De negação em negação, Huck fez bem em desistir

Bruno Carazza

Candidatura de Luciano Huck, embora com boas chances de ser bem-sucedida nas urnas, poderia se tornar um governo desastroso

Palavras apenas
Palavras pequenas
Palavras, momento

Palavras, palavras
Palavras, palavras
Palavras ao vento

(“Palavras ao vento”. Marisa Monte e Moraes Moreira)

Luciano Huck desistiu de se candidatar à Presidência da República. Não é a primeira vez. Somente aqui na Folha, ele negou que iria concorrer em três dos quatro artigos que escreveu para o jornal no último ano.

É verdade que essas negativas nunca convenceram ninguém, basta olhar o título de seus artigos: “Estou aqui” (14/05/2017), “Tá ligado?” (28/08/2017), “Tempos e movimentos” (18/10/2017) e finalmente “No rumo” (27/11/2017). Entre uma negativa e outra, a mensagem era clara: estou aqui, tá ligado? Tempos e movimentos no rumo do Palácio do Planalto.

Do “Não, não sou candidato a presidente” (frase que abre o primeiro artigo) ao “Contem comigo. Mas não como candidato a presidente” (que fecha o quatro e último texto) podemos extrair vários sinais sobre o projeto Luciano Huck 2018. O propósito deste texto é analisar, com base nas suas palavras, como Huck construiu sua pré-candidatura e os problemas que levaram a seu fim prematuro.

O apresentador da Globo se colocou (ou foi colocado, como fez questão de dizer no primeiro e no quarto artigos) como alternativa num cenário aberto com as manifestações de junho de 2013, o impeachment de Dilma, as investigações da Lava Jato e o grande número de abstenções, brancos e nulos em 2016.

Huck e seus apoiadores sabiam que ele tinha boas chances de ser eleito. É por isso que a crise e a descrença com a política tradicional estão presentes nos seus quatro artigos: “Temos que aposentar os velhos vícios de como se faz política, e com eles seus criadores e protagonistas”, propôs em maio. “Não podemos perder tempo mais uma vez, aceitando um outro ciclo de inércia, de incompetência exacerbada, atraso deliberado, um misto nefasto de ganância, corrupção e estupidez que nos assola ao longo de décadas”, pregou em agosto.

“O dia em que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal forem compostos, em sua maioria, por pessoas íntegras, éticas, genuinamente bem-intencionadas e comprometidas com o bem comum, independentemente das suas ideologias, as soluções para as questões do país florescerão” (outubro). “O Brasil está sofrendo demais –especialmente os mais pobres, mas não apenas eles– para ficarmos passivos e reféns deste sistema político velho e corrupto”, foi a conclusão de novembro.

Huck buscou ocupar um vácuo na política brasileira (“ainda não vejo liderança capaz de desenhar e defender um projeto de Brasil coerente e eficaz que nos inspire, que nos mobilize”). Talvez por isso não se colocou como gestor, pois esse papel já tinha sido explorado por Doria nas eleições de 2016. Aliás, nos quatro textos o termo “gestão” só aparece uma vez, e ainda assim associada ao verbo “servir”.

Ao contrário dos neófitos da geração 2016 (João Doria, Alexandre Kalil), Huck não caiu na armadilha de se dizer contrário à política. “Estamos em um momento do país em que todos devemos ser políticos, ressignificar essa palavra, trazê-la para o centro das discussões”, sugeriu no primeiro dos artigos. Seis meses depois, reafirmou: “se não nos aproximarmos de fato da política, se seguirmos negando esse universo e refratários ao seu ambiente, ele definitivamente não se reinventará por um passe de mágica”. Não sem razão, “política” é a terceira palavra mais repetida nos quatro artigos (16 vezes), só batida por, claro, “país” (23 vezes) e “Brasil” (17 vezes).

Na busca de uma ressignificação da política, Huck se coloca como o “novo”. É por isso que “ideias”, “transformação”, “renovação”, “inovação”, “tecnologias” e congêneres assumem um papel importante no seu discurso. Mais do que isso, Huck afirma que esta é a hora e a vez da sua geração – ele afirma isso em três dos quatro artigos. Bem sucedidos na vida profissional, chegou o momento de fazerem alguma coisa pela política. “Ocupar espaços de poder”, na sua declaração de 14/05/2017.

Nos quatro artigos, Huck se apresenta como predestinado a cumprir uma missão. “Não há sucesso, não há felicidade, não há riqueza se não formos capazes de estender esses privilégios a todos”, disse no final de agosto. E é aí que aflora o populismo do apresentador de TV. Mas, como em tudo no seu discurso, trata-se de um “novo” populista.

É interessante notar que Huck enfatiza seu lado de apresentador de TV nos artigos, escondendo seu sucesso como empresário. Seus 20 anos de carreira, destacados cinco vezes nos artigos, são suas credenciais para se dizer conhecedor do povo brasileiro. “Nas últimas duas décadas viajei este país de ponta a ponta, entrei na casa das pessoas, dividi com elas seus sonhos, compartilhei seus desejos, sem nenhuma intenção além de ouvir e de contar suas histórias” (maio).

Mas Huck não se arvora no papel de “pai dos pobres”; ele transita por todos os meios. “Ando há anos e anos por lugares ricos, paupérrimos, super ou subdesenvolvidos, em guerra, centros moderníssimos de saber, cantos absolutamente esquecidos pelo desenvolvimento. Sempre atrás da mesma coisa: gente boa. (…) Gosto muito de gente. Sempre gostei. De todo tipo, origem, tamanho, cor, posição na pirâmide”. O novo populista, literalmente, não toma partido. Como sua missão é constituir uma alternativa nestes anos de tanta divisão social e política, nada melhor que um “gente boa” para unir o país.

Isso não quer dizer, entretanto, que os velhos chavões populistas não estejam presentes no seu discurso, como o figurino do bom filho/pai/amigo, presente tanto na declaração de que esses anos de estrada o tornaram um “homem, pai, marido e cidadão melhor” (maio) à consideração dada a “meus pais, minha mulher, meus filhos, meus familiares e os amigos próximos que me querem bem” quando o aconselharam a não se candidatar. em novembro.

Buscando se proteger previamente de eventuais críticas quanto à sua falta de experiência política, Huck deixa claro desde o começo que estava se preparando. De cara ele já se apresentou como “alguém movido pela vontade de aprender e por uma curiosidade inata e verdadeira”. Três meses e meio depois, avisou que passou “os últimos dias imerso numa sequência sem fim de palestras e painéis sobre o futuro” na Singularity University, no Vale do Silício. Na sequência, mostrou-se fazendo o dever de casa: “tenho pensado, lido, refletido e ouvido muita gente sobre os melhores caminhos para tirar o Brasil desta triste situação em que nos encontramos”. Nas conversas com especialistas, a travessia surtiu efeito: “Foram meses que produziram em mim uma pequena revolução, um aprendizado enorme”.

Huck estava pronto para lutar e vencer a batalha do voto. Adequava-se perfeitamente ao discurso do “novo” contra os “velhos políticos corruptos”, o porta voz de uma nova onda na política, o popular, cercado de especialistas nos mais variados problemas brasileiros. Um caminho luminoso se estendia à sua frente, com boas perspectivas de fincar um lugar no segundo turno e – quem sabe? – receber a faixa presidencial em 1º de janeiro de 2019.

Mas como seria no dia seguinte à posse?

Huck faz apenas quatro menções aos partidos políticos em seus textos – uma em cada um. Em nenhuma delas a referência é positiva. Os movimentos cívicos, por seu turno, ganharam seis indicações, todas elas positivas. Huck apostava em organizações como o Agora e o Renova BR, com os quais passou a se articular, como os canais de renovação para a política brasileira, carcomida pela corrupção e as velhas práticas.

O problema é que, para ser eleito e, principalmente, governar, é preciso de um amplo arco de partidos políticos apoiando. E os partidos políticos, na sua maioria, estão na mão dos velhos oligarcas contra os quais Huck levanta o seu discurso de “novo”.

Com quase R$ 2,6 bilhões nas mãos dos caciques partidários para financiar as campanhas de seus correligionários e doações empresariais proibidas, a tal renovação na Câmara e no Senado ficará bem abaixo do desejado. Governar com os “movimentos cívicos”, portanto, mostra-se inviável, pelo menos no próximo governo.

Também não resolve se cercar de uma equipe de notáveis na formação do seu Ministério. Por melhores que sejam as propostas dos especialistas, as reformas terão que ser negociadas (o termo é bem apropriado) num Congresso composto por Renans, Jucás, Maruns, as bancadas “da bala, da Bíblia e do boi”, o Centrão…

Sem uma ampla base de apoio para suas propostas, Huck só teria os dois caminhos trilhados por tantos presidentes na Nova República: ou se deixa levar pelo fisiologismo, ou cai do cavalo. Em ambos os casos, o resultado está bem longe de uma renovação na política.

E é neste ponto que afloram os vazios do projeto de Huck. Apesar do discurso de “projetos” (7 citações) e “ideias” (14) que embalam o “novo”, os quatro artigos de Huck não apresentam uma proposta (uma menção) concreta sequer. Assunto central para nossa sociedade, seus textos praticamente não falam de desigualdade (“desigual” é usada apenas uma vez), ou diferenças entre pobres (uma menção) e ricos (duas). Problemas crônicos são mencionados apenas de passagem, como saúde (3 vezes) e educação (2). Não há referência a segurança pública ou a (des)emprego. “Reformas” aparece uma vez, assim como “gestão pública” – mas nota-se um silêncio eloquente em relação à Previdência, ao orçamento e à tributação. Para alguém que dispôs de um espaço nobre na imprensa para lançar suas propostas para o eleitorado durante praticamente um ano, é decepcionante constatar que não há novidade alguma nas propostas do ex-pré-candidato.

Por mais que, no discurso, Huck não negasse a política, seu desprezo pelos partidos políticos e o vazio de suas propostas fizeram seu projeto naufragar. Seus silêncios nos artigos para a Folha já apontavam para o quão frustrante o seu governo poderia ser. O “novo” eram palavras ao vento. Ele fez bem em desistir.

 

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