Sem dinheiro, sem tempo, sem voto: o dia das mulheres na política brasileira

Bruno Carazza

Baixa participação feminina no Congresso é reflexo da sociedade e também dos partidos brasileiros

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas
(“Mulheres de Atenas” – Chico Buarque e Augusto Boal)

Para os especialistas, o nível de participação de mulheres em cargos eletivos é um indicador confiável do grau de amadurecimento das democracias: quanto mais postos o sexo feminino conquista, mais igualitário tende a ser o país – ou, pelo menos, mais preocupado em reduzir as diferenças entre homens e mulheres.

Não se trata apenas de uma questão de poder. Para fazer política, as mulheres precisam encontrar tempo e energia após cumpridas suas obrigações familiares e profissionais – e isso fica bem mais fácil quando há maior equilíbrio entre homens e mulheres no ambiente doméstico e no setor privado. Indo além, para serem eleitas as mulheres precisam de dinheiro e apoio partidário para que suas ideias sejam ouvidas e aceitas pelos eleitores.

Sob esse prisma, o Brasil tem uma posição vexaminosa no ranking de participação política das mulheres. Com pouco mais de 10% de mulheres na Câmara dos Deputados, a Inter-Parliamentary Union – uma associação dos parlamentos de todo o mundo – coloca o Brasil num ridículo 154º lugar entre 193 países, à frente apenas de alguns países árabes, do Oriente Médio e de ilhas polinésias.

No mapa abaixo, quanto mais escura a cor, maior a participação feminina nos Legislativos nacionais. Nele destacam-se como exemplos tanto sociedades claramente igualitárias – os países nórdicos (Islândia, Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca) à frente –, quanto países que implementaram cotas para mulheres nas cadeiras do Parlamento – e as surpresas aqui são países como Ruanda e Bolívia.

Mesmo aprovando uma lei que determina que os partidos e coligações reservem pelo menos 30% de suas vagas para candidatas do sexo feminino, a verdade é que as mulheres recebem um percentual muito baixo de votos nas eleições brasileiras. Tomando as eleições municipais – os pleitos que elegem os representantes mais próximos do nosso dia-a-dia –, podemos verificar que, se de um lado as candidaturas femininas venham até crescendo nos últimos anos – em resposta à legislação -, o percentual de votos recebidos pelas mulheres caiu nos últimos anos. E, como consequência, a parcela de vagas conquistadas por elas nas Câmaras Municipais permaneceu bastante baixa, abaixo de 15%. Isso significa que, no Brasil, há em geral 7 vereadores (homens) para cada vereadora (mulher).

O gráfico mostra a participação das mulheres nas eleições municipais brasileiras em relação a número de candidatos, votos e eleitos.
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral, dados compilados pelo autor.

O mais triste nesse resultado é que ele se encontra disseminado de forma bastante homogênea pelo país. Cruzando os dados de voto nas mulheres com indicadores como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o nível de escolaridade dos eleitores ou a renda da população, não se identifica qualquer relação entre essas variáveis. Isso quer dizer que não são os mais pobres, ou os menos escolarizados, ou os moradores dos rincões do país que votam menos nas mulheres – SOMOS TODOS NÓS. Ou seja, não levar as mulheres a sério nas eleições é algo absolutamente disseminado pelo território brasileiro.

E por que nós, brasileiros, votamos tão pouco em mulheres? Obviamente há uma forte questão cultural, ligada à discriminação, que pauta a luta diária das mulheres e que infelizmente só ganha visibilidade no dia 08 de março de cada ano.

Mas evidentemente não estamos nas últimas posições do ranking internacional de participação feminina na política apenas por isso. É claro que há um fator institucional que dificulta a chegada ao poder das mulheres. Essa barreira institucional tem origem nas relações de poder no âmbito dos partidos políticos brasileiros. E para demonstrar isso, apresento três exemplos gritantes.

Nas últimas eleições municipais de 2016, 18.244 candidatas não ganharam um voto sequer; isso representa 12,5% de todas as candidaturas femininas. Esse número contrasta fortemente com o resultado dos homens (apenas 2,6% dos candidatos masculinos não receberam nenhum voto) e é um forte indício de que partidos políticos estão inscrevendo mulheres, muitas vezes sem o seu consentimento, apenas para atender à exigência legal de ter 30% de suas vagas destinadas para o sexo feminino. O nome disso é fraude, e aparentemente o Tribunal Superior Eleitoral não tem dedicado muito esforço para punir essa prática.

Outra evidência de como as práticas dos partidos não amparam as mulheres está no financiamento eleitoral. Como pode ser visto no gráfico abaixo, com a grande exceção da Rede, em geral os partidos brasileiros destinaram, na média, menos recursos para suas candidatas do que para seus pares do sexo masculino em 2016. Da esquerda radical à direita, passando pelo Centrão, as cúpulas dos partidos reproduzem as práticas discriminatórias de nosso cotidiano.

O gráfico mostra a distribuição dos recursos partidários entre candidatos homens e mulheres nas eleições de 2016.
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral, dados compilados pelo autor.

Como dinheiro traz voto, o menor acesso das mulheres ao dinheiro distribuído pelos partidos resulta em menos votos e menos cargos eletivos conquistados – e isso explica boa parte da baixa representação feminina no Congresso.

Uma boa evidência de como as cúpulas partidárias contam para as chances de uma mulher conseguir se eleger no Brasil está no fato de que, das atuais 55 deputadas federais e 13 senadoras do Congresso, a metade (26 deputadas e 8 senadoras) é filha ou (ex) esposa de políticos mais experientes. Embora não possamos descartar os seus méritos pessoais, é razoável imaginar que o laço de parentesco com políticos influentes tenha facilitado o acesso dessas candidatas a recursos, doadores de campanha e uso da máquina partidária para serem eleitas. Afinal, só o senador Jader Barbalho conseguiu eleger sua ex e a atual esposa para a Câmara, as deputadas Eunice Barbalho e Simone Morgado. Para as mulheres que não contam com esses “cabos eleitorais”, eleger-se é uma missão quase impossível no Brasil.

Para não terminar essa trágica história sobre a participação feminina nas eleições brasileiras sem pelo menos um fio de esperança, destaco que muitos países têm aprovado reformas corajosas para estimular a competitividade das mulheres nas disputas eleitorais. Questões como cotas para mulheres na distribuição do fundo partidário, nos cargos diretivos dos partidos ou até mesmo nas cadeiras do Parlamento vêm sendo adotadas em diversos países para estimular, ainda que “de cima para baixo”, a participação feminina na política.

Discutir essas questões com seriedade é uma excelente pauta para este 08 de março.

 

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