A favor e contra Dilma e Temer
Análise de discursos de deputados nos julgamentos de Dilma e de Temer revela quem são e o que pensam os quatro principais grupos na Câmara a respeito de investigações contra corrupção
Quanto você ganha pra me enganar?
Quanto você paga pra me ver sofrer?
[…]
Ai de mim, de nós dois
Vale quanto pesa reza a lesa de nós dois
“Vale quanto pesa” (Luiz Melodia)
Se a gente falasse menos
Talvez compreendesse mais
[…]
Palavra figura de espanto, quanto
[…]
Mas o tudo que se tem não representa nada
[…]
E tudo que se tem
Não representa tudo
O puro conteúdo é consideração
Não goza de consideração
“Congênito” (Luiz Melodia)
Num intervalo de 472 dias a Câmara dos Deputados teve a oportunidade de julgar dois Presidentes da República, fato único em nossa história: em 17/04/2016, decidiu iniciar o processo de impeachment de Dilma Rousseff; e no último dia 02 de agosto, negou autorização para o Supremo Tribunal Federal (STF) processar criminalmente Michel Temer.
Em ambos os processos, pairava a sombra de grandes escândalos de corrupção. O pedido de abertura do processo de impeachment de Dilma trazia consigo acusações a respeito das revelações da Operação Lava Jato (embora ao final ela tenha caído por causa das pedaladas fiscais).
No caso de Temer, as evidências eram mais diretas: todos ouviram a gravação dele se acertando com Joesley Batista e assistiram ao vídeo de seu assessor, Rodrigo Rocha Loures, dando a famosa corridinha com a mala de R$ 500 mil.
Para tentar entender o que levou a Câmara a resultados contraditórios num intervalo temporal tão curto, resolvi compilar os votos e as justificativas de cada um dos parlamentares nas duas votações. E ao contrário do que os resultados diametralmente opostos possam indicar, é possível identificar grande coerência entre os principais grupos formados.
Descartando as ausências, suplências e abstenções, 445 deputados manifestaram-se nas duas votações. De acordo com os votos dados, foi possível dividi-los em quatro grupos.
O dominante, com 211 deputados, alinhou-se totalmente com Michel Temer: votou pelo impeachment de Dilma (“tchau, querida!”) e pelo arquivamento do processo contra o atual presidente.
Em segundo lugar, com 108 parlamentares, figura o grupo favorável às investigações, independentemente do ocupante do Palácio do Planalto. São aqueles que se manifestaram pela abertura do processo contra Dilma e quiseram que Temer fosse investigado pelo STF contra os crimes praticados no caso JBS.
Logo abaixo vêm os deputados alinhados com o PT: denunciaram o suposto golpe contra Dilma no impeachment e gritaram “fora, Temer” na semana passada. Foram 102 deputados no total.
Por fim, temos a turma do “deixa disso”: 22 deputados que votaram contra o impeachment de Dilma e também contra a abertura do processo de Temer. Temos aí um pessoal que não se mostra muito interessado em investigações – e por serem em número reduzido, por economia de espaço não vou analisá-los aqui.
Para verificar como os membros dos três principais grupos justificaram seu posicionamento, solicitei à Câmara dos Deputados as notas taquigráficas das duas sessões de julgamento discutidas aqui.
[Aliás, na minha experiência de mais de três anos trabalhando com a Lei de Acesso à Informação, posso afirmar com segurança de que nenhum órgão tem sido tão prestativo em atender às minhas solicitações do que a Câmara dos Deputados. As respostas sempre são muito rápidas e em formato amigável. Fica aqui meu elogio e uma exortação para que os outros órgãos públicos sigam o seu exemplo.]
De posse das notas taquigráficas, fiz alguns malabarismos no Word e no Excel e computei quais os principais termos utilizados pelos deputados nos discursos dos julgamentos de Dilma e de Temer. E o resultado diz muito a respeito do que move cada bloco de parlamentares e traz indicativos sobre sua postura daqui para a frente.
“Estou com Temer e não abro”
Este grupo de 211 deputados que se posicionou com Temer nas duas votações pode ser visto como a representação da base de apoio do atual presidente. Ele é formado por 44 deputados do PMDB, 27 do PP, 21 do PSDB, 20 do DEM, 19 do PSD, 16 do PR, 14 do PRB, 10 do PTB e 24 de uma miríade de partidos menores.
No gráfico abaixo podemos verificar como eles justificaram seus votos no caso de impeachment de Dilma e na votação da semana passada:
Verificando os principais termos utilizados na sessão do impeachment de Dilma, vê-se que esse grupo se utilizou de um discurso bastante conservador e nacionalista. “Brasil”, “povo”, “Estado”, “família” e “país” foram os 5 termos mais utilizados, sendo que “filhos” e “Deus” também tiveram destaque. Não se nota, entre as expressões mais utilizadas, nenhuma que faça menção a corrupção ou às pedaladas fiscais, diga-se de passagem.
Na votação a respeito da abertura do processo contra Temer, no entanto, despontaram outros termos, como “estabilidade” (foi o segundo termo mais utilizado), “economia”, “econômica” e “reformas”. Tais termos indicam que a decisão de apoiar o presidente não se deveu a uma apreciação a respeito das evidências trazidas ao processo, mas sim de um juízo de conveniência relacionado à estabilidade política necessária para o país superar a crise econômica e aprovar as reformas propostas por Michel Temer.
Da análise de discurso nas duas votações podemos inferir, portanto, que 40% da Câmara dos Deputados é conservador, apoia as reformas econômicas e está fechado com Temer.
“Meu coração é vermelho”
Fazendo oposição direta ao grupo pró-Temer, em torno de 20% da Câmara alinhou-se à esquerda nas duas votações aqui estudadas.
Nesse time estão 56 deputados do PT (nenhum deles descumpriu a orientação do partido), 10 do PDT, 9 do PC do B, 6 do PSOL e 5 do PSB e o restante disperso entre outros partidos menores (16 deputados no total).
Esses parlamentares bradaram contra o “golpe” (expressão mais utilizada) contra Dilma e defendeu valores como “democracia” e “Constituição”, além dos tradicionais “Brasil”, “povo” e “país”. Note-se que a ira dos defensores de Dilma na primeira votação estava muito mais centrada em Eduardo Cunha do que em Michel Temer, de acordo com o número de referências a cada um deles.
Já na segunda votação o “fora, Temer” ganhou força (“fora”, “Michel” e “Temer” estão entre os 5 termos mais utilizados). Naturalmente, os termos “investigação” e “corrupção” surgiram apenas nesta seção. Mas o que mais me chamou a atenção foi a alta incidência das palavras “reforma”, “Previdência”, “direitos” e “trabalhista” – indicando que este grupo se coloca totalmente contra qualquer iniciativa do atual governo de se promover reformas econômicas no país.
“Se há governo, sou contra”(será?)
Eu tenho simpatia pela atitude dos 108 deputados que se manifestaram tanto pela abertura do impeachment contra Dilma como a favor do prosseguimento do processo criminal contra Temer no STF. Afinal, mesmo que tenham sido movidos por interesses estritamente pessoais, eles apoiaram as investigações diante de indícios de cometimento de crime (de responsabilidade ou comuns) dos Presidentes no poder.
Esse grupo é bastante heterogêneo. Congrega representantes de todos os partidos com representação no Congresso, exceto os alinhados à esquerda (PT, PC do B e PSOL), o PEN (novo Partido de Bolsonaro) e o PSL.
Ele é dominado pela dissidência do PSDB que se colocou contra Temer na semana passada (19 deputados) e pelo PSB (16), seguido por um número baixo de membros dos demais partidos.
Devido à polaridade entre o grupo de Temer (com 40% da Câmara) e dos aliados do PT (que têm 20%) é neste grupo que reside o futuro do atual governo. Se o presidente conseguir cooptar boa parte de seus membros, é possível que consiga salvar a sua pele até o final de 2018 e, quem sabe, aprovar mais alguma reforma. Por isso é importante saber o que pensam esses parlamentares.
O gráfico acima revela que no julgamento de Dilma pesou mais aquela visão conservadora que também predominou entre o grupo pró-Temer: “Brasil”, “povo”, “país”, “Estado” e, mais abaixo, “família” e “Deus” foram termos utilizados com muita frequência.
Eu concluo daí que nesse grupo que tem o poder de definir o futuro de Temer bate um coração conservador, o que pode ajudar na governabilidade daqui pra frente e na aprovação de reformas econômicas.
Na votação da última semana, no entanto, esse grupo deu mais ênfase ao tema do combate ao desvio de recursos públicos: passaram a predominar referências a “investigação(ões)”, “corrupção”, “prosseguimento”, “denúncias”, “verdade”…
Isso quer dizer que, talvez de olho em 2018, boa parte desses 108 deputados (fundamentais para aprovar uma PEC, por exemplo) pode abandonar de vez o barco de Temer se surgirem novas acusações e evidências contra o presidente, comprometendo seriamente a continuidade de seu governo.
Mas, como diria o grande Melodia, “o tudo que se tem não representa nada, o puro conteúdo é consideração”.
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