Ações entre amigos

Bruno Carazza

Nas eleições de 2016, só Marcelo Freixo soube usar as doações pela internet no financiamento de campanhas eleitorais


Nós temos lá em casa uma vaquinha preta
Fora de série, com cinco tetas –
Essa vaquinha é a nossa salvação
Ela come bem pouquinho e dá leite de montão.

(“Vaquinha Preta” – Gaúcho da Fronteira)

Já foi dada a largada para as eleições de outubro. Para quem não sabe, de acordo com a minirreforma eleitoral de 2017, desde o último dia 15 de maio os pré-candidatos já estão autorizados a captar recursos para as suas campanhas por meio de financiamento coletivo – as famosas vaquinhas virtuais.

O uso do crowdfunding nas eleições brasileiras é uma novidade apenas em termos: as doações pela internet já eram aceitas pelo Tribunal Superior Eleitoral, mas apenas neste ano candidatos e partidos poderão contratar empresas para intermediar a coleta de recursos junto ao público. Até o momento o TSE já autorizou a atuação de dezenas dessas empresas.

Olhando para trás, as doações pela internet nunca tiveram relevância nas campanhas eleitorais. Nas eleições de 2016, mesmo com a proibição de doações de empresas, as vaquinhas virtuais representaram menos de 0,1% do total arrecadado – no total, foram pouco mais de R$ 2,5 milhões, num total de quase R$ 3 bilhões movimentados pelos candidatos.

O gráfico mostra a distribuição da arrecadação de campanha nas eleições de 2016 por origem dos recursos
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE.

Como pode ser visto no gráfico acima, a principal fonte de dinheiro foram as doações feitas por pessoas físicas pelas vias tradicionais (43% do total), seguidas pelo dinheiro aportado nas campanhas pelos próprios candidatos (37%) e as transferências vindas dos partidos (14%) e de outros candidatos – as famosas “dobradinhas” entre candidatos a prefeitos e vereadores – com 5%.

Nesse cenário de baixa utilização da internet como um canal de arrecadação de recursos, ninguém se destaca tanto quanto Marcelo Freixo (PSOL), o candidato derrotado à prefeitura do Rio de Janeiro. Dos quase R$ 2,5 milhões obtidos por todos os candidatos e partidos brasileiros nas eleições municipais de 2016, Freixo abocanhou, sozinho, R$ 1.454.452,00.

Com quase 58% do total doado pela internet, Freixo ficou bem à frente do segundo colocado, Fernando Haddad (PT/SP), que recebeu pouco menos de R$ 300 mil dessa fonte na sua tentativa – também frustrada – se manter-se no comando do município de São Paulo.

Graças ao protagonismo de Freixo e de Haddad, PSOL e PT foram os líderes na arrecadação de recursos pela internet nas eleições de 2016, responsáveis por quase 2/3 do total auferido no país:

Em termos de mobilização social, os números das eleições de 2016 revelam que, no quadro atual de descrédito na política, são poucos os brasileiros dispostos a inserir o número de seu cartão de crédito num site para transferir recursos a algum candidato ou partido.

Nesse quesito, novamente Freixo foi um ponto fora da curva: conseguiu convencer 17.645 pessoas a fazê-lo. Haddad, mesmo contando com a tão propalada militância do PT na maior cidade do país, mobilizou apenas 1.618 doadores internautas. De forma geral, como se vê no gráfico abaixo, em 2016 os candidatos não conseguiram arrebanhar mais do que um punhado de apoiadores nas suas vaquinhas virtuais:

Para as eleições de 2018, a história promete ser diferente. A permissão legal para que candidatos e partidos contratem empresas de crowdfunding deve tornar a captação de recursos pela internet mais agressiva. Dessa forma, os desafios do TSE, Ministério Público, imprensa e entidades da sociedade civil se multiplicarão: se não houver transparência e fácil acesso aos dados consolidados de doações por esses canais, o crowdfunding pode se tornar um simulacro para doações de laranjas e de doações empresariais camufladas.

É, preciso, portanto, ficar de olho aberto, pois, no fundo, todos vão querer ser como Freixo. Se não na votação – afinal, todos querem ser eleitos -, pelo menos na arrecadação.

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