura, clique com o botão direito do mouse na tabela e abra-a em outra guia, aumentando o zoom]:

Limites para Doações de Pessoas Físicas e Jurídicas na Experiência Internacional

Como pode ser visto na tabela acima, a maioria dos países estabelece algum tipo de teto nominal para as doações de pessoas físicas e empresas. Esses limites podem ser estabelecidos em termos de um valor máximo (US$ 735 em Trinidad e Tobago, US$ 900 mil no Japão), de “x” salários mínimos (10 na Eslovênia e 5.000 no Paraguai e no Quirguistão) ou como porcentagem do valor máximo de despesas autorizadas para os candidatos (1% na Argentina e 10% na Guatemala e na Mauritânia).

O único país que tem um sistema parecido com o brasileiro, de colocar o limite em termos de um percentual dos ganhos do doador, é a Índia. Ainda assim, ela apresenta um limite bem inferior, pois se baseia no lucro líquido (7,5%, no caso), e não nos rendimentos brutos, como é o caso do Brasil (10%).

Na verdade, a jabuticaba do teto de doações brasileiro é quase como se não houvesse limite à influência do dinheiro nas campanhas eleitorais, principalmente se levarmos em conta os super-ricos. E, se eles são candidatos então… o poder é ainda maior. Doria que o diga.

Ao não dispor de um limite efetivo às doações privadas, é como se o Brasil migrasse para um grupo bastante particular no comparativo internacional: um país com vedação às doações de empresas, mas praticamente sem limite para doações de pessoas físicas (inclusive candidatos). Esse tipo de modelo de financiamento de campanhas é tão pouco significativo que apenas com muito esforço se consegue identificá-lo no mapa acima. Analisando a questão sob esse prisma, deveríamos estar destacados no mapa com a cor rosa, ao lado apenas de Honduras, Libéria e Filipinas – nações com pouca probabilidade de serem que consideradas exemplos a serem seguidos nessa matéria.

A simples adoção deste ou daquele modelo institucional obviamente não é garantia de sucesso no combate à corrupção. O que chama a atenção, no entanto, é como o modelo brasileiro continua permissivo à influência do dinheiro nas eleições, mesmo com a proibição das doações empresariais.

De um lado, vedamos as contribuições de empresas sem dispor de um aparato estatal para punir efetivamente o financiamento ilegal – vide o recente julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE e a proposta de Janot para suspender os processos envolvendo caixa dois na Lava Jato. Por outro, limites baseados na renda do indivíduo favorecem os milionários – sejam eles superdoadores, sejam candidatos. A combinação desses dois fatores estimula a permeabilidade da política ao poder do dinheiro.

Como tudo o que está ruim pode piorar, segundo reportagem da Folha o relator da reforma política na Câmara, Vicente Cândido (PT/SP), pretende propor o aumento do teto para doações de que pessoas físicas (ele será superior a 10% dos rendimentos brutos, portanto). A se confirmar essa tendência, vamos esperar que novos milionários aportem recursos na política brasileira. Roberto Justus e Luciano Huck já ensaiaram alguns passos nessa direção.

Como diria a canção da Legião – por coincidência chamada Andrea Doria, em homenagem ao príncipe da Sereníssima República de Gênova, terra de banqueiros e mercadores – eu já me acostumei com a estrada errada que tomamos e com a nossa própria lei.

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Porque vocês não sabem do lixo ocidental https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/06/13/porque-voces-nao-sabem-do-lixo-ocidental/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/06/13/porque-voces-nao-sabem-do-lixo-ocidental/#respond Tue, 13 Jun 2017 05:00:12 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=26 Para ser competitivo, partidos têm que captar doações e ceder a demandas privadas

“Por que vocês não sabem do lixo Ocidental?
(…)
Eu sou da América do Sul
Sei vocês não vão saber”

(Para Lennon e Mccartney – Fernando Brant, Márcio Borges e Lô Borges)

No último dia 20/05 escrevi um artigo para a Folha criticando as condições dos acordos de leniência e de delação premiada firmados com a JBS e seus principais executivos e acionistas. Para ilustrar meu argumento, citei o livro “Por que as Nações Fracassam?”, escrito pelo economista Daron Acemoglu (MIT) e pelo cientista político James Robinson (Universidade de Chicago).

Analisando o desenvolvimento de sociedades da Pré História até os dias atuais, os autores chegam a um diagnóstico que considero perfeito para descrever o Brasil: um país dominado há séculos por uma elite econômica e uma casta política umbilicalmente relacionadas, produzindo políticas públicas e leis concentradoras de renda e de poder.

Na conclusão do livro (atenção para o spoiller!), Acemoglu & Robinson apostavam que estávamos a ponto de atingir o momento crítico de criação de instituições políticas e econômicas pluralistas, que fomentam a alternância do poder, a competição e a inovação. Na visão dos autores, poucos países subdesenvolvidos pareciam tão aptos a romper o ciclo de extrativismo político e econômico e iniciar uma nova era de crescimento acompanhado de distribuição de renda como o Brasil.

Para Acemoglu & Robinson, a ascensão do PT ao poder representava a possibilidade dessa grande virada no desenvolvimento brasileiro. Um partido com forte base social, que cresceu ao longo de três décadas acumulando administrações municipais e estaduais que fomentavam a participação social (vide as experiências dos conselhos sociais e dos orçamentos participativos) e que chegou à Presidência da República comprometido com “a provisão de serviços públicos, expansão educacional e um nivelamento das condições do jogo” na economia. Na conclusão do livro, o Brasil é retratado pelos autores de modo muito mais auspicioso do que a Venezuela – e “seus políticos corruptos, com redes de compadrio” com o empresariado – ou o Peru, em que fitas de vídeos revelavam políticos sendo comprados por Fujimori e Montesinos. O Brasil havia “quebrado o molde” de típica República de Banana latino-americana.

Obviamente o otimismo de Acemoglu & Robinson não se devia apenas a uma predileção especial pelo PT. Na sua análise estão implícitas as mudanças no ambiente institucional que permitiram que um partido de esquerda vencesse as eleições presidenciais e implementasse o seu programa de governo sem rupturas. E isso aconteceu devido a um histórico que começa na redemocratização, se aprofunda com a Constituição de 1988, consolida-se com o Plano Real e, na visão dos autores, culmina com a eleição de Lula em 2002 e os sucessivos mandatos petistas. Uma história de sucesso, portanto, que sinalizava ao mundo que estávamos trilhando um caminho de reformas econômicas e sociais incrementais, voltadas para o crescimento e a redução da desigualdade social.

O livro de Acemoglu & Robinson foi lançado em 2012. Àquela época o Brasil já tinha decolado na capa da Economist, mas logo depois a mesma revista retrataria o mesmo Cristo Redentor desgovernado, perguntando se (melhor seria por que) havíamos “estragado tudo”. Sobretudo, naquela época ainda não havia a Operação Lava Jato.

As revelações obtidas pelas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, inclusive as derivadas das delações premiadas, expuseram as vísceras de nossa República, em que a “coisa pública” era devorada por um esquema tão extrativista que certamente surpreenderia Acemoglu & Robinson.

A Operação Lava Jato revelou que, ao contrário do que imaginaram os dois pesquisadores, a associação entre as elites política e econômica no Brasil não respeita coloração partidária. O envolvimento da cúpula do PT com as grandes empreiteiras e a JBS revela o mesmo modo de operação praticado desde sempre no Brasil: em troca de propinas e contribuições de campanhas, os políticos oferecem licitações de cartas marcadas, benefícios fiscais, crédito subsidiado em bancos públicos, regulação favorável e outras benesses para as grandes empresas. Aliás, é difícil imaginar um exemplo tão evidente dessa “parceria público-privada” no Brasil do que aquela conversa de Temer com Joesley Batista no porão da residência oficial, altas horas da noite…

Analisando os dados oficiais de financiamento eleitoral, percebe-se como o PT passa a atrair cada vez mais recursos à medida em que se consolida como uma alternativa viável de poder, a ponto de aproximar-se dos níveis de PSDB e PMDB, partidos que tradicionalmente ocupam as posições de liderança na atração de capital nas eleições brasileiras.

Volume de financiamento privado – pessoas físicas, pessoas jurídicas e autofinanciamento de candidatos – de partidos selecionados nas eleições de 1994 a 2014

Sob o prisma das fontes de financiamento das campanhas, também é possível ver que a partir de 2002, quando assumiu a Presidência, o PT torna-se mais dependente de recursos empresariais, aproximando-se de forma crescente do perfil apresentado pelos seus principais rivais com inclinação ideológica à sua direita.

Percentual de doações feitas por pessoas jurídicas no financiamento privado de partidos selecionados nas eleições de 1998 a 2014

Essa aproximação junto aos grandes empresários para tornar viáveis as suas campanhas eleitorais resultou, como consequência, numa menor representatividade das doações de pessoas físicas. Nesse ponto, os dados apontam claramente para uma distinção entre a evolução do perfil do PT – e também de seu principal e mais fiel parceiro de coligações nas eleições presidenciais, o PC do B – e dos partidos de esquerda mais radicais, como o PSOL, o PSTU, o PCB e o PCO. No gráfico abaixo nota-se que, a partir de 2002, PT e PC do B conseguiram atrair um volume tão significativo de recursos empresariais que a participação das doações provenientes de pessoas físicas foi sendo reduzida a cada ciclo eleitoral para um nível bem inferior ao dos demais partidos de esquerda que não participaram oficialmente da coligação no poder.

Percentual de doações feitas por pessoas físicas no financiamento privado de partidos de esquerda nas eleições de 1998 a 2014

O que eu quero demonstrar com os dados acima é que, para tornar-se competitivo no plano eleitoral, o PT adotou as mesmas estratégias de seus principais adversários políticos, captando doações milionárias de grandes empresas e – como ficamos sabendo a cada dia com os desdobramentos da Operação Lava Jato – cedendo a suas demandas por mais benesses.

Acemoglu & Robinson, à época em que publicaram o seu livro, não perceberam que, a despeito de suas louváveis políticas voltadas ao combate à pobreza e à diminuição da desigualdade social, o PT não foi capaz de romper com as amarras institucionais que unem nossas elites política e econômica.

Assim, se estamos interessados em realizar uma verdadeira “virada crítica” em nossa história de corrupção e desvio de recursos públicos, temos que investigar as engrenagens que fazem esse sistema funcionar no modo “concentração de renda e poder” e buscar soluções para desarmá-lo. Essa é a mais urgente reforma institucional a ser implementada no Brasil – e vai muito além da tão falada reforma política, porque envolve os mecanismos que tornam os assuntos de Estado tão atraentes para os grupos de interesses.

Nas próximas postagens pretendo discutir alguns desses problemas e as possíveis soluções disponíveis – seja na agenda legislativa, na academia ou na experiência internacional. Aguardo vocês!

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Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu (1689-1755), conhecido simplesmente como Montesquieu, levou 20 anos escrevendo “O Espírito das Leis”.

Este blog não tem a pretensão de alcançar a influência desse grande tratado de teoria política. Ele apenas pega emprestado o nome escolhido por Montesquieu porque tem a legislação como o seu objeto de estudo.

Meu objetivo aqui é discutir o modo como as leis são concebidas no Brasil. A proposta é analisar projetos legislativos e políticas públicas que estão em pauta sob uma perspectiva mais técnica, utilizando elementos da Economia, do Direito e da Ciência Política.

Parto do princípio de que a discussão política deve ser mais qualificada, utilizando mais dados e menos opinião. Acredito que entre o “sou a favor” e o “sou contra” de uma reforma da previdência ou de uma reforma trabalhista, por exemplo, existe uma miríade de possibilidades de tornar a legislação mais próxima do “interesse público” – seja lá o que isso significa.

As leis não caem do céu, e no processo de sua elaboração afloram interesses, lobbies e negociações muitas vezes “pouco republicanas” (por isso o cifrão no título). Minha intenção ao escrever os textos deste blog da Folha, portanto, é lançar luz sobre a tramitação de projetos relevantes na pauta do Congresso, tentando contribuir para o debate político que, hoje em dia, situa-se cada vez nesta ampla arena virtual.

E como a ideia aqui não é veicular esta ou aquela visão ideológica ou partidária do mundo, fique à vontade para discordar e opinar, por meio do e-mail brunocarazza.oespiritodasleis@gmail.com. Conto com suas contribuições!

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