Um governo de novatos, inexperientes e membros do baixo clero
Governo Bolsonaro e novo Congresso atendem aos anseios da população por novidades na política – mas é preciso ficar de olho, pois os riscos são consideráveis.
Fechadas as urnas do segundo turno, é hora de olhar para a frente. Concordemos com o resultado ou não, a vontade da maioria dos eleitores deve ser respeitada e cabe a todos nós monitorar cada passo do novo presidente e dos senadores e deputados federais eleitos no dia 07/10 – sem perder de vista, claro, o que acontece nos Estados. Afinal, a democracia não se realiza apenas no momento da votação; ela deve ser encarada como um exercício diário de fiscalização de quem exerce o poder.
O que esperar, então, deste governo Bolsonaro que se descortina diante de nós? Passado o calor da eleição, como se comportará o novo presidente frente a um Congresso renovado?
Existem vários prismas para se avaliar a nova composição do Executivo e do Legislativo que assume em 01/01/2019, mas eu arrisco dizer que será um governo dominado por novatos e inexperientes, pouco habituados ao pesado jogo político nacional.
Para começo de conversa, Bolsonaro é, ele próprio, virgem em matéria administrativa – afinal, nunca ocupou um cargo executivo ao longo de sua vida pública. No Congresso, apesar de exercer 7 mandatos consecutivos como deputado federal, sempre atuou nas franjas do sistema, sem ocupar cargos de liderança ou exercer o comando de comissões importantes; ele tampouco relatou ou aprovou matérias relevantes para o país. Sempre foi, portanto, um parlamentar do chamado baixo clero.
Do ponto de vista de sua equipe de governo, dos poucos nomes que foram confirmados até agora a inexperiência também é uma marca. Apesar de sua bem-sucedida carreira no mercado financeiro, o futuro ministro da Economia Paulo Guedes não tem passagens anteriores pelo governo. Onix Lorenzoni, futuro ministro da Casa Civil, nunca foi membro da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e os postos mais altos que ocupou no Parlamento foram a liderança do DEM em 2007 e a presidência da Comissão de Agricultura e Pecuária em 2008. É muito pouco para quem terá a missão de comandar as relações entre Executivo e Legislativo no próximo governo.
Além disso, a ideia de nomear membros das Forças Armadas para postos-chave no ministério e nas estatais indica que Bolsonaro não pretende contar com tecnocratas ou políticos experientes na condução do dia-a-dia do governo. Alguns veem isso uma inovação em relação ao passado; outros enxergam riscos à frente. A aposta numa completa reformulação da estrutura administrativa do governo (reduzindo os 29 ministérios atuais para 15) sendo comandada por ministros inexperientes pode imputar ao governo Bolsonaro uma paralisia que pode ser fatal diante dos imensos desafios impostos pela grave crise fiscal que atravessamos.
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, no Congresso Nacional, o eleitor insatisfeito com os escândalos de corrupção ceifou importantes cabeças que controlavam as engrenagens do poder (como Romero Jucá, Eunicio Oliveira, Edison Lobão, José Agripino) e acabou também levando de roldão lideranças com um importante papel propositivo, como Cristovam Buarque, Ricardo Ferraço, Marcus Pestana, Osmar Serraglio e Vanessa Grazziotin.
O saldo dessa renovação é um Congresso de neófitos (82 novos deputados nunca haviam disputado uma eleição antes) e também muitos parlamentares pouco relevantes que só conseguiram sobreviver porque os partidos privilegiaram os candidatos à reeleição na distribuição do bilionário fundo eleitoral.
Isso quer dizer que também o Poder Legislativo passará por um período de desorganização e luta preenchimento do vazio de poder deixado pelos figurões que foram defenestrados no voto – e justamente num momento em que projetos importantes, como a reforma da Previdência, estarão em pauta.
É óbvio que, com o apoio do Centrão, Bolsonaro deve conseguir uma boa base de apoio no Congresso, além de gozar de ampla popularidade que lhe garantirão aquela tradicional lua de mel de início de governo.
A grande questão é saber como ele se comportará quando essa fase passar. Dará poder cada vez maior aos novatos do PSL e a membros arrebanhados nas bancadas ruralista, evangélica e da segurança pública? Vai recorrer aos grandes caciques que sobreviveram à guilhotina popular (Renan, Rodrigo Maia, Jader Barbalho, Aécio Neves)? Ou exercerá um governo plebiscitário, fazendo ligação direta com a população, contando como o trunfo de ter as Forças Armadas consigo?
Bolsonaro recebeu a maioria dos votos dos brasileiros que buscam uma nova forma de fazer política e anuncia que vai governar sem os métodos e representantes da velha política. Mas o futuro é incerto e precisamos ficar de olho.
Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.