O E$pírito das Leis https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br Thu, 13 Dec 2018 11:46:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Nada de extraordinário no anúncio do Ministério da Segurança Pública https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/02/28/nada-de-extraordinario-no-anuncio-do-ministerio-da-seguranca-publica/ https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/02/28/nada-de-extraordinario-no-anuncio-do-ministerio-da-seguranca-publica/#respond Wed, 28 Feb 2018 03:55:38 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/?p=300 Aposta do governo na segurança pública não traz nenhuma esperança para reverter os incentivos que levam jovens a matarem e morrerem no Brasil

Em vez de luz tem tiroteio no fim do túnel
Sempre mais do mesmo
Não era isso que você queria ouvir?
E agora você quer
Um retrato do país
Mas queimaram o filme
Queimaram o filme
(“Mais do Mesmo”. Dado Villa-Lobos; Renato Russo; Renato Rocha; Marcelo Bonfá)

A criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública é a nova cartada no combate à criminalidade no Brasil. E como parece que esse será “o” tema da próxima campanha eleitoral, é bom relembrar àqueles que se deixam seduzir pela política de tolerância zero que, nesse assunto, nós já tentamos quase tudo.

Desde a Constituição de 1988, o Congresso já aprovou mais de uma centena de leis tratando de Direito Penal e de Direito Processual Penal. Na imensa maioria das vezes, essas normas trataram de criar dezenas de novos tipos de crimes e introduzir novas qualificadoras para crimes já existentes.

O gráfico apresenta a divisão das normas penais editadas desde a Constituição de 1988
Fonte: Sistema de Informações do Congresso Nacional – Sicon.

De acordo com o relatório Justiça em Números, havia 7.864.221 processos criminais pendentes nos tribunais brasileiros no final de 2016. E a despeito de todos os aprimoramentos no Código de Processo Penal, o estoque já subiu 20,37% desde 2009. Ou seja, juízes, promotores, defensores públicos e toda a máquina burocrática envolvida nas ações criminais têm enxugado gelo.

Além da expansão da legislação penal (e também em função dela), nós mandamos cada vez mais gente para a cadeia. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, em 2016 havia mais de 720 mil pessoas encarceradas no Brasil – contra 233 mil em 2000. Em torno de 40% desse contingente é constituído por presos provisórios – ou seja, pessoas que ainda aguardam uma sentença judicial, mas mesmo assim estão atrás das grades.

A expansão da rede de presídios e cadeias no Brasil também foi intensa nos últimos anos. Se em 2000 eram pouco mais de 135 mil vagas, em 2016 tínhamos espaço para quase 370 mil presos (um crescimento de 170% no período). O problema é que o número de detentos aumentou num ritmo mais rápido (212% no mesmo intervalo), e a situação se agravou: se em 2000 tínhamos 1,7 presos para cada vaga, hoje são 2 pra um.

Gráfico mostra o crescimento do número de presos no Brasil, assim como as vagas nos presídios e cadeias públicas.
Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (2016).

Nos últimos anos nossa polícia também se tornou mais violenta. De acordo com o Atlas da Violência, publicação organizada pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 942 pessoas morreram em operações policiais em 2015 – dez anos antes, foram 558. A esse respeito, temos duas notícias que tornam esse quadro ainda pior.

A primeira é que esses dados podem estar bastante subestimados. Num levantamento feito pelo FBSP junto às Secretarias de Segurança Pública dos Estados, teriam sido 3.320 mortos em operações policiais em 2016 – ou seja, mais de 3 vezes e meia do que revelam os dados oficiais coletados pelo Ministério da Saúde.

A outra notícia ruim é que, nesse confronto direto entre forças policiais e criminosos, há muitas baixas também no lado de cá. Estatísticas coletadas pelo FBSP indicam que, em 2016, 335 policiais militares e civis morreram em confrontos ou foram vítimas de crimes violentos mesmo fora do horário de expediente – o Rio de Janeiro é o campeão nesse tema, com 92 policiais assassinados.

O gráfico mostra o crescimento do número de mortos em operações policiais de 2005 a 2015.
Fonte: Atlas da Violência 2017.

A despeito da edição de novas leis (e mais rígidas), da expansão dos presídios, de colocarmos cada vez mais gente nas cadeias e das milhares de pessoas mortas pela e na polícia, o quadro de violência galopante na sociedade brasileira não dá sinais de melhoria.

Recentemente rompemos a barreira dos 60 mil mortos por ano. Desses, mais da metade são jovens de 15 a 29 anos. O presente e o futuro do Brasil.

O gráfico mostra a evolução do número  total de homicídios no Brasil, bem como a participação das vítimas de 15 a 29 anos.
Fonte: Atlas da Violência 2017.

Sinceramente, não espero muito do tal Ministério Extraordinário da Segurança Pública. Certamente ele vai lançar um novo Plano Nacional de Segurança Pública, com promessas de integração das polícias, cooperação entre a União e os Estados, promessas de investimentos em tecnologia e de mais dinheiro para o Fundo Penitenciário, reforço no policiamento das fronteiras. E tolerância zero contra o crime.

Pena que nada disso sai do papel. Há décadas, o discurso da segurança pública no Brasil é um e a prática outra: baixa taxa de elucidação de crimes, uma política de drogas que se mostra a cada dia mais fracassada, muita violência policial, uma Justiça criminal abarrotada e presídios superlotados se convertendo em universidades do crime.

Para fazer jus ao “Extraordinário” no nome do Ministério, o governo deveria ter como única missão desarmar os incentivos que levam um jovem a optar pela vida criminosa mesmo sabendo que há elevadíssimas chances de que ele, antes de chegar à vida adulta, pode entrar para as estatísticas de homicídios no Brasil. Encarar esse desafio vai muito além de criar um Ministério ou de decretar intervenção nos Estados. Exige colocar em prática os bonitos propósitos dos Planos Nacionais de Segurança Pública, mas também envolve melhor qualidade na educação, geração de empregos e políticas mais abrangentes de renda mínima. Medidas voltadas para o hoje e para o amanhã, portanto – mas que devem começar a ser implementadas pra valer agora.

O mais desanimador nessa história é que o mesmo governo que lança essa campanha pela segurança pública está trabalhando arduamente pelo seu fracasso. Ao abandonar a Reforma da Previdência, agrava-se a situação fiscal da União e dos Estados – e isso fatalmente terá repercussões nos investimentos necessários para combater a criminalidade, nas despesas com educação de qualidade e nas perspectivas de crescimento que poderia alavancar o emprego.

As chances de que a política de segurança pública do governo Temer se transforme em “mais do mesmo” são altas. E isso não tem nada de extraordinário.

 

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