De olho nas propostas nº 02: Combate à Corrupção
Continuando a análise dos programas de governo apresentados ao TSE, seguem as propostas dos candidatos para a política de combate à corrupção
Um mega escândalo de corrupção envolvendo grandes empreiteiras agindo em cartel para fraudar licitações de obras públicas. O dinheiro chegava aos políticos via caixa dois, por meio de um esquema que utilizava contas em paraísos fiscais, doleiros e entregas de valores por meio de pacotes entregues por motoristas. Na ponta final do esquema, a propina serviu para pagar despesas pessoais de um Presidente da República, além de financiar campanhas de políticos aliados.
Não, não estou falando da Lava Jato. Esse é um resumo do Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito instaurada para apurar o chamado “Esquema PC Farias”, que acabou apeando Fernando Collor de Mello do poder em 1992.
No Brasil os escândalos de corrupção se sucedem, muitas vezes com os mesmos personagens e métodos. No caso dos Anões do Orçamento, na casa de um dos executivos da onipresente Odebrecht foi encontrada uma planilha com nomes de parlamentares seguidos de valores, supostamente relacionados ao pagamento de propinas.
Na lista, nomes de parlamentares que, 25 anos depois, também apareceriam em destaque na lista de Janot – Geddel Vieira Lima (vulgo “Babel”) e Edson Lobão (o “Esquálido”) eram dois deles. Naquela época (1993), o lobista da Odebrecht era Cláudio Melo. Quando eclodiu a Lava Jato, era seu próprio filho quem exercia as mesmas funções na maior empreiteira do país. O Brasil realmente não é para principiantes.
É inegável que a Operação Lava Jato constitui um marco nessa história. Afinal, pela primeira vez políticos de renome e executivos da nata do empresariado brasileiro foram passar “férias numa colônia penal”, como diria Jorge Ben.
O problema é que não fomos muito além da conjunção de fatores que permitiu que uma equipe de procuradores e um juiz federal desbaratassem o nó que unia umbilicalmente parte de nossas elites política e econômica. Noves fora a proibição de doações de empresas determinada pelo STF – uma medida que, isolada, só piora a situação -, praticamente não tivemos nenhuma mudança nos incentivos à corrupção no Brasil.
Diante desse cenário, é importante ver o que os principais candidatos à Presidência propõem para desestimular o desvio de recursos públicos no país:
- Álvaro Dias (Podemos) – Apoia as 10 Medidas contra a Corrupção (projeto capitaneado pelo Ministério Público Federal para aumentar o rigor das investigações e punições contra corruptos e corruptores) e promete diminuir as oportunidades de desvios por meio de uma reforma administrativa que enxugue a máquina pública, simplifique a burocracia e elimine privilégios.
- Ciro Gomes (PDT) – Defende o fortalecimento dos órgãos de controle (CGU e TCU) e a criação de um sistema de controle interno unificado, integrando a atuação da CGU com as suas congêneres nos Estados e municípios. Quer estimular os mecanismos de transparência (governo eletrônico, unificação de cadastros, etc.), articulando a atuações das organizações de controle social com os órgãos estatais (Ministério Público, CGU, TCU, Polícia Federal). É favorável aos acordos de leniência, cujos entraves devem ser eliminados. Promete adotar uma espécie de termo de decência pelos ocupantes de cargos e o afastamento de todos os acusados por corrupção. Propõe ainda a criação de unidades de corrupção específicas para grandes obras, bem como “auditorias de equidade” (em relação aos serviços públicos) e “agentes de cidadania” nas comunidades afetadas por política públicas federais.
- Geraldo Alckmin (PSDB) – Propõe enxugar o Estado (privalização, menos ministérios e cargos públicos), eliminar mordomias e privilégios, criar mecanismos de transparência para o cidadão e estimular o acompanhamento e a avaliação do resultado das políticas públicas.
- Guilherme Boulos (PSOL) – Na sua visão, é necessário fomentar a democracia direta: “o Estado deve decidir suas políticas públicas a partir das decisões tomadas por conselhos populares setoriais e (…) locais. Tais conselhos têm como função maior livrar o Estado da cultura neoliberal tecnocrática e do poder dos lobbies”. Também propõe o fim de privilégios, especialmente no Legislativo e no Judiciário, o fim do sigilo das operações dos bancos públicos e estatais e medidas para a eliminação da chamada “porta giratória” (a mudança de pessoas entre postos nos órgãos reguladores e nas empresas reguladas).
- Henrique Meirelles (MDB) – Apesar de não mencionar em nenhum momento a palavra “corrupção”, o programa sinaliza com uma maior abertura para a população e os órgãos de controle fiscalizarem o relacionamento entre o público e o privado.
- Jair Bolsonaro (PSL) – Promete resgatar as “10 Medidas contra a Corrupção” e que investigações não serão mais atrapalhadas ou barradas, propõe a simplificação burocrática como desestímulo à corrupção.
- João Amoêdo (Novo) – Defende o fim dos privilégios e o combate à impunidade, além de “instituições independentes, com custo baixo, transparência total e resposta rápida às demandas do cidadão”.
- Lula/Fernando Haddad (PT) – Sugere a criação de normas que garantam maior transparência e prevenção à corrupção, além de aprimorar os mecanismos de gestão e as boas práticas regulatórias dos órgãos públicos. Mas alerta que “a pauta do combate à corrupção não pode servir à criminalização da política”. Para tanto, propõe uma reforma no Poder Judiciário e no Ministério Público que envolve a revisão das competências dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público (CNJ e CNMP), a instituição de ouvidorias externas e as mudanças nos processos de escolhas dos integrantes do STF e dos Tribunais Superiores. Critica o uso dos acordos de leniências e as delações premiadas pelo MP e pela Justiça.
- Marina Silva (Rede) – Promete romper o padrão fisiológico da relação com o Parlamento, a ocupação de cargos públicos segundo critérios de competência e idoneidade, desenvolvimento de um governo aberto e digital, o estabelecimento de metas e indicadores para todas as políticas públicas e a criação de um Conselho Nacional de Transparência Ativa. Assegura que blindará os órgãos de controle interno e externo contra nomeações políticas e adotará a exigência de ficha limpa em todas as nomeações para cargos públicos. Propõe a criminalização do caixa dois eleitoral e do enriquecimento ilícito de agentes públicos.
As propostas sintetizadas acima demonstram que o tema de combate à corrupção ainda é tratado de modo extremamente vago pelos candidatos. Além das frases de efeito (Álvaro Dias, Alckmin e Bolsonaro usam o mesmo bordão de “tolerância zero contra a corrupção”), são poucas as propostas concretas.
Apenas Álvaro Dias e Bolsonaro prometem recuperar o projeto das “10 Medidas contra a Corrupção” que jaz em alguma gaveta do Congresso Nacional após ser descaracterizado pelas forças do “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”.
Também são sintomáticos os programas de Meirelles, Alckmin e Lula/Haddad. Os dois primeiros, apoiados respectivamente pelo MDB e pelo Centrão, todos envolvidos até a medula na Lava Jato, mal tocam no assunto corrupção. O programa do PT, outro colhido no olho do furacão das investigações iniciadas em Curitiba, é um “pote até aqui de mágoa” contra o Judiciário e o Ministério Público.
Além da simplificação burocrática, da eliminação de privilégios e do aumento da transparência – questões praticamente unânimes entre os candidatos -, as propostas de Ciro e de Marina parecem ser as mais comprometidas em encarar o tema seriamente: fortalecimento de órgãos de controle e sua articulação entre si e com entidades da sociedade civil, critérios mais restritivos para ocupação de cargos públicos e endurecimento de penas contra o caixa dois e o enriquecimento ilícito são boas sinalizações para combater o mau uso de recursos públicos. A intenção de Boulos de atacar o problema da “porta giratória” nos órgãos reguladores também é interessante.
Aproveitando a oportunidade, recomendo aqui aos eleitores, candidatos e suas assessorias que procurem conhecer o projeto “Unidos contra a Corrupção”. Trata-se de um pacote de 70 alterações legais concebidas de modo colaborativo por mais de 200 especialistas e 373 instituições, num trabalho capitaneado pela Transparência Internacional no Brasil, o Centro de Justiça e Sociedade (FGV Direito Rio) e o Grupo de Estudos Anticorrupção (FGV Direito SP).
O movimento trabalha para que o novo Presidente da República e os futuros parlamentares apoiem essas Novas Medidas Contra a Corrupção, e conclama os candidatos a firmarem um compromisso público de defender sua aprovação durante seus mandatos.
Sem dúvida, é um caminho para pressionarmos por mudanças concretas nos incentivos para a corrupção. Quem sabe assim consigamos evitar que, num futuro próximo, vejamos novos escândalos protagonizados pelas mesmas figuras – ou por novos, usando os mesmos métodos.
E você, o que achou das propostas dos candidatos para o combate à corrupção? Comente abaixo ou envie sua opinião para brunocarazza.oespiritodasleis@gmail.com
Confira abaixo os textos anteriores da série “De Olho nas Propostas”: