Black is beautiful?
Dados informados ao TSE indicam um crescimento da proporção de candidatos negros e pardos. Mas isso não é tão óbvio.
De acordo com dados do IBGE , de 2012 para 2016 os percentuais de população negra e parda no Brasil cresceram, respectivamente, de 7,4% para 8,2% e de 45,3% para 46,7%. Com relação aos brancos, a parcela dos brasileiros que se consideram brancos recuou de 46,6% para 44,2%.
Essa mudança recente na composição étnica do país tem explicações demográficas (a miscigenação faz com que o grupo pardo cresça), mas uma das principais forças motrizes nesse processo é o fortalecimento da identidade da população negra, fazendo com que um contingente maior de pessoas se reconheça como tal – e tenha orgulho disso.
Os dados recém divulgados pelo TSE indicam um movimento similar. Embora a parcela dos candidatos que se autodeclaram brancos ainda seja majoritária – num montante bem superior ao da população em geral, é importante frisar –, a importância dos grupos negro e pardo cresceu entre 2014 (primeiro ano em que o TSE se interessou por essa questão) e 2018.
Analisando os dados com mais atenção, porém, essa tendência de afirmação do orgulho negro não parece ser tão forte assim entre os candidatos. Para verificar como se dá essa dinâmica, fiz um exercício simples: tomei o total de candidatos que se registraram para disputar tanto as eleições de 2014 quanto as deste ano e analisei suas declarações de cor em ambos os pleitos.
Do total de 28.600 candidatos que buscam um lugar ao sol em 2018, 5.554 também se inscreveram para disputar um cargo em 2014 (19,4% do total). Desses, como pode ser visto no gráfico abaixo, 1.439 mudaram a sua declaração de cor. Ou seja, cerca de um quarto dos candidatos que disputaram ambas as eleições alteraram o seu registro no TSE quanto a sua etnia.
Como se trata de um mesmo grupo de candidatos, podemos descartar a hipótese de mudança demográfica para explicar essa mudança. Resta, portanto, a suposição de que esses candidatos que alteraram o seu registro o fizeram no afã de reafirmar sua “negritude”, tal qual o IBGE tem observado na população em geral. Para minha surpresa, os números não permitem assegurar que isso esteja acontecendo.
Conforme pode ser visto no gráfico abaixo, o grupo mais relevante dos que mudaram suas declarações de cor é realmente o formado pelos candidatos que se declaravam brancos em 2014 e no pleito atual afirmam-se pardos (576). Embora esse movimento seja condizente com o que está acontecendo na população brasileira em geral, segundo o IBGE, um número expressivo de candidatos agiu no sentido inverso: 484 candidatos declararam-se pardos em 2014 e agora indicam que são brancos.
Movimento similar observa-se entre aqueles que fizeram a transição diretamente da cor branca para a preta entre as duas últimas eleições (23) – número que é ligeiramente inferior ao de pretos em 2014 que viraram brancos em 2018 (25).
Os números acima, portanto, não nos permitem afirmar que há uma alteração significativa no perfil dos candidatos nas duas últimas eleições quanto à sua cor. As modificações observadas, pelo menos no grupo de candidatos que participou das duas disputas, não podem ser explicadas nem por razões demográficas e tampouco pelo processo de reafirmação da identidade negra já captado pelo IBGE.
As mudanças observadas nos números parecem apontar, contudo, para um problema mais prosaico: a baixa qualidade dos dados coletados pelo TSE. Conforme apontei em coluna recente na Folha, nosso tribunal eleitoral baseia-se sobremaneira em autodeclarações para traçar o perfil dos concorrentes a cargos representativos no Brasil. E isso gera um banco de dados repleto de erros, inconsistências, subdeclarações e omissões.
Obviamente, é difícil escapar da autodeclaração quando se trata de cor da pele. Porém, no caso de estado civil, escolaridade e, principalmente, ocupação econômica e patrimônio, não podemos nos fiar no que declaram os candidatos. Seu perfil econômico, definitivamente, não está na cara. E cabe ao TSE, como guardião do processo eleitoral, zelar para que as informações que ele capta sejam fidedignas e não induzam o eleitor a comprar gato por lebre.
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Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras).
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