Novatos e velhacos
Partidos têm estratégias bastante diferentes quanto à renovação de seus quadros. Isso pode representar muito. Ou nada.
Desde pelo menos as manifestações de junho de 2013, há um clamor difuso na sociedade por renovação na política brasileira. Com a reputação dos políticos tradicionais dizimada por escândalos sucessivos de corrupção, todo tipo de estratégia tem sido tentado para surfar nessa onda e se diferenciar da chamada “velha política”.
Alguns partidos mudaram seu nome e abriram mão até mesmo de serem conhecidos como partidos. Democratas, MDB, Avante, Patriota, Podemos, Democracia Cristã, por exemplo, tentam disfarçar seus verdadeiros nomes de batismo, mas não perderam sua essência de PFL, PMDB, PT do B, PEN, PTN e PSDC.
Houve ainda a criação de novos partidos, embora alguns deles sejam apenas reacomodações de políticos velhos em legendas novas: surgiram o Novo e a Rede, com novas propostas de governança e atuação, mas também o Partido da Mulher Brasileira, o Pros e o Solidariedade.
A tática mais recente de dar nova roupagem à velha disputa político-partidária está no lançamento de muitos novatos na disputa. Como pode ser visto no gráfico abaixo, o percentual de candidatos que nunca disputaram uma eleição antes ultrapassou a barreira dos 40% neste ano, nível mais alto desde 2006 para o cargo de deputado federal.
Ao decompormos esse número entre os partidos, entretanto, fica claro que há um comportamento muito divergente entre eles. Como pode ser visto abaixo, o Novo faz jus ao nome e apresenta o maior índice de outsiders nesta eleição: quase 90% de seus membros que pleiteiam uma vaga na Câmara dos Deputados são completamente virgens em termos eleitorais. E para comprovar que o partido não foi criado simplesmente acomodando em seus quadros antigos políticos de outras siglas, ele não lançou um único candidato que já tenha disputado cinco ou mais eleições anteriores.
Analisando o gráfico a seguir, é possível constatar que os partidos menores, ameaçados pela cláusula de desempenho, estão entre os que mais investiram em novos nomes nesta eleição: Novo, PCO, PMB, o PSL de Bolsonaro, a Rede de Marina Silva, entre outros, deram ênfase na captação de neófitos para tentar obter pelo menos 1,5% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados – distribuídos em 9 Estados, com pelo menos 1% em cada um – e assim continuar tendo acesso ao fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito em rádio e TV a partir de 2019.
No extremo oposto, partidos tradicionais, mais bem estruturados, ofereceram pouca abertura para os novatos, concentrando seus esforços em nomes mais experientes. Dessa forma, os tradicionais PSB, PT, PSDB, MDB, PR, DEM e PP estão entre aqueles com menor índice de estreantes nesta eleição. Aliás, PT e PR têm os maiores percentuais de raposas velhas nos seus quadros, sendo que quase ¼ de seus candidatos têm no currículo cinco ou mais eleições.
A despeito dessa grande variedade de perfis entre os partidos no que se refere ao histórico de seus candidatos em eleições passadas, isso tem poucas consequências práticas.
Em primeiro lugar, se as barreiras à entrada são mínimas – os partidos em geral são bastante receptivos e os custos de registro de candidaturas são baixíssimos (basta o preenchimento de alguns formulários) – as chances de sucesso bem reduzidas.
A experiência das últimas eleições indica que apenas 10% das vagas são preenchidas por novatos. E, nesse caso, se o novato não dispuser de um parente político (para garantir acesso ao dinheiro do político e aos cabos eleitorais), ser bastante rico (para bancar sozinho os elevados custos de campanha), ser uma celebridade ou dispor de um rebanho de fiéis (o que dispensa gastos elevados com marketing eleitoral), é praticamente impossível conseguir uma vaga de primeira. Os dados da eleição de 2014 demonstram isso.
Mas existe uma outra notícia ruim para quem espera que mais candidatos novatos pode levar a uma verdadeira renovação na política brasileira. Num interessante estudo que está prestes a ser publicado num periódico internacional, os pesquisadores Manoel Leonardo Santos (UFMG) e João Victor Guedes-Neto (University of Pittsburgh) investigaram se políticos novatos e tradicionais enxergam o mundo de modo diferente. O artigo se chama “Renovando a política ou mais do mesmo? Comparando novatos e políticos tradicionais nas legislaturas latino-americanas”.
Mediante a pesquisa de um banco riquíssimo de entrevistas realizadas pelo Projeto de Elites Parlamentares da América Latina (PELA) da Universidade de Salamanca, Santos e Guedes-Neto compararam as respostas de 1.155 deputados eleitos recentemente em 17 países da América Latina a respeito de três temas controversos: combate à corrupção, casamento entre pessoas do mesmo sexo e papel do Estado na economia.
Os autores levaram em consideração, em seus testes econométricos, não apenas o fato de o parlamentar ser ou não um outsider na política, mas também se ele pertencia a uma família de políticos ou se era jovem (até 35 anos), além das variáveis de controle “ser de oposição ao governo” e “se posicionar mais à esquerda ou à direita no espectro ideológico”.
Os resultados encontrados são frustrantes para quem espera, de novatos, uma visão de mundo diferente dos políticos tradicionais. Embora parlamentares estreantes têm em média uma preocupação mais forte com o combate à corrupção, de modo contrário ao senso comum esse efeito é menor entre jovens políticos que não têm vínculos familiares com os antigos donos do poder.
Da mesma forma, o fato de estar ou não exercendo um novo mandato não foi relevante no que diz respeito à tolerância à igualdade entre os sexos. Neste quesito, o efeito parece ser geracional: deputados jovens costumam aceitar melhor o casamento entre homossexuais, independentemente no número de mandatos que acumulam.
Por fim, em termos de regulação econômica, novatos sem laços de parentesco com políticos e jovens tendem a ser mais intervencionistas, embora o resultado também não seja muito robusto.
De maneira geral, e isso vale para as três dimensões estudadas pelos autores, as variáveis ideológicas foram mais relevantes do que o fato de um parlamentar ser ou não novato: independentemente da experiência política prévia, membros da oposição tendem a ser mais combativos à corrupção, enquanto políticos de esquerda costumam ser mais liberais nos valores (casamento homossexual) e pouco propensos a aceitar políticas econômicas pró-mercado.
As conclusões encontradas pelos professores Manoel Santos e João Victor Guedes-Neto, quando somadas às grandes limitações institucionais do nosso sistema eleitoral, jogam um balde de água fria em quem clama por renovação na política brasileira.
O grande número de estreantes nas urnas em outubro próximo é ilusório: poucos deles vingarão, e aqueles que o fizerem tendem a pensar e agir como os velhos políticos tradicionais. Entre novatos e velhacos, teremos mais do mesmo por mais quatro anos.
Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.
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